Papo Lendário #218 – Os Minóicos

Papo Lendário #218 – Os Minóicos

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Nilda Alcarinquë e Juliano Yamada conversam sobre os minóicos.

Conheça a civilização minóica.

Entenda a relação entre os minóicos e os gregos antigos.

Saiba quem é a Grande Deusa minóica e diversos outros deuses da ilha de Creta.

Aprenda qual a origem do famoso labirinto do Minotauro.

– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.

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— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada
Participante: Nilda Alcarinquë

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. E no episódio de hoje a gente vai falar de uma civilização muito parecida com a grega, mas que não é a grega, que são os minoicos, a civilização minoica. Minoica, minoana, egeia, mediterrânea ou cretense – esses são os nomes dados à civilização do povo que cresceu na Ilha de Creta. E no episódio de hoje, então, estou com o Yamada…

Juliano Yamada: Olá, vocês.

Leonardo: … e com a Nilda.

Nilda: Olá, olá, povo.

Leonardo: E, como disse, então a gente vai falar aí no episódio sobre a civilização minoica. Com isso, a gente vai falar um pouquinho aí da história deles e da religiosidade deles, que é bem interessante pesquisar isso aí, é bem interessante a gente ver como eles se relacionam com os gregos. E quem não conhece muitas vezes vai achar que é uma fase dos gregos, que é uma época da civilização grega, e não é bem assim. É e não é. Mas aí durante o episódio a gente explica certinho deles e mostra o porquê que eu achei tão legal essa cultura. Eles têm todas essas definições: são os minoicos, minoanos, egeios – egeios por causa da região do Mar Egeu -, mediterrâneos, por causa da região Mediterrânea, do Mar Mediterrâneo também, toda essa região, ou cretenses, porque é a Ilha de Creta. E minoico e minoano também, conforme a gente falar da religiosidade, da parte histórica, vocês vão entender também o porquê desse nome. A Ilha de Creta atualmente é a maior ilha da Grécia, ela fica mais ao sul do país, e é interessante notar que os minoicos, como eu falei, não são considerados gregos de fato. No máximo, eles seriam chamados de pré-gregos. E é dito que os gregos foram formados por quatro grupos ou etnias – ou levas, porque foi de tempos em tempos. São os jônios, os dórios, os aqueus e os eólios. E na própria mitologia a gente tem o deus Prometeu tendo como filho Deucalião. Deucalião é aquele que, com a mulher dele, Pirra, sobreviveu ao dilúvio grego. E esse casal, por sua vez, teve um filho chamado Heleno – a gente já vê a relação aí desse nome com os helênicos. O Heleno teve Doro, que gerou os dórios; Eólo, que gerou os eólios; e Xuto. O Xuto teve Aqueu – o filho de Xuto era chamado de Aqueu, que gerou os aqueus – e um outro filho chamado Ion, que esse gerou os jônios. Aí a gente vê a relação de J e I ali nos nomes.

Nilda: Interessante isso, porque segue aquela coisa de um grande criador, aí os filhos, que deram origem a essas levas diferentes. Você tem uma explicação mitológica para uma migração: origem divina.

Leonardo: E também considerando que aí no caso foi o filho, mas filho de um sobrevivente de um dilúvio, então é aquela coisa, porque o dilúvio dizima tudo, então o que vem a seguir precisa dar origem às diversas etnias. Só que aqui a gente vê que eles se limitam às etnias que formaram a Grécia, bem mostrando: a Grécia é o mundo e acabou. Eles não ficam… alguém que deu origem para o povo da África, o povo da Ásia, não, são essas quatro etnias gregas. Porque isso, na verdade, está explicando as levas que teve da formação da Grécia, esses povos de origem indo-europeia que foram, de tempos em tempos ali, chegando à Grécia, na região que se tornaria a Grécia, e dominando. E aí a gente vê que em nenhum momento nesse mito tem algo relacionado aos habitantes da Creta nessa linhagem, não tem nada referente a minoicos, a cretenses, a nada. São só esses quatro grupos, então a gente vê que eles não seriam considerados gregos nem na questão mitológica. Com isso, a gente vê também que, na verdade, eles não são considerados um povo de origem indo-europeia. Quando a gente fala das mitologias mais conhecidas, greco-romana, nórdicas, celtas e tudo, é comum a gente falar desses indo-europeus, porque são os povos que foram – não vou lembrar certinho a localização – migrando por toda a Europa e também por uma boa parte ali da Ásia, indo muito em direção à Índia. Aí tem essa relação desse nome, que é muito ligado com a língua. Como eu já falei isso em muitos episódios, mas a questão cultural e mitológica se prende muito à língua, quando você vê povo tal, normalmente é porque tem língua tal também. Os próprios helênicos tinham o seu idioma, porque, como não tem a questão de nação antigamente, não era essa ideia de nação, você definia muito pela cultura e, com isso, relacionado também à língua. E aí, no caso, a gente vê que os cretenses, os minoicos, não entram nisso aí, eles não estão, e, como eu falei, eles não teriam uma origem indo-europeia. É dito que eles teriam vindo de povos da Anatólia. A Anatólia, para quem não conhece, é a atual Turquia, fica na região da atual Turquia. Mas também tem a hipótese de que eles seriam um povo protoindo-europeu, ou seja, anterior aos indo-europeus, porque é como se eles tivessem se desprendido desses povos, desses indo-europeus, dos que iriam ser considerados indo-europeus; eles teriam se desprendido antes. Então antes de serem considerados indo-europeus e aí começar a migrar pelos continentes, eles teriam saído desse grupo, ido ali para a Anatólia e aí ter ido para Creta, antes de serem considerados indo-europeus. Seria bem isso aí.

Nilda: Como é uma ilha grande e uma ilha com condições de progresso, de agricultura, uma ilha considerada com clima bom e tudo para sobreviver, os primeiros humanos, migrando, terem parado por ali não é difícil. É coisa até bem lógica, porque também não é uma ilha difícil de chegar; nem que seja por acidente, você chega a ela. É um povo que foi se desenvolvendo ali independentemente do que estava acontecendo em volta em termos de migração, em termos de relações entre as outras civilizações humanas que estivessem por ali, começando a acontecer.

Leonardo: É uma ilha grande e fértil, é boa para se desenvolver, ainda que eles não tenham ficado presos ali. A gente vai ver que eles tiveram bastante contato com povos ao redor, mas eles se mantinham pela própria ilha. A ilha em si já era boa o suficiente para eles. E isso a gente diz de muito tempo atrás. É dito que a história dessa civilização começa por volta de 2800 antes da Era Comum, e aí seria a Idade do Bronze. Essas vantagens da ilha que a gente vê como os ajudaram a evoluir e a crescer como uma civilização. Até certo momento eles não estavam sofrendo invasões, eles tinham uma terra fértil e tinham muito contato com os povos de além do mar. Aí um grande exemplo desses povos são os próprios egípcios. É dito que eles tinham muito contato com eles.

Nilda: Acredito que fosse uma região de porto muito boa para… você sair do Egito e vai até digamos onde é a Fenícia, apesar de talvez na época nem existir Fenícia ainda, mas você ter essa ilha grande onde você pode abastecer e fazer comércios, e fazer suas trocas no meio do caminho, é uma maravilha.

Leonardo: Tanto que é dito que eles são a primeira talassocracia – acho que esse é nome. É um governo muito voltado para o mar, porque eles tinham muito esse contato. Eles tinham ali a ilha, mas eles chegaram a ficar também em uma parte mais costeira da Grécia continental e em algumas ilhas no alto também, ali as ilhas menores. A principal era Creta, mas eles iam para esses outros locais e eles dominavam ali. É bem no nível dos fenícios. Os fenícios dominaram acho que um tempo depois a questão marítima, mas os fenícios são bem conhecidos de terem ido para outra ponta da área continental – eles atravessaram o Mediterrâneo -, os cretenses também tinham uma boa navegação.

Nilda: Interessante esses povos terem toda essa navegação. Às vezes a gente tem aquela ideia de que os povos não se comunicavam muito, mas ali, principalmente pelo fato de ter muitas ilhas, então deve ser razoavelmente fácil de ver estar pulando de uma para outra… não vou dizer que é aquela coisa que qualquer um fizesse, mas você consegue desenvolver essa navegação boa, você tem esses contatos entre os povos muito facilmente. Quer dizer, depois que um povo se firmou em um local, você consegue fazer todo esse contato, que é uma coisa que a gente pensa hoje em dia: “Ah, como as pessoas se comunicavam?”. Não, elas se comunicavam e muito bem, a diferença é que às vezes, ao invés de demorar dois segundos de e-mail, um minuto de um e-mail, eram três meses, quatro meses, mas o povo se comunicava assim, e trocava coisas e trocava informações. E (inint) [00:10:15] fazia qualquer reino crescer. Um reino que tivesse um bom domínio disso, ficaria muito importante, não tem como não ficar.

