Papo Lendário #204 – Krampus e os Companheiros de São Nicolau

Papo Lendário #204 – Krampus e os Companheiros de São Nicolau

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Pablo de Assis e Ju Ponzi conversam sobre o Krampus.

Conheça esse assutador ser natalino.

Ouça sobre os demais companheiros de São Nicolau.

Entenda porque algumas tradições antigas devem ser alteradas.

E receba um carvão, uma chicotada, ou seja sequestrado por esta adoravel criatura.

– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, o podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. Se você está ouvindo este episódio assim que foi ao ar, Feliz Natal, e espero que tenha sido uma boa pessoa, caso contrário você irá ganhar um carvão ou então uma chicotada, ou mesmo ser sequestrado pelo Krampus. E para esse episódio estou aqui com o Pablo e com a Ju Ponzi, ela que conhece mais aí da terra natal dessa criatura.

Ju Ponzi: Rapaz, lá, quando tinha a parada do Krampus, era louco.

Leonardo: É, a gente vai falar também desses festivais, esses desfiles que tem aí. Eu já vi alguns vídeos aí e a gente vai tentar deixar alguns vídeos aí no post. Bom, quem é o Krampus? Ele é considerado um ser folclórico e é relacionado à época de Natal, por isso que esse episódio aqui está saindo na época de Natal aí, sendo o último episódio do ano. Ele, por vezes, é considerado uma versão macabra do Papai Noel, já que ele vem na época aí de Natal, mas ele é bem mais assustador. Não só a aparência dele, como o objetivo dele, que ele vem para punir e para sequestrar as crianças desobedientes, então, se você foi uma boa criança, o Papai Noel vem e te traz presentes; se você não foi, vem o Krampus te chicotear ou então te sequestrar, coloca você em um saco e leva embora.

Pablo: A versão natalina do Homem do Saco.

Leonardo: Exatamente. Ele é de origem da Europa, de alguns países específicos. Você o encontra em vários países, como a Áustria, a Hungria, a Eslováquia, a Eslovênia, Croácia, na Alemanha tem, em vários países dessa região. Claro que a gente tem uma versão brasileira, que mais para a frente aí a gente vai falar, e tem nos Estados Unidos também, mas adveio tudo dessas regiões da Europa.

Pablo: Ju, você que além de ter morado por lá e conhece linguística, tem alguma relação entre esses diferentes povos que acabam trazendo uma base para o Krampus aparecer por ali ou é mais uma questão geográfica, tipo, um está do lado do outro?

Ju Ponzi: Olha, eu acho que, na realidade, é uma mistura, tanto geográfico também, porque a gente tem uma linha, e essa linha desses países, querendo ou não, segue um rio, então você meio que pode vir trazendo todas essas histórias e essas lendas pelo rio, que foi uma coisa que é também bastante responsável por espalhar várias coisas pela Alemanha. Então, por exemplo, onde você… porque existe Carnaval na Alemanha – pasmem, temos Carnaval na Alemanha – e ele se estende por uma parte onde é tudo banhado pelo mesmo rio. Então era uma galera que fazia comércio e aí foi indo, foi espalhando. Então as cidades que são mais conhecidas por comemorar esta data de uma forma um pouquinho diferente da gente, mas também tem comemorações… eles comemoram mais ainda. Se você acha que o Carnaval aqui no Brasil dura muito, na Alemanha dura muito mais. E é tudo espalhado pelo rio, então você vai descendo o rio desde o norte até quase lá embaixo e tem um monte de cidadezinhas na beirada do rio. Então acredito que seja isso, seja muito pelo lance da galera ir e vir e trazer comércio, e trazer também as fábulas e as crendices, e o Krampus também, porque o Krampus é incontrolável, indomável.

Leonardo: Ele que desce o rio e vai indo também assustar os outros países.

Ju Ponzi: Exato.

Pablo: É porque eu fico pensando muito no folclore alemão, porque os irmãos Grimm fizeram muito o favor de organizar tudo isso, eles caçaram muitos dos contos perdidos no interior da Alemanha e na região, mas muito enquanto na tentativa de organização linguística deles, e eu sempre tive curiosidade para saber se a cultura acabou se organizando também por conta disso, porque durante muito tempo a Alemanha não era um país, era um bando de gente que morava por perto basicamente, e depois eles foram se organizando, inclusive linguisticamente. Fiquei sabendo esses dias e acabei encontrando um vídeo que mostrava que, antes de Martinho Lutero, que fez uma tradução em alemão da Bíblia, você não tinha nem um alemão unificado, e que ele acabou criando uma versão que pudesse ser inteligível por vários dialetos e versões de alemão diferentes, e acabou dando uma base para isso.

Ju Ponzi: É, e ele é o responsável por sistematizar a primeira gramática, inclusive, por isso. Sistematizar a primeira gramática do alemão. Então quando os meus alunos reclamam: “Ah, Juliana, isso aqui está muito difícil”, eu falo: “Não é minha culpa, você vá brigar com Martinho Lutero, que foi culpa dele”, coitado. Depois disso, o alemão evoluiu um montão, mas enfim, mas é isso mesmo. E outra coisa também que a gente tem nos contos que os irmãos Grimm recolheram, entre muitas aspas, do povo alemão, e justamente por esse lance de você não ter as suas bordas, os seus limites de país muito bem definidos, é o que acontece, por exemplo: na Alemanha, você tem um monte de versões de contos de fadas de contos nórdicos – porque a Europa é aquele negócio, tropeçou, caiu no outro país -, então você tem um monte de versões, por exemplo, de contos noruegueses, dinamarqueses, e que viraram histórias que hoje a gente conhece como legado dos irmãos Grimm. Então, por exemplo, a história da Bela Adormecida e tudo mais. Então acho que ficou uma grande mistureba, justamente por você não ter essa limitação física, e a galera no lugar ali até hoje, ali em cima onde você tem a divisão, a fronteira com a Dinamarca, você fala um dialeto que é uma mistura de alemão e dinamarquês. Então é tudo muito misturado. Então você tem toda a razão, a gente pode atribuir a isso também. E aí o Krampus viajou, aproveitou, porque, para uma história viver, ela precisa ser contada, então ele foi só se espalhando pela boca dos outros.

Leonardo: Bom, falando desse tema, ouvinte, diz aí se você gostaria que a gente fizesse um episódio referente aos irmãos Grimm, toda essa parte histórica. De repente pode ser interessante. Diz aí nos comentários se você gostaria para o futuro um episódio desse tipo.

Ju Ponzi: Adoro as histórias originais dos irmãos Grimm, que são muito mais sanguinolentas, maravilhosas, entendemos o porquê de elas terem mudado também, mas adoro.

Leonardo: E aproveitando que a gente citou a questão da linguística e tudo mais, o Krampus, pelo que eu pesquisei, muitas vezes diz que ele vem de krampen, que seria a palavra para garra no alemão antigo.

Ju Ponzi: Procede, é isso mesmo.

Leonardo: Porque realmente ele tem garras, mas é claro que o nome dele também podia ser baseado em qualquer outra parte assustadora dele aí, porque a fisionomia dele é basicamente a de um demônio, o conceito classicão de um demônio. Ele tem o corpo todo peludo, tem chifres, ele tem um pé de bode. E eu acho interessante essa questão do pé, porque, nas representações, nos desenhos que você vê, normalmente um pé dele é mais comum, por assim dizer, e o outro é um de bode. Então, tipo, é um só.

Pablo: Ele é meio sátiro só.

Leonardo: É.

Ju Ponzi: É verdade.

Leonardo: E tem rabo, tem que ter, e outra coisa marcante da aparência dele é a língua, que normalmente é representado ele com um linguão grande para fora da boca. Mas ele tem ficado mais popular. Eu percebo que de uns anos, talvez décadas ou não, mas ele tem ficado mais popular, porque ele já é conhecido na Europa em si, nessas regiões, mas eu acho que em mídias mesmo em geral têm se tornado mais famoso. Não chega a ser tão comercial quanto o Papai Noel, mas ele tem se tornado mais conhecido. E ele veio mudando com o tempo, que a gente falou aí no início, de ele dar chicotada e sequestrar crianças; tipo, atualmente eu acho que deve ser mais tranquilo nos festivais que acontecem. Assusta um pouco, mas imagino que não deve ter muitos sequestros referentes a isso. Mas eu sei que antigamente as coisas acabavam sendo mais pesadas. Não que atualmente os festivais não assustem.

Ju Ponzi: Leo, vou dizer que tem tentativas de sequestro. Vou deixar uns links aí para vocês de uns vídeos bem legais. Tem umas tentativas; eu acho que hoje eles não conseguem mais, mas, enfim, existe ainda uma tentativa de catar a criancinha lá que está com o pai e com a mãe vendo a parada do Krampus.

Leonardo: E do Krampus, eu vejo, na pesquisa para a pauta, mostrando como que esse folclore foi se mantendo. Eu vejo que é bem aquela ideia que não dá para você barrar essas coisas culturais, porque é algo bem pesado, é assustador ali, e teve épocas que a Igreja Católica realmente proibiu, mas você vê que acaba voltando, continua tendo essa visão do Krampus assim. Não importa se a Igreja vai proibir ou não. E aí você vê que acaba já se unindo com a cultura em geral para realmente colocar no Natal algo realmente católico ali, claro que com sua origem pagã, mas atualmente católico, mas adiciona-se o Krampus. Porque até às vezes eu vejo o Krampus, eles põem como sendo a versão macabra do Papai Noel, como é visto assim, mas muitas vezes coloca-se até ele como um companheiro do Papai Noel, no sentido de que ele faz uma parte do trabalho. Enquanto o Papai Noel ganha ali a visibilidade boa, do bom velhinho, o Krampus faz o trabalho sujo.

Pablo: Isso me chama a atenção, porque a gente já comentou no episódio que a gente fez do Papai Alguns, alguns vários Natais atrás, que uma das possíveis influências para a imagem do Papai Noel é a própria figura do Odin ou de Votan, como ele era conhecido naquela região, que, nessa época, ele distribuía presentes para as crianças. E, quando a gente tem essa construção do Krampus ligada a essas várias origens, é interessante ver o quanto que essas outras imagens associadas acabam trazendo dessa mitologia pagã também, porque, reconhecendo que na época do Natal você tem Papai Noel e Krampus andando juntos e o Papai Noel já está muito mais cristianizado hoje em dia, a gente tenta entender de onde vem isso – é claro que a nossa mente cristianizada acaba trazendo muito a imagem ligada aos demônios ou ligada ao próprio diabo, e, sei lá, o que o Papai Noel vai estar fazendo andando com o diabo do lado? Mas, se a gente pega as referências mais mitológicas e pagãs dessa história, a gente vê que está muito mais ligado e está muito mais próximo, e o quanto essa base do Odin e de Votan ligados ao Papai Noel está muito mais presente do que a gente imagina.

[Trilha sonora]

Ju Ponzi: Falando um pouquinho da minha vivência lá da Alemanha, em dezembro as crianças têm visitas duas vezes: você tem a visita no dia seis de dezembro, que aí vem São Nicolau, que é bastante separado do Papai Noel, e o São Nicolau é quem vem acompanhado do Krampus. Então, nas paradas que a gente assiste lá na rua e tal, a figura é parecida com o Papai Noel, pero no mucho, porque o São Nicolau tem os símbolos todos lá. E aí tem o lance de que, se você foi bonzinho esse ano, é o São Nicolau que te presenteia, e os presentes são as coisas mais fofinhas do mundo, porque, por exemplo, as crianças ganham laranjas. Aí você vai perguntar: “Como assim? Você vai dar fruta para criança? Como assim?”, porque, nos tempos imemorais, na realidade, a fruta até hoje – porque, se você compra na Alemanha, se você pede na Alemanha em uma lanchonete um suco de laranja, ele tem um custo totalmente diferente do suco de laranja que acabou de ser espremido, que isso tem no cardápio diferentemente. Então você tem o suco que é importado, da caixinha, e tem o “Ah, que a gente fez agora, de laranja”, porque laranja não é uma fruta super… agora, com a globalização, ok, mas ela chega, coitadinha, muito murchinha, muito sem suco, então laranja é um doce que, para eles, é, tipo, muito diferente. E, na época, era como se fosse, sei lá, se a gente for comparar com o Halloween aí que a criançada pede trick or treat, era um treat, era muito gostoso.

Pablo: É por conta disso que na Alemanha, quando eles pensaram: “Vamos fazer um refrigerante diferente”, fizeram de laranja?

Leonardo: Olha só.

Ju Ponzi: Provavelmente, mas, olha, eu não duvido, Pablo.

Pablo: Um gosto assim, que os alemães vão gostar mesmo, eles (inint) [00:13:57].

Ju Ponzi: Pois é. Se tivesse dado para fazer de banana, seria banana, mas aí não dá, foram para a laranja. E aí ele dá chocolatinhos, ele deixa para as crianças chocolatinhos, laranjinhas, que é o São Nicolau, e aí vem o Krampus, se você foi ruim, então tome aí chicotada e vamos embora juntos no saco aqui, tipo Homem do Saco. E aí, no dia 24 ou 25, você tem a presença do Papai Noel. Então lá as crianças, em dezembro, ganham dois tipos de presentes; no dia seis um presente, o menorzinho, mas já é um chocolatinho, uma coisa gostosa, que vem lá junto com o Krampus, e aí no 25, que é esse Papai Noel mais tipo Igreja Católica. Mas a gente precisa lembrar que a gente está falando de um país que é muito dividido, onde o sul é predominantemente católico e o norte é predominantemente protestante. Então você tem essa diferença também da popularidade de Papai Noel e São Nicolau, enfim. Hoje, você tem isso na Alemanha toda, mas ainda há uma preferência, dependendo da região onde você nasceu.

Pablo: Essas festividades todas acontecem mais ao sul do que ao norte.

Ju Ponzi: O Papai Noel cristão, aquele dos dias 24 e 25, acontece mais no sul mesmo; o São Nicolau e o Krampus, hoje, você tem versões na Alemanha toda.

Pablo: Porque o São Nicolau é ainda mais católico do que protestante, não é?

Ju Ponzi: Pois é, eu acho que, como é uma coisa mais antiga, Pablo, então aí o norte acaba comprando mais. Mas aí eu estou falando só de um achismo, isso eu não sei, estou falando só de achismo.

Leonardo: Eu fiquei pensando assim, como o Krampus e o São Nicolau vêm antes do Papai Noel, no começo do mês, se o Krampus leva a criança embora porque ela não foi boa, aí os pais nem precisam se preocupar com o presente do Natal mesmo.

Ju Ponzi: Exatamente, muito prático, não é mesmo?

Leonardo: Olha só, é prático isso aí. É interessante. Achei curioso isso aí de dividir o São Nicolau do Papai Noel. Isso eu não sabia, não.

Ju Ponzi: Pois é. E inclusive até a aparência do São Nicolau – obviamente ele tem a barba, tal – você consegue diferenciar bem quem é o São Nicolau do Papai Noel nas figurinhas e tal. É bem legal.

Leonardo: Bom, e falando aí dessa parte mais de origem assim, pesquisando aí a gente encontra às vezes que diz que o Krampus seria um personagem vindo da mitologia nórdica em si, que a gente conhece aí do Thor, Odin e tudo mais, do qual ele seria filho da deusa Hela, mas, assim, eu vou ser sincero que eu só encontrei isso, sempre os locais falando que “Ah, o mito dele advém de ele ser filho da Hela” – quando você pesquisa do Krampus. Mas, quando você pesquisa a mitologia nórdica, eu não encontrei nada disso. Quando você encontra… fala da Hela, não tem isso aí, nunca ouvi nada, sabe? Relacionado aos Eddas e tudo, aquela parte realmente mítica ali. Então não sei, aí eu já começo a achar que estão forçando essa conexão. Ouvinte, a gente vai deixar no post aí algumas imagens também. É muito legal, tem uma aqui que é o São Nicolau com os guarda-costas Krampus, seria assim, porque é ele andando no meio de vários Krampus.