Juliano Yamada: Tem duas vantagens de Creta: uma delas é geográfica. Creta fica exatamente na fronteira sul do Mar Egeu para o início do Mar Mediterrâneo. Apesar de ela estar inteira no Mar Mediterrâneo, o Mar Egeu mais ou menos mitológico ia até a costa de Creta e dali ia para o Mediterrâneo. Você fazer uma viagem direta do Mar Egeu para qualquer reino ou território do norte da África, onde tinha especiarias, onde tinha itens que você precisava comprar para levar para a Grécia era muito arriscado: tinha pirataria, tinha tempestades. Então a vantagem de Creta é que ficava exatamente no meio termo ali entre o Mar Egeu e o norte da África. Para você viajar para o norte da África, era mais fácil você ir até Creta, de Creta ir para o norte da África. Era mais fácil, mais seguro e mais rápido, passava dois ou três dias. Então comercialmente Creta era muito rica por causa disso, você tinha muitos navios passando por ali, era uma rota muito importante. E uma segunda vantagem: Creta era riquíssima em cobre e estanho, que são os dois metais que você precisa utilizar para a fabricação de bronze. Bronze, na Era Mitológica, era considerado não como uma liga, mas como um metal puro. Só mais para frente se descobriu que o bronze, na verdade, é a união de dois ou três metais, entre eles o cobre e o bronze.

Leonardo: Bom, agora eu fiquei com uma dúvida, então. Se não se sabia que era essa mistura, você encontra-o naturalmente?

Juliano Yamada: É que como eles têm ponto de fusão meio que parecido, ocorrência parecida, tanto que, quando você acaba tentando extrair um, você extrai o outro e você acaba meio que fabricando bronze. Eu não lembro exatamente quando eles descobriram, mas é bem antigo, quando eles diferenciaram o cobre do bronze, mas as características são muito próximas mesmo. Foi meio que sem querer. Já se sabia que existia cobre e já se sabia que existia bronze há mais de cinco mil anos, só que era mais fácil você fabricar o bronze do que o cobre, e ele era um metal bom, ele era um metal em que você conseguia colocar fio, ele tinha uma resistência boa para você trabalhar metais para fabricar armas, mas ele era mole. Por que a gente deixou de usar bronze e começou a usar aço? Porque o aço corta o bronze. Você tem escudos e espadas de bronze, e, quando chegaram as populações que usavam aço, basicamente você tinha um escudo que parecia manteiga diante o aço. Então os povos que usavam o bronze começaram a migrar para o aço. O aço era um metal muito mais chato de trabalhar.

Leonardo: Antigamente, quando eu era pequeno, quando eu era criança e tudo, eu achava que Idade do Bronze era porque não era uma idade muito boa, porque não foi nem ouro nem prata, era bronze. Quando eu era criança, eu pensava assim: a Idade do Bronze era que ainda não evoluiu tanto, então – já que é do passado – estaria tipo em terceiro lugar. Coisa assim.

Nilda: Essa questão do bronze, provavelmente o ferreiro que soubesse fazer a dosagem correta, soubesse pegar, com certeza era considerado muito melhor que outro e produzia um bronze melhor que o outro. Nisso você vai desenvolvendo a técnica. Inclusive o bronze é uma liga de vários metais, que dá durezas diferentes para ele e usos diferentes.

Juliano Yamada: Tanto que é uma coisa interessante, que o fim da Idade do Bronze culmina com o início da Idade do Ferro. Às vezes não tem uma data exata, porque vários povos…

Leonardo: Varia de cultura, de povo para povo, não é?

Juliano Yamada: É, tinha povo, tinha egípcio antigo já mexendo com ferro enquanto tinha grego antigo mexendo com bronze. Então eram civilizações que estavam em escalas de tempo diferente. Quando você tem a entrada do ferro gradual, quando ela se fixa por completo, você tem o fim da Pré-história. Para se ter uma ideia, o Neolítico vai de cinco mil antes de Cristo, ou antes da Era Comum, até três mil antes da Era Comum. A Idade do Cobre começa mais ou menos em 3300 antes da Era Comum. Quer dizer, ela começou antes do fim do Neolítico. Então você tem essa intercalação, que é o período de transição. Eu chamo de período de transição, porque o povo ainda estava se adaptando, então as tecnologias estão indo de ponto a ponto. Os egípcios já sabiam mexer com aço e ferro, tanto que você tem aquela famosa adaga de ferro meteorítico, de ferrite, que foi encontrada dentro da tumba do Tutancâmon, e é um trabalho muito bem-feito. É um meteorito puro de ferro, de muito boa qualidade. Mas como é que eles sabiam que aquele metal podia ser transformado em uma arma? Então eles já deveriam ter essa tecnologia muito antes.

Leonardo: Se é meteorito, é que veio do espaço, aí prova os alienígenas no Egito.

Juliano Yamada: Exatamente.

Leonardo: Mas você entra em coisas que defendem aí de Eram os Deuses Astronautas e tudo, defendem todas essas coisas desse meteorito. Tem cada argumento… mas, enfim, voltando aos minoicos, como nem tudo são flores e nem tudo é bronze, em 1700 antes da Era Comum ocorre um terremoto, destruindo muitos dos monumentos deles, ou então também o pessoal fica meio assim: ou foi terremoto ou foi também invasão dos jônios, e esses sim um dos povos que deu origem aos gregos. De qualquer maneira, nessa época aí, ainda não o fim. Mal, mas não foi o fim, porque logo em seguida eles se reconstroem. Aí, nessa época, após essa reconstrução, é quando eles realmente atingem o ápice. Aí eles cresceram para caramba e de aí que eles ficariam famosos. As cidades cresceram bastante; Knossos, que é uma que, quem ouve aí dos gregos antigos, ouve nas mitologias, ouve também esse nome, que foi a principal cidade. E é nessa época em que a gente tem o rei Minos. Quem não tinha se ligado à questão dos nomes, minoicos ou minoanos, vem disso, vem do rei Minos. E, quem não percebeu, isso está relacionado ao Minos e ao Minotauro, narrativa do Teseu contra o Minotauro, que é relacionada ao rei Minos, que é em Creta. Está relacionado a isso tudo. Isso vem depois – mais para frente a gente cita essa questão aí -, mas é nessa época, pós esse primeiro ataque ou esse terremoto, essa primeira queda que teve dessa civilização, ela se reergueu logo em seguida e aí que veio o rei Minos. Rei Minos – ou ele foi uma pessoa, ou foi uma dinastia, ou então foi um título. O mais que eu vejo o pessoal defendendo é a ideia de ter sido uma dinastia, não unicamente uma pessoa, por isso que a gente diz que o rei Minos é um personagem lendário, no sentido de que tem a narrativa ali do rei Minos referente ao Minotauro, mas baseada em alguém que existiu ou pelo menos o conceito, ou uma dinastia, o que for, algo que existiu. E aí, como eu falei, é quando realmente essa civilização cresce para caramba. É aí que eles melhoram a pecuária, a agricultura, a questão da navegação além-mar também, quando eles começam a chegar às ilhas ali mais acima. Então aí que eles crescem bastante. Porém, chegam alguns séculos depois, mais desastres naturais ocorrem, e um desses, que é um dos principais, foi a erupção do vulcão Tera – dez vezes mais poderosa que a do Vesúvio. Vesúvio, que é bem conhecido. Esse do vulcão Tera foi mais forte ainda. Isso ocorreu em uma ilha um pouco acima, que é a ilha de Santorini, e que realmente foi uma das erupções mais fortes da história – é considerada. Não só a poeira que isso aí gerou foi problemática para os minoicos, porque a poeira acabou chegando lá, como principalmente o que realmente deu muito problema foram os tsunamis relacionados a isso. Inclusive, se tem a ideia de que essa mesma erupção vulcânica do vulcão Tera pode ter dado origem às pragas do Egito. Tem-se um estudo de que as pragas do Egito foram problemas causados por essa erupção.