Ju Ponzi: É, e é assim que começa a parada. Você tem um São Nicolau, um só, então você está vendo que você consegue distingui-lo, porque a figura dele parece muito bispo, ele parece muito um bispo, ele tem um chapéu e tal assim, então ele vem meio que abrindo a procissão, entre aspas, porque é tipo uma procissão, e aí vem um monte de Krampus, muitos Krampus mesmo, e eles têm na roupa… é muito comum que essas partes onde parecem uns cintos que estão cruzados, você tenha muitos guizos, então eles vêm pulando e fazendo muito barulho dos guizos, e eles têm também uns tambores e uns bastões, então eles vêm batendo no chão, batendo no tambor. Então eles fazem muito barulho. E eles têm um balé especial, um jeito de se mexer, que, gente, você ver esses negócios ao vivo dá muito medo de verdade. Tipo, é muito impressionante. E as máscaras, as roupas são muito bem-feitas. Então tem um São Nicolau só para um milhão de Krampus, isso é o mais legal de tudo. Temos muito mais crianças más do que crianças boazinhas.

Leonardo: Sim, faz sentido. Pela proporção, faz sentido. E essa procissão em si, você sabe se é de algum país em específico? Porque eu sei que, como a gente falou, tem em vários países e vai modificando um pouco, ou meio que todos esses acabam tendo algo desse tipo, dessa festividade?

Ju Ponzi: Olha, como eu falei para vocês, eu vi tanto na Alemanha quanto na Áustria, mas eu sei que tem em todos esses países que vocês citaram no começo, meninos. Tem na Hungria, tem em vários locais mesmo. Eu só vi pessoalmente nesses dois que eu falei, mas elas acontecem sim. Não sei se na mesma frequência como na Alemanha, porque na Alemanha acontece em um monte de cidades diferentes e acontece também meio que durante dezembro. A primeira é no dia seis, mas você tem várias durante dezembro, na realidade, não é só no dia seis. A do dia seis é sempre a maior, mas eu já vi coisas diferentes que aconteceram em outros dias também, e também tinha um montão de Krampus.

Leonardo: O terror psicológico lá é maior.

Ju Ponzi: Eu falo, gente, olha que jeito maravilhoso de educar crianças: com o Krampus. Você sobe mais um pouquinho, você educa criança com troll: “Olha, se você sair e for àquele lugar, o troll vai vir e vai arrancar a sua cabeça”. Pronto, educou a criança, cara.

Pablo: Principalmente se você for tentar fumar maconha embaixo da ponte. É lá que eles moram.

Leonardo: É, mas é bem assustador e é bem interessante. E você vê em outras representações, ele está sempre ali junto do São Nicolau em si, então ele é a parte macabra e punitiva ali. É bem interessante isso aí e bem sádico até você ver a representação dele com as roupas assim, quando é o festival, é bem assustador mesmo, mas, quando você vê nos desenhos, você o vê meio com um ar sádico, com aquele linguão e tudo, aquela coisa bem… ele está fazendo aquilo com gosto. É, porque por ser algo folclórico, eu imagino que possa ter algumas variações assim, coisa de país para país, para região. Inclusive, como eu falei, ele tem aqui no Brasil, ele tem a versão daqui, que não vai se chamar Krampus, mas, na verdade, ele vem de uma outra versão de nome dele. O Krampus é um personagem com variações, e aí que é interessante, pela pesquisa, conforme eu fui vendo aqui, ele é aquele tipo de personagem que tem uma variação, e aí tem outros nomes, ao mesmo tempo que ele acaba se tornando tipo um grupo, que muitas vezes é chamado até de Companheiros do São Nicolau. Então aí você tem outros personagens com aspecto meio semelhante, e aí fica aquela coisa: é só um outro nome ou chega realmente a ser um outro personagem? Às vezes muda tanto que você vê que é um outro personagem, em algumas versões até mais… ele é humanoide em si, mas mais humanas mesmo, não tem aquela cara tão de demônio, ainda que seja algo um tanto quanto assustador.

Ju Ponzi: É, exatamente, ele não é um demônio, ele é uma outra pessoa. Na realidade, se a gente for comparar o Knecht Ruprecht com o Krampus, ele é um versão, sei lá, São Nicolau andou muito, por muito tempo, sujou a roupinha, a barba ficou suja e ele está em um dia muito ruim da vida dele. Na realidade, é isso, então é um homem que parece muito mais… ele tem uma cara sempre muito sisuda, tipo grumpy cat assim, mas ele é humanoide. E, na realidade, quem carrega… ele é o empregado do São Nicolau, porque quem carrega a cestinha que tem as laranjas… ah, eu esqueci, também tem mexerica – eu até águo a boca, porque eu me lembro que eu ganhava umas frutinhas também. Tem laranja, mexerica, eles ganham um monte de nozes, amêndoas, vem em saquinhos, tudo assim. Eles ganham também… sabe aqueles pães de mel que, aqui no Brasil, você vê muito na Oktoberfest, que é aquele coraçãozinho e tem umas coisas escritas? Que é um pão de mel mais durinho, ele não tem recheio, mas ele é um pão de mel. Isso também era dado no Natal. Então quem carrega a cesta com todas essas coisas… São Nicolau é muito do estrelão, tipo, ele vai lá com o cetro dele, muito do bonito, mas quem carrega a cesta com as frutas e tudo mais é o Knecht Ruprecht.

Leonardo: É aquela coisa, a gente fala de companheiros do São Nicolau, mas não são bem companheiros, não é?

Ju Ponzi: É, exatamente. E ele está de olho lá só porque ele fala: “Esse cara aqui você não pode dar a frutinha, Nicolau, porque ele foi mau”, então ele já vem, tipo, meio que dedurando a criançada. Eu já vi paradas que tinham o Knecht Ruprecht e o Krampus juntos, mas tem algumas que só têm o humanoide. Aí a que tem só o humanoide não tem graça nenhuma, porque não tem o demônio. Mas meio que tem uma galera que anda com o Nicolau.

Leonardo: Sim, e aí a gente tem as várias versões com uns nomes diferentes aqui. Um deles aqui é o Pelznickel. A Ju com certeza vai saber falar melhor que eu.

Ju Ponzi: Ele se chama Pelznickel, é porque pelz é pele, então tudo que você tirou, skinou o animal e ficou só a pele, a gente chama isso de pelz. Então é por isso que ele se chama Pelznickel, porque ele tem uma coberturona de pele, e aí isso é muito regional, na realidade. Então o Knecht Ruprecht pode ser esse cara aí só vestido de marrom, meio sujão, ou ele pode ser um Pelznickel, que é esse cara, que é uma entidade, digamos assim, no meio entre o humanoide, que é o Knecht Ruprecht, e o o total diabão, que é o Krampus. Então o Pelznickel fica meio que ali no meio.

Leonardo: É interessante isso aí, e desse aí que tem a versão brasileira, tanto que a gente tem aqui no Brasil, no sul do país, a Sociedade Pelznickel.

Ju Ponzi: E só uma pequena observação: sabe por que veio para cá, Leo? Porque a maioria dos alemães que vieram para o Brasil como imigrantes vem do sul do Brasil, e o Pelznickel é a versão que tem mais no sul. Então eles trouxeram. O Krampus – lembra que eu falei para vocês – aparece bem mais no norte, primeiramente. Então é por isso que aqui no Brasil veio o Pelznickel, veio esse meio termo. O Pelznickel está nessa parte bem que tem bastantes alpes ali, nessa parte que seria a antiga Baviera, que é a Baviera hoje ali, onde tem Munique, um pouquinho para baixo. Ele está nessa região, então é por isso que ele também veio para o Brasil, porque a maioria da galera, dos alemães que vieram para o Brasil são do sul da Alemanha.

Leonardo: É, eu fiquei curioso, só não tinha encontrado realmente de onde que ele tinha trazido, mas eu fiquei curioso por que necessariamente esse, por que não o Krampus em si ou qualquer um dos outros nomes e versões? Esse do Brasil, até como eu falei, tem essa sociedade, que é lá de Guabiruba. Se não me engano, é Santa Catarina. Segundo eles mesmos, no entardecer dos dias seis e 24 de dezembro, ele, a criatura, sai das matas onde reside e invade as ruas de Guabiruba para dar uma lição nas crianças que não se comportarem durante o ano, as melhores. E aí, coberto de folhas, barba de velho ou trapos de roupas escuras, com chifres e máscaras. Então esse aí está utilizando essa cara mais assustadora mesmo e carregando correntes. Isso que também você encontra em algumas representações do Krampus também, ele com correntes em si nos braços e carregando correntes, e também com o chicote ou as varas com as quais ele vai ajudando o Papai Noel ali. E é aquela ideia de estar ajudando o São Nicolau a fazer o trabalho dele.

Ju Ponzi: Exatamente. Uma vez eu falei sobre irmãos Grimm e tal e as versões bizarras das histórias, que a gente não espera, porque a gente tem várias histórias de final feliz. Porque todos esses mitos e tudo mais vêm obviamente de uma época muito anterior ao que a gente colocaria como Romantismo na Literatura. Eu estou colocando esse Romantismo entre muitas aspas. Porque é o seguinte: antes desse movimento muito forte, a Literatura e os contos e as pessoas passavam a história da seguinte maneira: esse é o certo a se fazer; se você sair da linha, beijos. Então é por isso que é muito normal que você tenha uma figura maravilhosa, entre aspas, que é o Nicolau, que vem e traz um monte de coisas maravilhosas. Mas, se você for ruim, se lascou, meu amigo, você vai ter o Krampus e vai tomar chicotada e vai ser amarrado com a corrente, vai ser arrastado, vai ser colocado dentro do saco, vai apanhar do Krampus. Então isso é muito comum, as pessoas esperam que isso aconteça, porque muito estranhamento do negócio do Krampus, do Knecht Ruprecht, é exatamente esse: como assim uma pessoa tão boa está andando com uma pessoa tão ruim do lado? Então tem esse lance que as pessoas não entendem. Depois dessa parte, desse advento, entre muitas aspas também, do Romantismo, como as histórias começam a ser contadas – que são os contos que a gente lê hoje? Olha, você sabe que você tem que fazer isso, esse é o certo, mas a pessoa tem um bom coração, ela não fez de propósito, então ela ganha uma segunda chance. Se você for analisar os contos, as versões que a gente lê hoje, são todas segundas chances que as pessoas ganharam, mas o original não é, então por isso que ele é sanguinolento, gente que perde pé, gente que morre adoidado. Então por isso que não é, para a lenda, esquisito que você tenha uma figura tão benevolente e uma figura tão sanguinária do lado. É normal. Se você foi bom, você ganha coisas do Nicolau; se você foi ruim, vai apanhar do Krampus. Ponto.

Leonardo: E azar da pessoa, não é? Ela sabia, não foi por falta de aviso.

Ju Ponzi: Ela sabia. Exato.

Leonardo: Aqui no Brasil é interessante que tem essa Sociedade do Pelznickel, é esse o nome em si da sociedade e a criatura também leva esse nome, mas também por vezes é chamado de Pensinique, e aí você vê que é uma versão brasileira do nome. Foi transformando o nome até chegar a Pensinique, e aí seria também essa criatura. O Pensinique digamos que seria a versão realmente brasileira, nascido aqui, já com um nome dado aqui mesmo. Mas, como eu falei, nomes, ele tem vários. Não só ele em si, mas, como eu falei, esses companheiros do São Nicolau, como a gente falou do Ruprecht, ele acaba tendo uma representação até diferente, com um outro personagem em si. Mas a gente tem o Pelznickel, tem um que é com B, seria Belsnickel, então você vê que vai mudando um pouquinho o nome dele, mas acaba fazendo a mesma referência.

Pablo: Tem um outro companheiro dele, que não vi aqui na pauta – acabei procurando aqui as informações para complementar – que eu sempre achei bizarro, desde a primeira vez que eu o vi, que ele é conhecido como Zwarte Piet, que é o Black Piet ou Pedro Negro, que eu espero que não seja, hoje em dia, tão mais popular quanto era antes, porque ele é uma representação – mas mesmo assim é bom a gente saber que já existiu, para a gente não repetir os erros do passado – que é para ser um outro companheiro do Nicolau, só que ele era para ser um mouro, um espanhol, que por algum motivo estava naquela região e ele trazia em uma sacola cheia de presentes para as criancinhas boas, e as criancinhas más ele colocava dentro desse mesmo saco, depois que ele distribuía os presentes, e levava de volta para a Espanha. E, pelo fato de ele ser um mouro espanhol, ele acabava sendo representando por uma pessoa negra ou muitas vezes, talvez pela não presença tão frequente de pessoas negras ali na região, por pessoas pintadas de negro, com black face.

Leonardo: Aí eu acho que não é nem só tanto por falta de pessoas assim, mas também por falta de bom senso.

Pablo: De bom senso, não é? Aí eles faziam todas as representações mais caricatas e vergonhosas possíveis. E também, como essas outras criaturas, ele acabou sendo muito associado com essa figura que vai punição para as crianças, mas parece, no último século, isso tem diminuído um pouco; ele só virou uma figura um pouco mais caricata e mais amigável. Às vezes é representado como um servo do Papai Noel, mais do que um companheiro.

Ju Ponzi: Vou dizer para você que na Alemanha ele quase não está mais, porém, na Holanda, existe uma grande discussão todos os anos, porque no Nicolau da Holanda é ele, o Zwarte Piet, que ao pé da letra é o Pedro Negro, como o Pablo falou… ele é um minion, e aí tem uma discussão supergrande todos os anos, porque as pessoas querem tirar isso, porque lá ele vem com o tal do Sinterklaas, que é tipo Santa Klaus, ele vem junto com essa figura, que vem geralmente montada em um cavalo, e eles vêm todos em volta e tudo mais. E aí tem uma discussão muito grande, porque a galera fala: “Gente, isso é muito racista hoje, a gente tem que mudar”. E na Holanda eles dizem que o Zwarte Piet é um escravo e ele é africano, e aí existe inclusive uma professora lá também de uma universidade que também falou: “Gente, a gente precisa mudar isso”, e tem um monte de gente que não frequenta mais essas parades – que também faz uma parade -, porque acha que é um absurdo. Então a gente não tem isso – pelo menos eu não vi, e, até onde eu sei, são pouquíssimas cidades que ainda têm essa figura, quando não tem mais na Alemanha, mas na Holanda ainda tem e tem uma grande discussão sobre se isso deve continuar ou não.

Leonardo: É, eu lembro… porque, no geral, o Krampus e todos esses companheiros assim, eu já os conhecia, mas não tinha me aprofundado tanto como fiz para o episódio. Então esse do Peter, eu achava que era uma coisa de representações antigas, na época em que ninguém pensaria mal disso aí, que seria o padrão. Mas não, eu fui vendo que é uma coisa que se manteve em alguns locais. Caramba, tipo, como assim?

Ju Ponzi: É, e aí a discussão para os holandeses – e depois eu posso até mandar fontes para vocês disso que eu estou falando – é tipo: “Gente, isso não é um black face, isso é uma (máscara) [00:34:57]”, aí as pessoas falam: “Não, cara, isso não é uma máscara, nunca foi uma máscara”. Uma máscara foi o Krampus, que você não tem como fazer, enfim. Então aí tem uma grande discussão de se isso deve continuar. Então, na Holanda, ele ainda é bastante… e ele aparece, ele é bastante forte, mas na Alemanha eu pessoalmente não vi, eu só vi o Krampus.
Leonardo: É, pior que se isso aí se mantivesse na Alemanha, ia ser pior ainda.