Nilda: E quem tiver pelo menos mais de 20 anos deve lembrar da erupção, em 2008 ou 2009, de um vulcão na Islândia, aquele um que não pode ser nomeado, porque ninguém consegue falar aquele nome sem ser os islandeses, tem um nome muito estranho, e parou todos os voos na Europa por quase um mês. Foi um desastre para o continente. Foi uma coisa muito ruim. Falava: “Olha, aeroporto da Inglaterra, da França, está tudo fechado, o céu está escuro, a temperatura caiu”. Foi uma erupção muito… quem pesquisar um pouco sobre o vulcão da Islândia cujo nome ninguém consegue falar, foi entre 2008 e 2009. Foram terríveis as consequências. Não chegou a ter tsunami nem nada, mas aquele monte de poeira que lançou, atrapalhou a vida da gente hoje em dia. Eu imagino nessa época, em um local cheio de ilhas, esse vulcão muito perto do continente causou muito problema para todo mundo.

Leonardo: Sim, isso aí realmente enfraqueceu muito os minoicos, e aí essa é a principal hipótese do que teria ocorrido com eles. Não que essa erupção e os tsunamis e a poeira, o terremoto tenham acabado com eles, mas isso ferrou muito, porque lembra que eles tiveram já uns terremotos antes e ali é uma região de terremotos assim, e conseguiram se reerguer. Dessa vez teria sido muito forte, enfraqueceu para caramba, e aí nessa época já os micênicos – são os aqueus, esses sim gregos – realmente aí conseguiram invadir e conseguiram dominar a região, porque eles já tentavam antes ali chegar até os minoicos e tudo e não conseguiam, não conseguiam passar, não conseguiam dominar. Agora eles estavam mais fracos, por causa do desastre, aí os aqueus conseguiram entrar lá e dominar. E aí esse é um marco, porque é após essa chegada dos micênicos na Ilha de Creta, e com isso dominarem o local, que acaba o período minoico. Então, quando você vai estudar isso, você vê primeiro o período minoico acaba, começa o período micênico. Período micênico, aí realmente já são os gregos e, se não me engano, nessa época em que se passaria a maioria dos mitos gregos, é dito que seria nessa época. Tipo, o herói tal não sei o que – é porque ele era nessa época. Tanto que a Guerra de Troia acontece aí e às vezes você vê, na Guerra de Troia, eles falando não dos gregos, e sim dos aqueus, que é o povo que estava ali. Então foram os aqueus que guerrearam contra os troianos, porque eram esses que estavam aí – ou micênicos. É chamado também de micênicos. E uma coisa, ouvinte, que, se eu não me engano, é o nome que eles se davam, mas micênicos e minoicos são nomes que a gente os dá agora. É uma coisa que quem foi descobrindo, os estudiosos e tudo deram esses nomes. Minoicos por causa do rei Minos, por causa da dinastia do Minos, e micênicos por causa de Micenas, que, na época em que eles estavam dominando tudo, era uma das principais cidades. Se não me engano, é a do cara lá, do Menelau, não é? Que vai para a Guerra de Troia.

Nilda: Do irmão do Menelau, Agamenon. Ele era rei de Micenas.

Leonardo: Ah, era o Agamenon? É, eu nunca lembro qual era dos dois.

Nilda: É, o Agamenon era rei. O Agamenon era irmão do Menelau, era rei de Micenas, que era a maior cidade da Grécia, a cidade mais importante naquela época. Mas, gente, a gente está falando da Guerra de Troia, mas boa parte da mitologia grega tem um começo, o herói vai lutar, sei lá, vai resgatar a princesa na Etiópia e traz para a Grécia; o outro herói vai para a Ilha de Creta e derrota e volta para a Grécia. Ou seja, você vê que essas histórias significam que “Olha, nós somos tão bons que nós derrotamos… o herói que nos deu origem vem dessas civilizações”, que eram civilizações importantes que já tinham decaído, mas você tinha histórias dela como importantes. Então você tinha que trazer essa origem para elas. Então Creta tem muito isso, de você pegar algumas coisas de Creta para justificar a grandeza grega. E, nessa época de Creta, entre a primeira e a segunda erupção, foi uma época que ali no Mar Mediterrâneo como um todo começaram a acontecer várias guerras, então você tinha: o Império Hitita começou a guerrear contra os povos ali embaixo, os egípcios começaram a enfrentar problemas internos e externos. Provavelmente quando Creta teve o problema com a erupção do Santorini e tudo mais, provavelmente ela não teve a quem pedir socorro, porque ali em volta estava todo mundo ruim também, sabe? Os impérios estavam caindo, estavam ruindo, e depois se reergueram outros: o Egito continuou sendo o Egito, mas teve até mudança de faraó – eu esqueci agora como chama -, de uma dinastia para a outra de faraós nesse período, porque foi um período em que não afetou um local só. E aí, extrapolando para hoje em dia, quando você tem um reino que está mal e os outros em volta estão mal, ninguém socorre ninguém, é cada um por si e, no caso de Creta, ela não tinha mais para onde socorrer e sucumbiu aos gregos.

Leonardo: Quando se está em uma pandemia, cada país que se vire, que eles não vão querer um ajudar ao outro, e pegam todas as vacinas para eles, não estão nem aí para os outros, não é? Bem assim.

Nilda: Algo do tipo. Um roteiro parecido.

[Trilha sonora]

[Bloco de recados]

Leonardo: Bom, ouvinte, esse foi um começo, meio e fim dos minoicos bem resumido, porque é história bem antiga, então também não vai ter todos os detalhes, e a gente aqui não precisa ficar focando aí em todos os detalhes também da história. É mais legal a gente mostrar a questão dessas características, mas foi legal mostrar esse começo deles e como acabou. Tudo uma hora chega ao fim, então esse foi o fim da civilização minoica e do período minoico. Mas, como disse, é legal a gente falar das características, porque aí sim a gente vai entendendo como eram a cultura e as crenças que eles tinham. Uma característica bem marcante deles é a questão da escrita: eles possuíam um sistema hieroglífico e até, aliás, é dito que pode ter vindo do Egito, e aí a gente vê toda essa relação que eles tinham com os egípcios, então a própria escrita deles veio disso. Aí esse sistema hieroglífico, que não se sabe ler, não tem como traduzir por enquanto, evoluiu para o chamado linear A. Todo mundo que começa a estudar coisas de povos antigos dessa região e tudo uma hora ou outra já ouviu isso, falar de linear A, ou quem também estuda a questão de línguas. E até hoje, pelo menos enquanto a gente está gravando esse episódio, também não foi decifrado esse linear A. Aí veio o linear B. Porém, por um bom tempo achavam que esse linear B era também uma escrita deles, então eles teriam essas três: hieroglífico, linear A e B, mas não, linear B não é minoico, ele é uma versão dos aqueus. Eles pegaram o linear A e foram transformando até virar o B, só que é para eles, não é dos minoicos. Então é considerada uma língua pré-grega, que já era ali dos gregos, só que eles pegaram dos minoicos e foram transformando. Não é o grego antigo, mas é o que deu origem. Ou seja, a gente não tem noção realmente de como é a linguagem, o sistema de escrita dos minoicos, nem a parte de hieróglifos nem o linear A. Até hoje não se sabe. Então quando a gente descobrir, conseguir decifrar, podem vir novas informações aí. E o interessante disso – você vê como eles foram dando origem, deram origem à questão da escrita e tudo, mesmo que tenham sido os micênicos que tenham pegado, eles são considerados um ponto de origem. É dito que eles seriam a primeira civilização da Europa. O legal, o que me chama muito a atenção é que eles são considerados a primeira civilização da Europa, mas eles não têm tantas características do europeu em si, eles seriam mais corretamente considerados uma extensão do Oriente Médio, tanto é que eles podem ter sido os filisteus ou então um dos povos que constituíam os filisteus. E aí é dito que um dos possíveis nomes deles… seriam chamados de keftiu. A gente chama de minoicos por causa do rei Minos, como disse, mas eles se chamariam de ketfiu. É uma possibilidade. Então eles não seriam europeus em si ou gregos, como eu falei e tudo ali, mesmo que eles sejam o que deu a origem à toda a civilização ali, eles têm muito mais um quê egípcio até, muito mais próximos do Egito e muito mais próximos ali do Oriente Médio como um todo. Isso que eu acho muito legal.

Nilda: É a questão de você usar uma visão de hoje em dia, tipo, como hoje em dia Creta faz parte do que a gente chama de continente europeu, então a primeira civilização europeia foi Creta. Sendo que é um povo que hoje em dia provavelmente ninguém chamaria de europeu.