Ju Ponzi: Então, a gente precisa… tudo bem, os alemães passaram por tudo aquilo, meio que aprenderam, mas, gente, hoje eles exteriorizam o seu ódio de outras formas. Eu não vou entrar nessa pauta, porque não é do episódio, mas pelo menos isso não tem.

Leonardo: É, aí entra naquela questão, aquela discussão de que era um costume, mas aí então você vai estar forçando uma mudança, então vai estar acabando com esse costume. Mas, espera aí, você também está fazendo isso por questões sociais atuais. Não é uma coisa que você pode deixar passar numa boa. Enfim, porque tem muita… não nesse caso. Nesse caso em si eu não encontrei muitas defesas a isso. Eu vejo muito a questão de costumes, o pessoal ter essa coisa: “Não, mas é uma tradição dali e você está querendo mudar”, realmente mudam, não dá para ficar mantendo isso. É muito bizarro você pensar de querer manter um festival com algo assim, uma festividade. Acho meio estranho. Eu acho que é muito diferente da ideia do Krampus por si só, da representação dele, que é uma coisa animalesca. Se você vai ofender alguém com aquilo lá, você vai ofender os outros demônios, porque não representa nada em si, não vai passar uma ideia errada.

Pablo: É, Natal é uma época bem feliz, não é?

[Trilha sonora]

Leonardo: E eu fico pensando, a gente falou dos companheiros em si, então a gente mostrou essas variações ali, que acabam se tornando meio que outros personagens mesmo, mas o Krampus propriamente dito, sempre, quando eu o vejo, por ser alguém que é uma versão evil do Papai Noel, uma versão pelo menos mais pesada assim, sempre me remeteu ao próprio Grinch, sabe? Aquela ideia de um bicho, um ser feio ali relacionado ao Natal e maléfico. A diferença é que o Krampus, eles costumam colocar mais como um companheiro mesmo do Papai Noel, o ajudando.

Pablo: É um personagem criado em 1985 em um livro do Dr. Seuss. Dr. Seuss é um autor infantil americano que criou um monte de personagens diferentes, e um deles foi o Grinch, dentro dessa história de que esse Grinch era um personagem que morava em uma determinada vila e ele não gostava de ninguém, e ele queria acabar com o Natal porque não gostava que as pessoas fossem felizes no Natal. Mas ele também, o próprio Grinch, é relacionado a uma outra história um pouco anterior, do Charles Dickens, que ele escreve Um Conto de Natal, que é uma história de um velho rabugento que também não gosta de Natal e não gosta de ver as pessoas felizes no Natal, e aí ele acha que Natal é perda de tempo e de dinheiro, e aí ele acaba encontrando os três fantasmas – do Natal passado, presente e futuro – e ele acaba mudando de ideia e se arrependendo, e acaba virando uma pessoa melhor no Natal. E é um pouco da história também do Grinch, porque o Grinch, apesar de tentar transformar e roubar o Natal, e não deixar que as pessoas fiquem felizes, ele acaba se transformando no final e mudando de ideia.

Leonardo: Mas você vê que interessante aí: ambos mostraram essa ideia do Natal, de o cara ser ruim ou não ser da forma ideal ali e tudo, mas, no final, ele se arrepende, ele percebe: “Não, o Natal tem importância e tudo bem”, e aí melhora. É o que a Ju tinha falado: agora a gente põe dessa forma essas histórias, mas a do Krampus não tinha essa de vir te assustar e você vai se tornar uma pessoa melhor; não, era a ideia de que você vai sofrer pelo que você fez.

Pablo: É, no do Krampus a cultura já ensina que, se você não for bem, esse aqui é o resultado, então aprenda e não cometa o seu erro. Essa é uma coisa que eu, enquanto pesquisador dessa área e como psicólogo, tenho me questionado muito, porque quanto mais eu estudo, mais eu vejo que punição não resolve para bosta nenhuma, só serve para atrapalhar mais as coisas e deixar tudo mais difícil para todo mundo.

Leonardo: Você diz, então, que o método do Krampus não funciona?

Pablo: Não. Mas, por algum motivo que eu ainda desconheço, tem muita gente que acha que funciona, apesar de mesmo todas as evidências mostrarem que não. E durante basicamente toda a história da humanidade, a gente agiu desse jeito, mesmo não funcionando, porque algum efeito teve. Sabe-se lá o que eles achavam como efeito positivo disso. Mas hoje em dia, muito por conta do avanço das ciências sociais, a gente vê que existem formas muito melhores de a gente atingir os objetivos pretendidos pelas punições, que é a mudança de comportamento, que não envolve ameaça de sequestro ou açoite de chicote ou vareta, nem muito menos enganar do tipo: “Toma aqui de presente um pedaço de carvão”. Existem formas melhores se você quer fazer com que a sua criança se comporte mais de uma forma mais adequada durante o ano do que ameaçar com agressões. E talvez… não sei o quanto essas tradições tendem a mudar enquanto a nossa sociedade também vai mudando, tanto é que a gente vê a presença do Zwarte Piet tem diminuído, porque a nossa sociedade tem ficado um pouco mais sensível a alguns desses temas. Espero que a nossa sociedade também fique um pouco mais sensível a esses temas de punição e violência voltados à crianças e talvez… eu fico pensando que uma alternativa a esse mito seja que talvez o Krampus, ao invés de ameaçar as crianças, ameace os pais das crianças, tipo: “Ah, a sua criança está sendo malcriada? Então foi você que malcriou essa criança, então você vai sofrer a punição por a sua criança estar sendo malcriada. Então cuide da sua criança nesse próximo ano para você não ser punido pelo Krampus, ele não vai vir puxar o seu pé e te assombrar, sei lá, com mais boletos talvez”.

Ju Ponzi: Que castigo horroroso, Pablo. Caramba, você foi muito cruel, cara. Foi muito bom.

Pablo: Talvez seja uma coisa que traga um efeito nessa época do Natal. Aí deixa as crianças só brincando lá com as frutinhas, com as comidinhas, os chocolatinhos, que eu acho bem mais divertido para as crianças, e aí o pai pensa duas vezes antes de malcriar a criança no resto do ano. Eu, particularmente, acho essa questão da punição meio complicada, até para adultos, então, se eu pudesse eliminar, eu também eliminaria de uma forma geral, mas eu acho que a cultura em volta do Krampus é uma cultura muito legal para ser perdida só por uma questão de vamos ser pessoas melhores. Então eu acho que dá para a gente transformar e trazer de uma forma que seja mais construtiva, pelo menos.

Leonardo: É, que por mais que tenha essa questão aí da punição, comparando novamente à questão do Peter, eu acho que é diferente, porque o Peter chega a ser… a própria representação dele é ofensiva.

Pablo: A mera imagem dele já não funciona, e do Krampus não, a imagem funciona muito bem, e essa representação e todo esse lado mais selvagem da humanidade, mas a função geral do Krampus talvez pudesse ser redirecionada de uma forma um pouco mais construtiva. Porque realmente me incomoda muito você ter toda uma figura, toda uma tradição voltada para assustar crianças. Eu não acho que é… até para o futuro da nossa humanidade, ter crianças que sofreram traumas todo ano na época do Natal, não sei se é uma coisa muito saudável para a gente, não. Se a gente puder transformar o mundo em um lugar um pouco melhor, talvez a gente pudesse repensar um pouco mais isso.

Leonardo: Mas o interessante dessa questão das representações… porque o Krampus, querendo ou não, todos esses seus companheiros aí do Papai Noel seriam mais assustadores, no sentido que eles têm a aparência praticamente de um demônio ali, com chifres e tudo mais, só que ele é o mais… não sei, ao meu ver, mais de boa, no sentido que, beleza, ele é uma figura assustadora, um monstro em si, só que o do Peter é uma coisa errada, o conceito dele ali é errado. E você pega do outro lá, do Knecht Ruprecht também, se você parar para analisar, você começa a ficar meio assim, porque ele tem uma representação meio tipo de um mendigo muitas vezes. Então, tipo, sei lá, acho que o Papai Noel precisava de ajudantes e saiu à rua e foi pegando gente ali para ajudá-lo, não sei. É muito…

Ju Ponzi: Olha, eu vou dar uma opinião impopular, vamos lá. Eu acho que, na realidade, o grande culpado e o grande mauzão de tudo é o próprio Papai Noel ou o São Nicolau.

Leonardo: Com certeza.

Ju Ponzi: Por quê? É ele que dá a letra. Ele fala assim: “Olha, para esse aqui eu vou dar presente, mas aquele ali, Knecht Ruprecht, olha lá, vai lá, porque aquele ali não prestou”. Então eu acho que, na realidade, o cabeça da gangue é quem todo mundo acha que é bonzinho, entendeu?

Pablo: É, porque eu até ia comentar outra coisa do Papai Noel, que além desses ajudantes que o acompanham nas festas, a gente tem toda uma outra tradição que diz que ele tem toda uma outra série de ajudantes que faz os presentes, e que são os duendes, os elfos, sei lá como você vai chamar. E que, se a gente for analisar bem, é basicamente trabalho escravo, que ele está fazendo ali uma linha de montagem. Não sei se eles recebem salário, se têm direito a férias, direitos trabalhistas, mas são criaturas que estão lá trabalhando para o Papai Noel poder receber toda a fama depois. Então de fato a gente vê que o Papai Noel… enfim, tem que acabar o Papai Noel.

Leonardo: Como diria Garotos Podres, Papai Noel filho da puta.

Pablo: Papai Noel é um porco capitalista.

Ju Ponzi: Presenteia os ricos e cospe nos pobres.

Leonardo: Exato.

Pablo: É. E aí nesse sentido eu acho que o Krampus poderia ficar dentro dessa nova tradição de punir os pais das crianças que não vão para a escola trazendo mais boletos.

Leonardo: Tira Papai Noel, tira toda essa questão aí de brinquedos, essas coisas do Ruprecht, tudo, deixa só o Krampus e ele ameaçando os pais.

Pablo: Porque, assim, eu fiquei pensando: que tipo de punição o Krampus poderia trazer para os pais? Tipo, “Ah, vamos sequestrar os pais, aí os pais vão…”, não, mas aí vai abandonar a criança, aí vai ser ruim para a criança também. Ou senão só vai ser desculpa para o pai poder fugir de casa na época do Natal e beber no bar e, tipo, “Ah, desculpa, foi sequestrado pelo Krampus”.

Leonardo: Pior que isso ia gerar mesmo, ia ter isso, com certeza.

Pablo: É, mas talvez o que, de fato, pudesse pesar mesmo para os pais pensarem duas vezes seria mexer no bolso.

Leonardo: Aí, viu? O Krampus, nesse ponto, fica muito mais legal que o Papai Noel.

Pablo: Eu não sei por que, eu acho o Papai Noel uma figura tão supervalorizada.

Leonardo: Bom, não sou mais criança, não ganho mais presente de Natal, então agora tendo a concordar com você.

Pablo: Aqui no Brasil ainda se tem umas tradições bem bizarras de Natal, que o Papai Noel fica em shopping center e você faz fila para falar com o Papai Noel, tirar foto e aí você fala para o Papai Noel o que você quer de Natal, e 90% das vezes o Papai Noel não traz o que você pede, porque você sempre pede coisas que não dá para trazer.

Ju Ponzi: Papai Noel, eu quero um unicórnio.

Pablo: Exatamente. “Vou trazer aqui um Meu Pequeno Pônei para você”, (inint) [00:47:16]. Até já tinha falado um pouco no episódio do Papai Noel lá de Natais atrás o quanto essa imagem do Papai Noel foi muito desenhada pelo mercado, aí a gente tem todo o Natal voltado para isso, que eu acho muito bizarro, principalmente porque a gente só celebra o Natal, dentro (inint) [00:47:34], porque supostamente é o nascimento de Jesus, e, tipo, o que tem a ver uma coisa com a outra, sabe?

Leonardo: Sempre fica a rixa se o Natal é o dia do Papai Noel ou o dia de Cristo. Sempre fica um roubando a data do outro aí, Natal é assim mesmo. Mas isso que é interessante. Você vê, o Papai Noel é conhecido mesmo que no mundo todo; de repente, em alguns locais não se comemore tanto assim, mas, por ser comercial, ele é mundial. O Krampus já é essa coisa folclórica das regiões ali. Tem se tornado mais conhecido, você pega aqui no Brasil, vai ter, no sul, mas tem um histórico do porquê de ter chegado até lá, nos Estados Unidos tem, mas ele tem se tornado mais conhecido, eu vejo, com o passar do tempo, mas ele ainda tem esse quê folclórico bem, sabe? Não é uma coisa comercial, que eu não duvido de, sei lá, de repente em alguns anos aí se torne isso, alguém tirar dinheiro a partir da imagem do Krampus. Do ser humano, não se duvida isso. Mas o Papai Noel já é isso, ele já é uma coisa capitalista.

Pablo: É, isso já é uma posição minha de adulto, o quanto que ainda vale a pena a gente investir nessas (culturas) [00:48:46] ou se a gente precisa reinventá-las. Eu acho que a gente pode tentar reinventar muitas tradições, talvez para mudar um pouco dessas imagens, escolher um outro velho barbudo de barba branca que é vermelho no Natal. Em vez do Papai Noel, sei lá, o Marx. Para mudar um pouco os ares, não é? Em vez de promover o consumo e a troca de presentes, sei lá, promover consciência de classe.

Leonardo: Segundo o Marx, os brinquedos seriam todos dos duendes.

Pablo: Mas dá para a gente repensar muito a tradição bacana, nesse sentido. Até pensar, por exemplo, que, em vez de a criança esperar e ganhar o presente, ela poderia estar fazendo um brinquedo para levar para alguém que não tem, que eu acho que também são novas tradições. A gente está em época de pensar em novas tradições. Eu gosto de novas tradições. E aí a gente pode sempre recuperar as partes mais legais dessas tradições antigas.

Leonardo: Tem que manter o Krampus pelo menos no formato dele, mesmo que ele não venha mais açoitar os outros, porque é algo um tanto quanto violento.

Pablo: O açoite, eu não vejo problema, desde que ele seja bem direcionado. Como eu disse, violência contra criança a gente corta.

Leonardo: Eu gostei dessa frase.

Pablo: Porque tem algumas pessoas que… não vejo muito mal em receber um açoitezinho, mas tem que ser bem direcionado.

Leonardo: Vamos ver, talvez o Krampus tenha uma boa consciência de quem merece.

Pablo: Olha, eu acabei de ter uma ideia aqui de uma coisa, como a gente pode reinventar o Krampus de uma forma muito bem positiva, ainda voltando para esse lado mais assustador. Tem muitas crianças que são vítimas de violência já, isso já é uma realidade. Talvez o Krampus possa ser essa figura que vai acolher a criança que já é vítima de violência e vai tentar se vingar, por exemplo.

Leonardo: Krampus justiceiro.

Pablo: Ou seja, vai poder ouvir e acolher: o Krampus está aqui para te ajudar e a gente vai atrás desse adulto que não te fez bem. Quem devia estar te protegendo, não te protegeu. Como por exemplo, nos Estados Unidos, tem grupos de motoqueiros que fazem isso, que crianças que são vítimas de violência acabam sendo protegidas por esses motoqueiros, principalmente quando elas ainda são ameaçadas ou precisam ir testemunhar, enfim, são pessoas que de fato vão ajudar. Eu fiquei pensando que talvez o Krampus pudesse assumir esse papel. Ainda no Natal, ainda em relação à criança, mas redirecionando toda essa questão. E ainda assim o Krampus poderia ser uma figura muito positiva na nossa cultura.

Leonardo: E manter assustador, é interessante, Krampus justiceiro. Ele punia as crianças, agora ele vai punir quem violentou as crianças.