Leonardo: Exatamente. E até isso é interessante, porque, quando você estuda os minoicos, você acaba caindo no momento da descoberta deles, dos sítios arqueológicos. E aí essa questão que eu falei, de eles serem europeus, mas nem tanto assim. É interessante pensar nisso, porque, quando teve essas escavações da descoberta deles, o Arthur Evans, que ficou famoso por isso, o arqueólogo que ficou famoso pela realização de ter descoberto… a gente percebe a grandiosidade que foi isso e a própria empolgação dele – ele era britânico -, porque ele encontrou uma civilização antepassada à dele, que também era insular, como são também os britânicos, e que era considerada bem desenvolvida. Pelos achados que eles tiveram, eles viram que era uma civilização bem desenvolvida. Então ver que eles fizeram meio que uma relação tipo: o povo que gerou, a civilização que gerou aqui os gregos, que gerou tudo aqui, a parte da Europa, era desenvolvida e morava em uma ilha e igual a nós, britânicos. Vem bem com essa ideia, então meio que aquela coisa de se espelhar nos antepassados. Só que, quando a gente pesquisa mais a fundo, a gente vê que eles têm muito mais um quê de Oriente Médio e Egito, muito mais próximos. Eles não eram europeus ali. É bem interessante isso.

Nilda: Principalmente descobertas do século 19, começo do século 20. Você transpunha muito o pensamento europeu para algumas coisas que você estava descobrindo, e hoje em dia você vê que não é exatamente aquilo.

Leonardo: Claro que, antes que o ouvinte fale: “Não, mas é Creta, é na Grécia, é na Europa”, o que a gente está querendo dizer é que, se você for analisar características da cultura deles e, com isso, eu imagino que até o próprio estilo da etnia e coisas assim, você vai ver muito mais próximos dos egípcios. Tem do Oriente Médio como um todo, mas acho que dos egípcios você vê que são mais parecidos mesmo. A própria questão da escrita deles: os hieróglifos que eles usavam vieram ali do Egito; o contato que eles tinham muito era com os egípcios. A gente não vê, na história deles, mostrando que eles tinham muito contato com quem já estava ali na região da Grécia, sejam os jônios ou os aqueus. Eles tinham, mas não era tanto assim, era mais de os aqueus tentarem invadi-los, mas por um bom tempo, por muito tempo não conseguiram. Então o contato que eles tinham era mais com os outros povos, com os povos que ficariam na África e na Ásia. Como eu falei, é muito mais uma extensão do Oriente Médio do que em si um berço da Europa, digamos assim.

Nilda: Ouvinte, pense o seguinte, naquela região os três principais reinos-países eram Egito, o Império Hitita e ali a região da Babilônia, que tem vários nomes, mas aquela região. Eram as principais áreas do mundo. Você queria comércio, você queria ser importante, você tinha que ter relação com esses três locais. Tinha outros pequenos reinos. Grego? Italiano? Era um povo subdesenvolvido, para eles, que estava ali no norte passando fio e usando pele. Basicamente era esse tipo. Aquela visão que o europeu hoje tem do resto do mundo, provavelmente era a visão que eles tinham do europeu. Tipo: “É um povo que está ali, mas não tem o grau de refinamento que um egípcio ou um babilônico tem”. Tem que mudar o foco: por que a Europa não era importante? Não era importante, porque não era nada.

Leonardo: Inclusive até não vou saber ao certo a questão das datas, mas nessa época em si, na época do auge em si, tinha já ali os aqueus, os micênicos, tentando dominar ali, chegar, mas um pouco antes já tinha a civilização minoica, já tinha egípcios, já tinha hititas e tudo, esses povos assim, e, na Grécia, na parte mais continental, estavam os povos que muitas vezes você vai encontrar como sendo os povos primitivos mesmo, que nem os gregos em si – acho que é o Homero que chama… eles põe um nome mais específico, que seriam os povos que já estavam ali naquela região, ou seja, antes da chegada das quatro etnias, que eu citei lá, os jônios, os dórios, os aqueus e tudo. Os povos que estavam lá, os próprios gregos não considerariam, não levariam em consideração, porque seria bem coisa primitiva, primitiva até num certo quê pejorativo, na visão deles em si, de que “Aqui não faz parte do nosso passado. O nosso passado é: chegaram aqueles povos aqui e foram crescendo, e aí dominaram também, depois de um tempo, Creta”. Então não faz parte, são tão primitivos ali que não fariam relação com os gregos mesmo. Os gregos não considerariam isso. Os gregos vão realmente se prender mais aos cretenses, aos minoicos, porque eles puxaram muito ali da cultura, mas, novamente, a gente não considera os minoicos como gregos. Puxaram muito de cultura deles, mas eles em si eram diferentes. Isso que eu acho legal, que acaba sendo um grego que não é grego. É um grego, você estuda na parte quando você vai ver mitologia grega, não dá para você separar totalmente – a gente vai futuramente falar do Minotauro e tudo, dessa narrativa, que é grega, mitologia grega, mas não tem cara de grega. Isso que eu acho bem legal. O pessoal que fica meio assim com grego, que já está meio enjoado, porque “Ah, não, é muito europeu”, os minoicos são interessantes por causa disso, eles saem desse conceito. Uma outra característica bem marcante, e aí isso a gente vai ver uma relação com os mitos já mais conhecidos, com os mitos gregos mesmo, é o labirinto. Tem-se a ideia de que os labirintos em Creta fossem provavelmente cavernas artificiais e criadas para fins iniciáticos, então muito relacionados à religião deles e para iniciação mesmo dos cultos, dos mistérios deles em si. Só que a gente tem o famoso labirinto de Knossos, que é o que está relacionado no mito grego. Esse, no caso, seria o próprio palácio – agora, é o sítio arqueológico, estão só ali os restos. Knossos, como eu falei, foi a principal cidade, o maior palácio da Ilha de Creta, que, nesse local, ainda existe o trono do rei Minos. Eles encontraram ali a cadeira e tudo onde ficaria, e aí isso seria considerado o primeiro trono da Europa, o trono mais antigo da Europa. Isso é bem interessante. Está ainda em condições ali, está inteiro.

Nilda: O labirinto, que é o palácio de Knossos, não é que ele seja um labirinto, mas ele não era um palácio tão fácil de você andar lá dentro, por ser muito grande e acho que até por uma certa estrutura para a questão de segurança, para você separar a parte em que ficavam as mulheres da parte em que ficavam os convidados, da parte em que ficava a família real. Então era uma estrutura bem grande mesmo, e um estrangeiro não conseguiria andar lá dentro facilmente. Então passa essa ideia.

Leonardo: Principalmente porque a gente chama de palácio, mas não se tem muita certeza se seria realmente o local, a casa do rei, mesmo que tenha o trono ali, mesmo que ele fique ali. Também se tem a ideia de ser uma coisa aberta às pessoas, então teria muitos caminhos ali. Não é só uma… é porque senão uma casa de alguém, muitas vezes não teria muito motivo, no máximo você fortifica. Mas é um local em que transitariam pessoas, não é um local fechado ali só onde mora a família do rei, que palácio muitas vezes você vai pensar nisso. Não, é um local onde transitariam as pessoas da civilização. Mas quem é de fora iria se perder ali.

Nilda: Eu consigo pensar isso em um sistema de… se você tiver os palácios chineses, da realeza chinesa, o imperador chinês, que você tem o local que você atende o público, que fica o trono, onde mora o imperador, onde mora o príncipe herdeiro, o segundo, o terceiro príncipe herdeiro, ondem moram as mulheres. Então, quando você olha de cima, é um conjunto de casas. Qualquer pessoa… tente ver isso, a Praça da Paz Celestial – tem novelas, tem séries -, você pega esse tipo de construção, é assim. Então é o palácio, mas é um palácio dividido em vários outros pequenos palaciozinhos para coisas diferentes e tem a parte de atendimento. Não duvido que fosse alguma coisa nesse estilo. A parte que você atende o público externo, que você atende pessoas que vêm, comercial, o que for, e uma parte que você tem a nobreza, que mora, e que, realmente, se você não tiver o mapa dali ou se você for alguém que está escavando, você vai ter dificuldade para estabelecer o que é cada coisa ali se não estudar muito.

Juliano Yamada: Tem uma curiosidade sobre Creta, que eu nem tinha pesquisado a pauta, estava meio por fora, mas faz sentido até. Creta é uma região rica em calcário, tanto que tem aquelas famosas montanhas brancas, que são puro calcário. Normalmente, esse tipo de formação tem uma certa facilidade para a formação de cavernas, e são cavernas gigantescas.

Leonardo: Em Creta tem (bastante) [00:39:09], isso era bem importante até.

Juliano Yamada: Mas, uma coisa interessante, não sei se alguém aqui já entrou em alguma caverna ou não, mas ela é claustrofóbica. Se você entrar sem um guia, (inint) [00:39:21], porque assim que você perde o ponto de referência da luz do sol, que é a saída, você se perdeu. Me desculpa. É melhor sentar e esperar por ajuda do que tentar achar a saída, senão você vai acabar indo para o lado errado…

Leonardo: E vai encontrar o Minotauro.

Juliano Yamada: … e vai encontrar o Minotauro. E é uma coisa interessante: o pessoal de sobrevivência fala que a gente tem a tendência de andar para a esquerda. A gente não tem a tendência de andar em linha reta quando está perdido, a gente sempre vai girando o corpo para um dos lados. É estranho, mas é bem isso. E por causa disso a gente acaba andando em círculos. A chance de você entrar em uma galeria errada, ir para um lugar errado é muito grande. Está bem explicado, pelo menos geologicamente, por que tinha tantas cavernas e a facilidade de você criar labirintos dentro de Creta.

Leonardo: E aí, ouvinte, então, se um dia você for para Creta e estiver com medo de se perder em alguma dessas cavernas, que vão estar como se fosse um labirinto, leve um novelo de lá para ficar o fio ali e você vai soltando. Você consegue voltar. Os mitos te ensinando a sobreviver.

Juliano Yamada: Tem uma nota, na época da faculdade, o meu professor de geologia estrutural aproveitou a aula e falou sobre o mito do Minotauro, tudo, e correlacionou isso com a geologia. A coisa mais engraçada é que na nossa turma tinha uma menina chamada Ariadne, aí ele virou para a menina e falou: “Você sabe a origem do seu nome?”, ela falou que sim, que os pais dela explicaram, aí ela começou e tudo, aí ele falou: “Olha, não dá, vou ter que falar o seu nome: olha, a Ariadne que trouxe a linha dele”. Eu não lembro por que a associação linha de Ariadne, porque a gente tem um termo em relação à linha, acho que eram linhas estruturais. Aí foi uma aula muito interessante, porque ele citou a Ilha de Creta, citou mitologia do Minotauro, os personagens relacionados e tinha uma menina na sala com o mesmo nome.

Nilda: E querendo ou não, ensina você: se não é um fio de lã… as cavernas já melhor exploradas costumam ser algum tipo de corda que você vai segurando para não se perder, para evitar que as pessoas se… eles sabem que sempre vai ter alguém que se distrai, que resolve parar, alguma coisa, e já vem a orientação da corda para você ir se segurando. Quer dizer, é o fio de Ariadne te orientando.

Juliano Yamada: Não só cavernas: montanhas e florestas. Em relação a esses fios, no Japão tem aquele pessoal que entra na mata para tentar suicídio, mas como eles têm um fiozinho de querer se arrepender, eles amarram um fio na entrada da floresta até onde eles pretendem se matar. Ou eles usam para sair da floresta ou eles usam para alguém encontrar o corpo. É meio macabro, mas é relacionado a isso também. Então tem florestas em que você vê emaranhados de fios assim, e você sabe que cada fio pode levar a um lugar onde alguém se matou.

Leonardo: Bom, mas fechando a questão aí do labirinto, a gente pergunta o porquê de chamar assim, por que chamar de labirinto? Que são esses locais em que a pessoa entra, pode se perder, que muitas vezes eram as cavernas ou o próprio palácio. Mas por que labirinto? Um dos símbolos desse reinado dessa época era uma machadinha de dois lados. Se você pesquisar sobre os minoicos, é comum você encontrar esse símbolo, aquela machadinha de dois lados, e que se chama labres. Então é daí que vem a palavra labirinto. Isso eu achei muito legal. Uma palavra que a gente usa, muito comum de se usar, que, quem já conhece a mitologia, vai ter noção de que existiria um labirinto, mas muita gente nem sabe desse mito em si – quem não conhece mitologia, não vai saber -, mas a palavra mesmo está realmente ligada a isso. Não é que no mito havia um labirinto pelo jeito que é – não, a própria origem da palavra está relacionada com os minoicos. Isso eu achei bem legal. E uma relação muito… parece que não tem nada a ver, não é? Era uma machadinha, porque era o símbolo do reinado ali. Isso é bem interessante. Mas, falando de símbolos, de elementos que marcam os minoicos, um outro é o touro. A gente, quando falar dos deuses, vai entrar mais a fundo nisso, mas o touro era algo bem importante para eles, era um animal com bastante simbolismo, tanto que eles tinham a chamada taurocatapsia. Eu achei muito legal. Que, na verdade, existe até hoje, que é uma espécie de uma tourada, onde a pessoa ia ali, soltava o touro e a pessoa tinha que pular o touro. Tanto que existem esculturas e pinturas representando isso, o touro vindo, tentando acertar a pessoa e a pessoa pulando sobre o touro.

Nilda: É uma acrobacia perigosa, essa.

Leonardo: Isso ainda tem, não só na questão de tourada – a tourada é mais conhecida -, mas essa própria taurocatapsia, de você ficar pulando em si o touro, ainda existe isso em outros países, na França e tudo tem isso, mas começou aí. Eles que começaram com essa ideia de ficar pulando ali o touro. Um esporte, um divertimento mostrando a sua habilidade de pular o touro. É meio bizarro, mas…

Nilda: Provavelmente, se você morreu, é porque o deus queria você como sacrifício e azar o seu.

Leonardo: Não espetando o touro, não machucando o coitado, está de boa. Quer pulá-lo, quer correr o risco de levar uma chifrada? Tranquilo. Só venha, que nem fazem em tourada, que ficam espetando lá o touro. Isso que eu acho errado. O touro pode espetar você, você não pode espetar o touro, não.

Nilda: É, mas esse, aparentemente, pelo menos é um pouco mais honesto: são você e o touro para se virarem, você não tem espada nem nada. Se você conseguir pular e ele fugir, beleza. Senão…

Leonardo: É mais de boa. Mas isso porque o touro era um animal bem importante para eles, então eles tinham esse entretenimento, mas tinha um quê ali da crença deles, por causa da importância do touro. Uma outra curiosidade deles, isso é bem interessante, não se tem muita ideia se realmente era isso ou não, mas tem uma lógica, é de que Creta seria, na verdade, Atlântida. Atlântida, querendo ou não, é aquilo que eu falo: é a ilha que está em todo lugar, porque todo local fala: “Ah, olha só, isso aqui foi Atlântida”, mas, no caso aí, tem a ver do mito de Atlântida ter sido baseado em Creta. O único porém dessa hipótese é que Platão, que foi quem inicialmente falou sobre Atlântida, diz que a ilha fica no Oceano Atlântico, fica depois das colunas de Hércules. Mas isso eu acho que tem pelo menos uns 300 anos de diferença, acho que no mínimo. Da queda dos minoicos para a questão de Platão teria no mínimo uns 300, então tem séculos. Então, de repente, ainda a pessoa fala: “Ah, é tanto tempo assim que pode ter modificado”. Mas a ideia de ter uma ilha com uma civilização bem desenvolvida, mais desenvolvida até que quem estava ao redor, e de uma hora para a outra essa civilização acabou, tem um quê de Atlântida nisso.

Nilda: É, pode servir de inspiração. Não só inspiração: você dificilmente cria uma história usando símbolos e arquétipos que não sejam conhecidos de quem vai escutar essa história ou de quem vai ler, porque, se você usa uma coisa totalmente diferente, causa estranhamento. E Platão, principalmente, que precisava dar exemplos para ilustrar a filosofia dele, ele precisava usar símbolos reconhecidos. Você tem que usar símbolos que reconheceriam, e uma ilha bem próspera provavelmente era um símbolo bem fácil de eles reconhecerem.

Leonardo: É, e ao mesmo tempo você tem que colocar algo familiar ali, mas também tem aquela ideia: você não pode colocar algo próximo, porque ele não poderia falar que era Creta, porque ali já tinha outras pessoas morando em Creta, já não era mais um mistério nenhum. Então teria que colocar aquela ideia clássica: você coloca algo inalcançável, algo distante. Então, para jogar para o Atlântico… é uma hipótese que eu vejo uma lógica.

[Trilha sonora]

Leonardo: Agora a gente entra já no principal, que a gente sempre fala que é a religião deles e os deuses. O curioso é que se sabe pouco dos cultos cretenses, ainda que tenhamos noção da importância do touro, como eu tinha falado, e a relação que eles tinham com a chamada Grande Deusa, ainda mais por ser uma sociedade matriarcal. Essa questão de falar que eles eram uma sociedade matriarcal tem uns certos poréns: uma coisa que é certa é que eles davam uma importância para a mulher ali, diferentemente do que eram os gregos em si. A importância deles era uma equivalência que teria, principalmente na questão religiosa, na questão dos cultos. Por isso que as sacerdotisas deles estariam em um patamar maior do que dos sacerdotes, digamos assim. Mais ou menos como é atualmente, em muitas religiões, só que ao inverso. A gente tem sacerdotisas e sacerdotes em muitas religiões, mas os sacerdotes são os que lideram; nesse caso, seria o inverso.