Ju Ponzi: Olha, eu estou colocando para vocês aí vários vídeos que eu tenho, várias (inint) [00:51:32] e tudo mais, então eu estou mandando os vídeos das cidades que eu presenciei a parada do Krampus, que eu vi mais em Graz – em Graz é muito grande -, em Munique eu também vi. Em Munique tem esse vídeo que eu estou colocando para vocês, e o Krampus bate nos adultos, Pablo, você vai adorar.

Pablo: Adorei isso.

Ju Ponzi: O Krampus senta a pua. Ele não tem um chicote, mas ele tem tipo uma vassourinha na mão – é esse último que eu mandei – e ele senta a pua em todos os adultos, é maravilhoso. Ele já chega perto do adulto já tacando o negócio nas pernas do adulto, é maravilhoso.

Pablo: Muito bom.

Ju Ponzi: Eu acho que você vai gostar deste aqui.

Pablo: Outra coisa que eu fico pensando: tem aquela tradição na Espanha, que é a corrida dos touros, onde as pessoas que vão lá vão com o objetivo principal de se fuder, porque não tem outro… eles estão lá, eles vão ser atropelados, eles vão se machucar, só que eles fazem isso maltratando outro bicho. Por que não fazer isso com pessoas vestidas de Krampus? Você quer se fuder? Vem aqui que eu vou e bato em você, sem problema nenhum.

Ju Ponzi: Maravilhoso.

Pablo: E aí poupa os bichos, não é? Não preciso disso também. Então a gente pode ir expandindo o Krampus para poder substituir a coisa dos touros de Pamplona, coloca lá o Krampus de Pamplona para bater nas pessoas que querem apanhar. Acho digno.

Ju Ponzi: Você tem esse desejo, não é mesmo? Então nós vamos acolhê-lo.

Leonardo: Mas são muito legais essas imagens que tem da procissão em si. O tamanho do chifre…

Ju Ponzi: As fantasias são muito bonitas e elas são muito bem-feitas, e elas têm que ser bem-feitas, porque a época é uma época muito fria, então não dá para eles fazerem uma fantasia muito boboca, porque eles morrem de frio, a galera que está embaixo da… então é um negócio muito bem-feito. Aí mandei alguns vídeos aí que eu gosto, acho que dá para ver bastante coisa. Tem uns outros ajudantes meio esquisitinhos também junto com Krampus e tal.

Leonardo: Eu acho bem interessante, é um folclore ali que marca bem isso aí. Isso aí era uma coisa que eu conhecia há um bom tempo. Como eu falei, o Krampus… já ouvia falar há muito tempo, nunca tinha ido muito a fundo, mas comecei a conhecer o Krampus por essas imagens, esses vídeos desses festivais que tinha, que chamam muito a atenção. Apesar de em alguns desses vídeos ele estar descendo a porrada nas pessoas, e ok, só de ter essa caracterização e tudo eu já acho muito interessante.

Pablo: E vendo todas essas tradições e o quanto que a gente acabou não… a gente não tem tanto disso fora da tradição germânica, fico pensando como seria o nosso Natal se a Alemanha tivesse ganhado alguma das guerras mundiais e tivesse expandido a sua influência pelo resto do mundo, se a gente não teria mais disso, um Natal mais assim, mais recheado dessas figuras tão caricatas.

Leonardo: Apesar de que eu acho que esse seria o menor dos problemas se ela tivesse ganhado, mas…

Pablo: É porque eu fico pensando até por conta de algumas outras representações. Por exemplo, você tem O Homem do Castelo Alto, do Philip K. Dick, onde ele parte do pressuposto que a Alemanha (tivesse) [00:54:54] (inint) [00:54:55] Segunda Guerra Mundial, mas eu não cheguei a ler, também não vi a série da Amazon, mas eu fico me perguntando se ele explora isso, essas tradições mais de base germânica. Aí fica até uma dica para quem gosta de escrever história alternativa, para explorar um pouco mais disso, como (inint) [00:55:12]. Se a gente aqui no Brasil, em vez de ter Papai Noel, a gente já tem um Krampus.

Leonardo: Eu penso naquela ideia que eu acho que o que faz o Papai Noel ser… que ajuda o Papai Noel a ser popularzão assim é esse lado comercial. Como eu falei àquela hora, que eu comparei, o Papai Noel é algo comercial; o Krampus ainda está no nível meio folclórico, então, por mais que a gente o conheça aqui, tenha versões em vários países fora até da Europa, ele é algo bem folclórico. A gente tem, mas a gente não vai ter tantas procissões assim, vai ter mais aquela específica da sociedade no sul, lá em Santa Catarina, tudo mais, mas é diferente dessa, que é uma coisa mais até nacional. Agora, Papai Noel já é uma coisa do comércio, então, enquanto tiver capitalismo, tem Papai Noel. Eu acho que, se alguma empresa, alguma coisa, começar a capitalizar o Krampus, aí acho que… eu não duvido de ele se tornar ainda mais famoso.

Pablo: Mas agora, com a popularização que a internet está dando, eu acho que isso já está acontecendo também, já tem máscaras.

Leonardo: É que eu sempre vejo essas procissões, essas fotos dos eventos, e uma versão que eu vi, que aí não é diretamente do Krampus, é mais do Knecht Ruprecht, que é o do The Office.

Ju Ponzi: Eu dei play aqui. Eu não conheço The Office, gente, eu não assisto, mas eu já estou achando ótimo. Eu acho que é mais para o holandês mesmo, porque lá também ele tem essa figura mais tipo… uma cara mais de wanderer, mas um wanderer bem pobrinho, bem sujinho, tipo (inint) [00:56:49].

Pablo: Andarilho.

Ju Ponzi: É, exatamente.

Leonardo: É, você vê um mendigão, o jeitão, com barbão, tudo que esconde o rosto dele.

Ju Ponzi: É, umas coisas na cabeça e tudo mais, plantinhas na cabeça.

Leonardo: É, isso das plantas que eu vejo; eu vejo muitas representações assim, parece que é coberto de folha.

Ju Ponzi: Mas já adorei, estou vendo aqui no silencioso e já estou adorando.

Leonardo: Vou deixar o link aí também. Tem, claro, vários e vários filmes aí de terror que usam a questão Krampus, mas eu sinceramente não fiz questão de ver nenhum, porque você olha para ele, você já vê o nível. Acho que não valem a pena.

[Trilha sonora]

Leonardo: Beleza. Bom, nesse episódio, então, a gente falou aí do Krampus e mostrou até outras versões e outros companheiros que, para mim, isso ainda não são companheiros realmente do Papai Noel, do São Nicolau, são outra coisa, poderia chamar. Mas, enfim, são chamados assim. Mas o Krampus é o mais famosão, em geral, principalmente pela imagem dele e por esses festivais, porque realmente é o mais legal no estilão em si, então é legal ver esse lado mais macabro aí do Natal. Então, ouvinte, se você já viu algum desses festivais aí, pode comentar, ficar à vontade aí. A gente vai deixar alguns links, imagens e vídeos disso aí, mas agora a gente… já finalizando… Pablo, tem mais alguma consideração?

Pablo: Não. Eu gosto bastante das tradições, gosto de mantê-las, mas eu acho que a gente não precisa estar vivendo todas elas, principalmente quando a gente sabe que a nossa cultura muda e tem muita coisa que dá para ser e precisa ser um pouco diferente. Só porque sempre foi feito assim não quer dizer que tem que continuar sendo desse jeito, então eu… se vocês gostam da imagem do Krampus, eu recomendo que vocês ajudam a repensar tudo isso e qual é o objetivo disso para a nossa vida e como a gente pode manter isso tudo de um jeito um pouco mais saudável.

Leonardo: Eu gostei da ideia de o Krampus trazer os boletos, isso eu curti.

Ju Ponzi: Essa ideia foi genial, não há nada que vai (subir) [00:59:10] acima dessa ideia. Eu acho que a gente já tem que adotar. E também eu acho que, além disso, a ideia de o Krampus ser o justiceiro da pessoa que, tipo, “Ah, maltratou a criancinha? Então agora eu vou fazer a sua vida um inferno”, eu amei, porque a figura do Krampus me é muito linda, muito querida, então eu já super vou pegar a sua sugestão, Pablo, vou redirecionar e vou fazê-lo ser o justiceiro da criançada. Vai ficar ótimo.