Nilda: A gente acha hoje em dia um pouco estranho, mas no Egito Antigo, você tinha uma sociedade em que a importância da mulher era muito maior do que no que se desenvolveu muito depois, e, na região ali dos persas, (medos) [00:49:59] e tudo mais, houve uma época em que as sacerdotisas eram extremamente importantes também. Dependendo da cidade, elas eram mais importantes que os sacerdotes. A palavra delas seria maior. Se é uma cidade dedicada a Ishtar, por exemplo, as mulheres teriam muito mais importância. Tinha toda uma coisa assim. Então não é diferente. Mas aí é uma coisa também que a gente já acho que falou em outros programas: às vezes isso de você considerar uma sociedade, chamar uma sociedade de matriarcal seja apenas um choque de cultura de um cara que vem de uma sociedade extremamente patriarcal e, de repente, encontra uma sociedade com igualdade de condições, igualdade de poder ou então com papéis sociais diferentes, e aí ele fala: “Olha, a mulher ficava no trono em igualdade com o homem”, então ele já imagina que a mulher era quem estava mandando. E às vezes são só papéis sociais diferentes que davam uma igualdade maior ou uma certa igualdade para esses povos, não havia essa divisão toda.

Leonardo: É bem isso aí, porque, na história minoica, não tem nada que revele alguma feminina no posto de rainha, no sentido de estar comandando. Podia ser a rainha, mulher do rei, mas não a rainha que comande em si. Lembre-se que é conhecido o rei Minos, mas não é uma rainha em si. Porém, ela não teria essa liderança no papel político, mas ela teria muita importância no papel social e religioso. E aí o homem e a mulher teriam os mesmos direitos. E quando eu estava pesquisando para isso até eu vi que, na verdade, esse conceito de sociedades matriarcais, nenhuma mostra que a mulher que realmente domina, seria tipo as amazonas, sabe? Não é aquele conceito. É normalmente mostrando que a mulher tem esse papel aqui, mas ela está de igual para o homem: enquanto o homem comanda certas coisas, a mulher comanda outras e está ok. Todos seriam cidadãos, não é que nem os gregos, que todo cidadão é livre e pode fazer o que quiser, mas nem todo mundo é cidadão.

Nilda: É, todo cidadão: o homem com propriedade, que pertença a uma certa linhagem, ele é o cidadão. O restante não. Bom, vamos lá que não está muito diferente de alguns países que a gente conhece por aí.

Leonardo: E ainda aqui falando dos deuses, como eu falei, o panteão deles em si é meio desconhecido, ainda que eles tenham dado origem, tenham constituído boa parte ali do panteão grego. É desconhecido. Mas o que se sabe mais é a questão da Grande Mãe ou Grande Deusa e as facetas que ela tem. A faceta mais conhecida é a deusa Reia, essa já indo para o panteão grego, a mãe de Zeus, e a deusa das serpentes. É uma outra faceta dessa mesma Grande Deusa. Essa questão da deusa das serpentes é uma imagem que se tem, quando teve essas escavações, a estátua de uma deusa, uma mulher segurando duas serpentes ali. Isso aí encontraram e ficou bem famoso. Se você pesquisar deusa das serpentes, você encontra essa imagem. Não se sabe muito ali – como eu falei, falta muita informação em si dela, mas é considerado que foi bem adorada e que é essa Grande Deusa.

Nilda: E a gente tem que pensar que nem sempre ser de serpentes é ruim ou não. Então uma deusa das serpentes, às vezes é um poder que ela tem, mas não necessariamente significa que a serpente seja considerada maligna. Estou vendo a imagem dela aqui, é uma deusa bem imponente, com umas rouponas bem interessantes.

Leonardo: E eu vejo essa estátua, para mim, eu vejo muito um quê babilônico, mesopotâmico, sabe? Me lembra até Ishtar, o jeitão dela. Então, mais uma vez, remetendo à questão de Oriente Médio. Se você, ouvinte, for pesquisar, você vê que ela não lembra uma estátua grega, não lembra esse estilo da arte grega; lembra mais essa questão de Oriente Médio mesmo, com a qual eles tinham contato realmente. E falando da Grande Deusa, é interessante notar que é uma cultura muito simbólica e tem uma adoração muito grande às divindades da natureza, uma porque era um local muito fértil ali, e aí tendo uma Grande Deusa com várias facetas, cujas facetas, ainda que tenham ido para os gregos com modificações, como a Reia, que a gente vai falar um pouco mais aí na frente, se mantenham esses aspectos de fecundidade. E essa mesma cultura tem, na versão masculina, um símbolo de virilidade, com isso também de fecundidade, que é o touro. Então você vê que se complementa. Você vê, querendo ou não, a gente pega os minoicos, a gente vê que, considerando que é um povo pré-grego, então bem antigo, Idade do Bronze ali, algo bem voltado para a natureza, é algo que não é patriarcal, a gente começa a ver semelhanças com os celtas. Os celtas também tinham muito isso aí: muito ligados à natureza, divindades estavam bem… relação com a natureza, não era tão patriarcal assim como a gente em outras civilizações. A gente também pega, então, uma deusa bem importante e que tem sua contraparte masculina, e ambos relacionados à questão de virilidade. Cernuno está relacionado a isso – o deus chifrudo -, a deusa dos celtas, então a gente vê essas semelhanças.

Nilda: Ouvinte, sabe o que isso significa? Significa que eles observavam a natureza e eles poderiam não ter um microscópio, mas eles sabiam que precisava de um elemento masculino e um feminino para gerar criança. Você tem um rebanho de gado: você pode castrar vários boizinhos, mas você tem que deixar um lá para virar o touro, para ser viril, porque senão não nasce mais bezerrinho. Eles sabiam disso, eles observavam a natureza.

Leonardo: É, e porque eles tinham educação sexual nas escolas, então eles aprendiam isso.

Nilda: Tinha que aprender, porque senão você não vive. Você tem que aprender como é a vida, gente, faz parte da vida. A gente vive na cidade e fala: “Ai, como é que eles sabiam isso?”, gente, viviam no meio do mato, vivendo com os bichos, eles tinham que ver isso.

Leonardo: Então aí a gente vê duas civilizações, duas culturas distantes de uma ponta a outra: Creta quase próxima lá da Ásia e os celtas já do outro lado da Europa. E até eu pesquisando isso aí, uma das fontes que eu peguei para essa pauta foi das obras do Junito Brandão, escritor de livros sobre mitologia grega. E uma coisa que é bem interessante é isso: muitas das coisas que os gregos têm vieram ali dos minoicos, e aí ele fala: “Os gregos, que tanta influência tiveram da civilização minoica, esqueceram de herdar ali a dignidade da mulher”, e é isso, porque a gente vê que os minoicos têm essa igualdade maior; agora, os gregos não. Os gregos, a gente vê como eles consideravam a mulher – nem cidadã era. Então eles poderiam ter herdado isso. Isso a gente verá bastante quando a gente entrar, daqui a pouquinho, falando mais da Reia, da deusa Reia.

Juliano Yamada: É interessante ver que eles têm até uma correlação com a mitologia fenícia.

Leonardo: Sim, sim.

Juliano Yamada: E os fenícios também foram um forte povo com uma grande cultura mais marítima e também uma prioridade com deusas principais femininos. O panteão deles sempre era encabeçado por uma imagem feminina, porque eles davam prioridade para a fertilidade.