Pablo: E é muito justo, porque a criança vai pegar uma figura cultural, principalmente as crianças que acabam sofrendo, e a gente pode direcionar isso para uma coisa positiva, uma coisa boa.

Leonardo: É, vale a pena. Bom, e você, Ju? Mais alguma consideração? Fica à vontade aí.

Ju Ponzi: Não, agora eu estou sonhando com o Krampus justiceiro. Quero.

Leonardo: Então ótimo.

Ju Ponzi: Quero muito, adorei. Fazer que nem lá, quando eu vi em Munique, de ele tocando o chicotinho dos adultos mesmo, tem que bater nos adultos.

Leonardo: Então a gente fecha aí o episódio com essa de que realmente temos que evoluir o Krampus para ele realmente se tornar o verdadeiro justiceiro aí e descer a porrada em quem realmente merece, que são os pais.

Pablo: Exato.

[Trilha sonora]

[01:01:50]

(FIM)

1 comentário em “Papo Lendário #204 – Krampus e os Companheiros de São Nicolau”

  1. Eu comecei a escrever o comentário apenas para parabenizar pelo podcast, que é sobre um assunto que eu sempre me interessa, mas não consegui me conter para prosear um pouco sobre coisas comentadas ao decorrer dele. Então primeiro estou deixando os parabéns a todos, e que continuem esse trabalho que é sempre importante, além de entreter.
    E agora me desculpem pelo abuso de estadia que vou cometer aqui nos comentários ^^’.

    Sobre o que aconteceria com os costumes de natal se os alemães tivessem ganhado a 2° Guerra: eles seriam diferentes, mas não teria o Krampus. O costume foi proibido pelos austrofascistas do vaterländische front em 1932, e a proibição foi reforçada pelo regime nazista depois (incluindo até panfletos contra a figura). Levou um bom tempo após a 2° Guerra para o costume retornar, e ele só voltou por que proibições em regiões remotas não tendem a pegar, e o costume também existe em partes da Itália, então muitos dos artesãos tradicionais que fazem as máscaras de Krampus, sempre de madeira e com chifres reais, mantiveram o costume vivo meio na encolha.

    Sobre o Krampus: aquela informação sobre ele ser filho da Hel (que chegou a ser reproduzido até no site do Smithsonian) na verdade foi algo inventado pelo Gerald Brom para um livro que ele lançou em 2012 chamado “Krampus: The Yule Lord”, que embora tenha detalhes baseados em um pesquisa minuciosa mesmo, é uma história de ficção com vários outros elementos criados pelo autor, e esse foi um dos detalhes que ele criou para a narrativa (outro que ele colocou no livro dele foi que a identidade secreta do Papai Noel é o Baldr renascido).

    Um detalhe que vale a pena ressaltar sobre o Krampus é que ele não é apenas uma figura que serve para punir (bem, para assustar, na verdade), ele também ocupa uma figura de guardião, essencialmente um exemplo de espirito tutelar que está ali como um aviso, não necessariamente apenas para as crianças, que não tem muito o que temer sobre ele além de umas caretas ou varetadas de brincadeira nas pernas. Os sinos que ele carrega pendurados nas correntes, uma constante na indumentária da figura, são algo que serve para afastar os maus-espíritos que correm livres na época de fim de ano. Parte da aparência assustadora dele também tem o fim de assustar as coisas piores que ele que espreitam na noite.
    Muito da iconografia presente dos cartões, que são parte do que tornou a imagem dele popular, com ele chicoteando crianças, levando no cesto, e outras cenas chocantes, são produto de ilustradores das cidades que tinham pouco contato com o costume em si, que é do interior, por isso neles o Krampus parece muito mais uma figura próxima a um demônio tradicional do que todas as variações da fantasia de Krampus usada no costume propriamente dito.
    Mesmo assim em muitas das Krampuslaufs de hoje, como é possível ver em gravações, existem uma certa delicadeza das figuras fantasiadas ao se aproximarem de crianças pequenas, ao contrário do modo como tratam adultos. E também existe uma diferença considerável entre as paradas de Krampus modernas que ocorrem nas cidades, e os Krampuslaufs e visitas de casa em casa que rolam em regiões do interior.
    Hoje em dia também existem seminários de pessoas que tem medo do Krampus, em que fazem todo um trabalho psicológico para que percam o medo da figura. Parecido com o que fazem para pessoas perderem medo de palhaços.

    Existem outras figuras regionais similares ao Krampus, o Klabauf da Bavária, o Parkelj da Eslovênia, que cumprem o mesmo papel, mas tem algumas não ganharam uma associação significativa ao São Nicolau. Os Perchten são o melhor exemplo. Existem vários tipos diferentes, schnabelperchten, schiachperchta, vogelperchta, e eles são parte de um costume que essencialmente deu origem ao que se tornaria o Krampus. Eles continuam existindo até hoje, mas o costume não se limita apenas ao 5 de Dezembro, e sim do início do Solstício de Inverno até 6 de Janeiro, que é quando termina oficialmente a época em que esse tipo de espírito está ‘livres para andar sobre o mundo’. Os Perchten também caem nessa mesma categoria de guardiões e protetores, eles assustam (As máscaras dos Perchten são bem mais exageradas que as dos Krampusse) mas também servem para checar se tudo que precisa ser feito está sendo feito (se a lã foi processada, mantimentos estocados, lenha recolhida, etc) e para afastar entidades malignas que assolariam a terra, atormentando pessoas e estragando colheitas. As paradas de pessoas vestidas como eles, as Perchtenlaufs, tinham esse intuito, e as Krampuslauf, que ocorrem com os vários Krampusse acompanhando o São Nicolau são a versão disso pós-pressão e assimilação da Igreja Católica.

    Um detalhe que é relevante, é que o Krampus é o companheiro do São Nicolau, e não do Papai Noel, e em muitos desses países a distinção entre eles é algo bem demarcado. Em Amsterdã existem até panfletos explicativos sobre como o Sinterklaas não é o Santa Claus, e não vem no Natal. Inclusive falar dele já é um território curioso, porque diversos países tem figuras que acabaram recebendo um “involucro” do Santa Claus americano comercializado sendo que são figuras distintas, algumas associadas ao São Nicolau, como o Sinterklaas da Holanda, que é uma versão secular do santo, ou o Mikulas da Hungria (que anda com um anjo e um demônio, e desce do céu por uma corda dourada), mas outras figuras tem origens completamente diferentes, como o Joulupukki da Finlândia (originalmente um homem-bode), o Père Chalande da Suíça e partes da França (personificações do inverno), e o Father Christmas da Inglaterra (um espírito festeiro do folclore que não trazia presentes e não era associado a crianças). Esse paragrafo eu vou parar por aqui por que é um assunto que venho pesquisando há anos, e quando começo a falar não paro.

    Finalmente, sobre o Piet: como a Ju comentou, o Piet realmente ainda é um problema grande na Holanda, e ainda rolam muitos protestos. Aconteceram algumas tentativas de reformar o personagem e abandonar a caracterização racista. Em algumas áreas mudaram a maquiagem para ser só fuligem no rosto, falando que ele desce pela chaminé (“Roetveeg Piet” ao invés de “Zwarte Piet”, já que a fuligem no rosto é uma cosntante em vários dos companheiros do São Nicolau, como o Ruprecht, ou o Schmutzli) sem a peruca, a boca vermelha, etc. Em outras áreas mudaram para o Piet ser de várias cores, os “rainbow Pieten” essa veresão não acabou pegando muita tração, fora que muita gente ainda faz altas ginasticas mentais só para justificar a caracterização, se recusando a admitir que é algo racista, com origens racistas, provando o quanto a normalização disso é nociva.

    Obrigado mais uma vez a todos por falarem sobre o assunto, e mais uma vez, desculpe pelo exagero de replicas.

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