Leonardo: Nisso aí entra muito aquela questão – uma coisa que eu defendo – que é assim, – porque realmente, tem gente que não curte muito essa comparação aí de divindades ou de repente falar que são as mesmas ou não e tudo – eu já parto do princípio que, na verdade, é tudo uma coisa só e ao mesmo tempo não é. Eu defendo muito a ideia assim, porque, por exemplo, você pega Ishtar. É dito que ela foi para os gregos e se tornou Afrodite, isso é uma coisa já bem firmada mesmo, por causa de algumas narrativas mesmo, mas você pode dizer que também ela está próxima da grande deusa, da deusa das serpentes; com isso, estaria próxima de Reia e tudo mais. Ao mesmo tempo, eu pego a própria Afrodite. Não tem só uma Afrodite: eu tenho Afrodite Citereia, que está relacionada a onde ela nasceu; Afrodite não sei o que, que está relacionada a algum outro local do culto. Afrodite de vários tipos. O Zeus também. Todos os deuses: a gente tem várias versões que às vezes modifica em um nível que você poderia dizer: “Ah, está meio que uma outra divindade ali”, porque é um culto específico, de um local específico, com uma origem específica. Então ao mesmo tempo que eu vejo como uma coisa só, é o mesmo deus, ao mesmo tempo não é, por terem cultos diferentes. Eu acho que, quando pula de uma cultura para outra, acontece muito disso. Então a gente vai fazer relação dessa deusa com Ishtar, mas ao mesmo tempo a gente não está dizendo que toda narrativa que a Ishtar tem é dessa aqui. A gente está mostrando que tem suas analogias, há uma questão referente à fecundidade, Ishtar é uma deusa muito relacionada ao sexo, então pode ter essa ligação, é uma deusa importante. Então essas coisas. Acho que o ouvinte tem muito que ter essa ideia, assim, é uma coisa que eu tento propagar para o ouvinte, que eu acho interessante: não coloque tudo como uma coisa só, mas ao mesmo tempo não diga que não tem nada a ver uma coisa com a outra. São culturas próximas que se relacionaram, então os deuses vão se relacionar. A origem aí de muitos deuses gregos, a gente vê nisso, agora que a gente está falando aí. Tipo, a deusa das serpentes, como deusa das serpentes em si, não tem nenhuma diretamente ligada aos gregos, mas lembre-se que ela era uma faceta da grande deusa, enquanto uma outra faceta dela é Reia. Reia é praticamente a Grande Deusa dos minoicos. Analisando Reia, a gente vê como que tem essa diferença da visão que se tem da mulher entre os gregos e os minoicos, porque Reia – isso é interessante -, quando você começa a pesquisar mais a fundo Reia, é até uma deusa confusa por causa disso, porque quando você começa a ir para esses cultos em Creta ou mais antigos, que aí em alguns casos nem seriam mais gregos, seriam já minoicos, você vê a importância que ela tem. Mas para os gregos mesmos, na narrativa mais conhecida, mais famosa, ela é mãe de Zeus, e, tipo, ok, isso é importante, mas não se dá tanto foco a ela. Ainda que em muitos locais ela seja chamada de mãe dos deuses ou mãe de deus, porque é mãe de Zeus, ali do principal deus, as narrativas não mostram tanto a importância dela; dão mais importância para o filho dela. Então, quando você vai para algo mais antigo ou mais em Creta, você vê realmente essa importância. Então é como se eles pegassem essa leva de deuses ali, porque não é só a Reia – a gente vai ver outros aí – e assim: “Ah, mas essa aqui é mulher, a gente não precisa mostrar tanto, não dá tanta ênfase na narrativa dela, dá mais do filho dela, porque ele que é o rei”.

Nilda: E é aquilo que acontece em muitas culturas ou às vezes até mesmo dentro da própria cultura. Conforme você vai mudando ou sendo dominado, alguns deuses, vocês os incorpora, porque, sei lá, você não consegue eliminar Reia da cultura que você tem, da influência cultural que você tem, mas você vai colocando em outro patamar até virar… Reia é uma deusa anterior, de uma fase anterior à fase de Zeus. Tipo, olha, era importante, mas não é mais. E isso também com os titãs: eles eram grandes, mas não são mais. É bem uma sucessão que os gregos conseguiram fazer.

Leonardo: E aí Reia se torna, para os gregos, apenas a mulher de Cronos e mãe de Zeus. Tudo bem, é mãe do principal deus? É, mas está distante de ser a Grande Deusa. Então aí você vê o nível do papel dela, como mudou. Mas a gente tem outras divindades que também foram para os gregos, como uma chamada Britomartis, que é uma deusa minoica, e, para os gregos, foi transformada ou em uma ninfa – então a gente tem uma ninfa chamada Britomartis – ou então às vezes é dito que esse nome também é um dos nomes de Ártemis. Então mais uma deusa, Ártemis seria uma deusa com origem minoica, só que para os minoicos teria outro nome. Ilítia, que é uma deusa dos partos, que também tem a hipótese de ter sido rebaixada, porque não se tem muita ideia nos minoicos de como ela seria, mas para os gregos ela é uma deusa que auxilia Hera, então não é uma deusa principal, digamos assim. Ela é bem uma coadjuvante mesmo.

Nilda: Em uma sociedade matriarcal, uma deusa dos partos com certeza era uma deusa extremamente importante. Não seria mera coadjuvante. Poderia talvez não ser a rainha das deusas, mas é extremamente importante. Não tem como não ser.

Leonardo: E aí a gente tem boa parte dos deuses olimpianos tendo alguma relação com isso aí, sabe? É dito que ou veio dos fenícios, como no caso da Afrodite, que é o caso mais conhecido, ou então muitos vieram dos minoicos, então boa parte ali dos deuses foi importada, e aí que se tornaram deuses gregos. Isso é um barato, porque o pessoal sempre fala: “Ah, os romanos copiaram os deuses gregos”, mas ninguém vem falar que os gregos copiaram, viu?

Nilda: Vou falar. “Ah, mas os cristãos copiaram um monte de coisa de outras religiões”, aqui, olha os gregos aí.

Leonardo: É, também. Mas é bem isso, porque eu falo, essa ideia de “Ah, tal cultura copiou”. Se a pessoa fala isso, ela não sabe como funciona mitologia e religião, e crenças e tudo. Não sabe como funciona, porque isso é comum. O negócio transita entre as culturas.

Nilda: Não sabe nem como funciona cultura, não sabe nada.

Leonardo: O interessante de ver essa relação que foi dos deuses minoicos e das divindades minoicas para os gregos é que se tem a ideia de que, por exemplo, a gente falou que eles davam muita ênfase para divindades naturais, e aí divindades naturais entende-se muito a relação de agricultura, dos campos, de fecundidade, coisas desse tipo, então muita coisa agrícola. E aí se tem a ideia de que as divindades minoicas foram muito para esse lado – para os gregos – terra: na terra, no sentido agricultura ali do campo em si; enquanto que a parte mais celestial, aí já teria sido as quatro etnias gregas, os quatro povos, que trouxeram. Ou seja, aí já seriam de origem indo-europeia. Nisso, a gente tem uma coisa que confirma mais isso, porque Zeus é uma divindade celestial. Por mais que ele tenha essa relação de ser deus dos raios e, com isso, da tempestade, coisa assim e tudo, a gente o vê como um deus celestial. A gente não o vê como um deus da agricultura. Diferente até do Thor, por exemplo. O Thor é um deus do trovão, igual a Zeus – Zeus também é relacionado ao trovão -, mas Thor é muito mais relacionado à questão de agricultura. Ele seria adorado por quem trabalharia, os fazendeiros, assim, do que Zeus. Zeus está no céu, ele está olhando por nós, então ele é uma divindade celestial. Ou seja, aí já teria uma origem dos povos gregos em si, não relacionados ao minoicos, ou seja, uma origem indo-europeia. Quando a gente pega a origem indo-europeia, a gente vê esse nome Zeus muito já em outras divindades, variações desse nome. A própria palavra deus. Zeus vem de céu, Zeus significa céu, é a palavra relacionada a céu; com as suas transformações, deus vem disso: teo, dos gregos, que é deus, vem disso aí. Tudo lembrando agora de cabeça. Júpiter – que aí Júpiter seria o deus pai, daí que vai se modificando, que é Dis Pater, Júpiter; os devas ou devos, dos hindus, que é deus, então são deuses. Então você vê, a palavra está nisso. Ou seja, tudo de origem indo-europeia, algo relacionado à divindade celestial, que a própria palavra está relacionada ao céu – masculino. Agora, a gente pega as divindades já mais de fertilidade, de agricultura, muitas estão relacionadas a deusas: Deméter. Deméter é uma deusa da agricultura, e é deusa em si. Então ela é um exemplo de muitas outras divindades que vieram dos minoicos, que estão relacionadas à parte da terra, parte profana até em si. Uma outra divindade que tem origem minoica é Dionísio. Não coloquei aqui na pauta, esqueci, mas é Dionísio. Tanto que essa relação de Dionísio ter uma origem minoica, ele vai até se relacionar com o mito do Minotauro, que a gente conta em um outro episódio, porque ele é uma divindade minoica ele tem uma faceta de agricultura: a questão do vinho e tudo, da questão da plantação ali. Ele tem esse quê. Então você vê esse encontro de dois lados: agricultura, algo da terra, com algo celestial. Enquanto celestial a origem é indo-europeia e masculina, dos minoicos é a agricultura e já com ênfase mais feminina, porque é da Grande Deusa.

Nilda: Você vê quando isso acontece, entre os gregos, outros povos, você vê que houve uma mudança de patamar na civilização, na cultura. Por quê? Os gregos têm isso de valorizar a elite. Você é nobre, você é cidadão quando você não trabalha diretamente na terra. Você até é proprietário da terra, mas você não trabalha diretamente. Então quem trabalha é desvalorizado; quem faz o trabalho físico. E o cidadão é o que administra e o que pensa. Nisso, o deus que fica olhando por cima e pensando é superior ao deus que está na terra, então você tem uma mudança na sociedade, você já tem uma mudança em como você faz a hierarquia dos deuses. O deus não deixou de existir, mas agora o deus que pensa é maior, por quê? Porque quem domina, quem manda na cidade não é (inint) [01:08:48], é quem pensa e quem administra, não é mais quem está lá produzindo mais, quem está direto na terra.

Leonardo: Sim, sim. E aí então o ouvinte pode pensar: “Então quer dizer que os minoicos não tinham Zeus?”. Sim e não. Aí também tem uma certa relação, uma outra característica muito marcante, que a gente já tinha citado dos minoicos, da questão das cavernas e montanhas. Os cultos dessa civilização são muito realizados em áreas naturais – não construíam tantos templos em si -, ou nas cavernas ou nos picos das montanhas. A gente vê isso refletido no nascimento de Zeus. O Zeus nasceu ali nas cavernas, foi escondido ali para Cronos não o pegar. Então a gente não pode esquecer que Zeus é cretense. Por mais que eu tenha falado toda essa origem indo-europeia, dentro da mitologia, Zeus é cretense. Ele nasceu em Creta. A gente vê resquícios desse culto nas cavernas, essa importância que tem no próprio nascimento de Zeus. Mas aí, então, teria um Zeus minoico? Na verdade, a gente tem um deus chamado Velcano – não é Vulcano, não confunda com Vulcano, é Velcano, com E -, e essa seria uma versão de Zeus, só que é uma versão mais jovem. E é interessante até você pensar: ele é minoico, ou seja, de Creta, é mais jovem e é onde Zeus nasceu. Então Zeus teria ficado jovem, teria passado a juventude dele nessa ilha. Mas aí, no caso, o Velcano é um deus minoico filho da Grande Deusa. Ou seja, Zeus filho de Reia; Velcano filho dessa Grande Deusa. Só que a importância dele seria menor. E, nesse caso, ele está relacionado à vegetação – por isso que às vezes também tem uma certa relação do Velcano também com Dionísio -, e aí a gente também pode extrapolar que: Zeus é importante para os gregos? É, mas no orfismo, que é uma linha de crença dentro dos gregos, que batia até de frente com a crença padrão, Dionísio era o principal. Ele era filho de Zeus, mas era extremamente adorado. Era meio que o… não vou dizer supremo, porque Zeus que seria, mas ele é muito importante. Então a gente vê essa importância do Dionísio, que também tem a sua origem minoica, e a gente tem esse Velcano, que se relaciona com Dionísio, mas também com Zeus, sendo uma divindade da vegetação. Esse Velcano meio que seria a versão de Zeus em si, por ser filho da Grande Deusa, mas a gente tem às vezes o Zeus chamado de Zeus Velcano, por causa disso. Ele é a versão helenizada do Velcano. Então o Velcano é e não é Zeus, porque em mitologia nunca é simples falar que só uma divindade é outra e acabou. Ele é e não. Ele tem as relações ali que se tornaria Zeus, mas, ao mesmo tempo, tem coisa que realmente não bate. É meio diferente, para confundir cada vez mais.

Nilda: E a dos gregos, que tinham que chegar que colocar um Zeus, ou uma Ártemis ou uma Hera na frente do nome de outro deus do local e confundir a gente, na hora que a gente vai estudar depois.

Leonardo: Mas isso que é interessante ver: essas confusões que se dão são isso, você vai pegando ali, vai transformando: “Isso aqui a gente não valoriza tanto”. E, claro, quando eu digo assim: “Ah, a gente não valoriza, então tira”, não é uma coisa necessariamente… vamos sentar e vamos riscar. Não, é a questão cultural. Você vai dando mais ênfase para uma divindade, vai dando mais ênfase para alguns atributos e coisas desse tipo, mas a gente vê essa evolução. Eu vou dizer evolução não no sentido de que está melhorando, mas no sentido de que está se adaptando. Os deuses minoicos se tornaram gregos e se adaptaram, então evoluíram para a cultura grego.

Nilda: Deixa só corrigir – não é corrigir, fazer um comentário em cima do meu comentário anterior, que parece que a religião segue uma certa lógica e você chega e só coloca o nome no outro. E às vezes, dentro da própria religião, que a gente não tem tanto conhecimento assim, esses atributos conflitantes, para quem praticava, não tinha problema nenhum, como não tem até hoje. Em algumas religiões, você tem alguns deuses ou santos, ou algum conceito dentro da própria religião, que são totalmente conflitantes e não tem problema nenhuma; a gente que vai tentar estudar logicamente, a gente vê o conflito e, quem está lá praticando a religião: “Não, beleza, o Zeus Velcano está uma maravilha, ele está lá no alto do Olimpo, mas também está aqui ajudando na minha agriculturazinha, na minha grama, e sem problema”. A gente às vezes tenta colocar um olhar agora, mas talvez, para quem estivesse lá fazendo o sacrifício dele e fazendo as suas orações, estava sussa, não tinha contradição nenhuma.

Leonardo: Ouvinte, e esses são os minoicos, os minoanos, os cretenses, os egeus, os mediterrâneos, todos esses nomes. Eu gosto de chamar de minoicos, porque remete ao Minos. Foi o nome que foi dado quando foram descobertos ali, porque cretense é muito ligado aos gregos mesmo, já que tem a Ilha de Creta nos mitos gregos. Então eu vou chamar minoicos mesmo. E eu gostei muito deles aí, eles têm muita relação aí com os gregos no contexto das divindades ali, porque eles deram origem como verdadeiros pré-gregos em si. Mas, ao mesmo tempo, estão muito voltados para o Oriente Médio, para os egípcios. Isso eu achei muito legal, então isso se torna uma mitologia única, então a gente não diz que é uma… isso que a gente falou não é uma mitologia grega; é uma mitologia minoica ou então pelo menos uma mitologia cretense. Isso eu acho muito legal. E vocês, considerações?

Nilda: Eu vou fazer uma consideração geral, porque esse é mais um caso de uma civilização ou de um povo em que a gente tem que tirar da nossa cabeça aquela coisa de evolução linear da história humana, em que nada se perde, ou que nada se junta, ou que nada se modifica, porque, quando foi descoberta essa coisa da civilização cretense, minoica e tudo mais, eu lembro de ter lido algumas coisas mais antigas que falavam: “Não, mas se perdeu a história ou algumas construções. Como é que esse povo fez isso? Você não sabe e tal”, mas a gente sabe sim como foi feito, só que a história não é tão linear e as técnicas e as coisas não são tão lineares assim. Então, a partir do momento que você tem, passando de uma civilização para a outra, de um povo para o outro, e a história ia andando, algumas coisas se perdem e outras coisas se mantêm. E na mitologia tem isso também, então, a partir do momento que você perdeu algumas histórias que vinham da civilização minoica, outras permaneceram, não só na Grécia como aparentemente também na região ali da Fenícia, de onde é a Palestina, porque esse povo influenciou todo mundo e também foi influenciado por todo mundo ali em volta. Então não é essa coisa, você vai subindo em linha reta em uma linha e a humanidade vai progredindo. É uma coisa realmente de ir misturando tudo e, nisso, você vai construindo, mas nisso muita coisa se perde também, e que aí você tem que tentar recuperar através dessas escavações, recuperar da história, porque algumas civilizações você achava que eram apenas lenda e, de repente, você descobre que não eram lendas. Então a gente tem que ter isso em mente, e essa é mais uma civilização que a gente tem que ter isso em mente, porque a coisa vai indo. Não é em linha reta, mas é mais um caldeirão que vai cada vez aumentando mais o gosto da sopa.

Leonardo: Exatamente.

Juliano Yamada: Muito da história que a gente joga na parte de grego, na parte romana, é cretense. Isso é até um ponto bem interessante para a gente colocar em cima, porque a gente fica tão fixo na grega que esquece a contribuição cretense, por serem tão próximas uma da outra. E é mais fácil até para se estudar e tudo mais pegar as duas e juntar em uma só, mas a gente esquece que boa parte do trabalho com metais, trabalho com navegação veio também deles.

Leonardo: Ouvinte, então você deve ter ficado também em dúvida aí: a gente falou tudo isso e cadê a narrativa do Minotauro, do Minos? Cadê o herói grego Teseu? Bom, isso já é mitologia grega, não é mitologia minoica, então isso fica para o próximo episódio. Até mais.

[Trilha sonora]

[01:18:26]

(FIM)