Papo Lendário #200 - O Mito da Idade Média

Papo Lendário #200 – O Mito da Idade Média

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo, e as convidadas Beatriz Santos e Dra. Tupá Guerra conversam sobre o Mito da Idade Média.

Veja como o conceito popular que temos da Idade Média é bem diferente de como realmente foi esta época.

Ouça sobre como o sexo era visto e tratado na Idade Média.

Entenda que a Inquisição nessa época não funcinava como muita gente imagina.

E ouça sobre diversas outras caracteristicas dessa época.

– Esse episódio possui transcrição, veja mais abaixo.

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

Leonardo: Muito bem, ouvintes, no episódio de hoje não vamos voltar tanto no passado como de costume. Vamos ficar ali pela Idade Média, ou seja, vamos queimar bruxas, ficar rezando o dia todo, parar de tomar banho e morrer jovem.

Tupá: A gente também não vai escovar os dentes.

Leonardo: Nem vamos nos preocupar com isso, dente vai tudo cair.

Bia: E vamos beber muita cerveja no intervalo.

Leonardo: E, para isso, vocês já ouviram aí, estou com convidadas que já gravaram aqui com a gente e retornaram pelo tema. Primeiro aqui vou chamar a Bia, pode se apresentar aí, dar a carteirada de medievalista.

Bia: Mas já chega assim? E aí, pessoal, tudo bom? Faz tempo que eu não gravava aqui no Mitografias. Estou feliz de estar de volta, ainda mais por esse convite, para falar de Idade Média também, que foi um pouquinho tema da minha pesquisa no mestrado. Na verdade, a minha formação é em Letras, sou formada em Português e Inglês, mas o meu mestrado fiz em Literatura Comparada, e aí eu trabalhei com literatura medieval especificamente, então, como Literatura também não anda longe da História, estudei bastante essa parte do contexto histórico medieval e é um assunto que, se deixar, Leo, a gente fica aqui até amanhã e depois de amanhã, porque Idade Média… o que não falta é assunto bom.

Leonardo: Vamos lá, vamos conversar. É bom, porque rende bastante. E a outra convidada que temos hoje aqui é a Tupá. Então pode dizer oi para os ouvintes e também dar a sua carteirada.

Tupá: Olá, ouvintes, como estão vocês? Tudo bem? Pois é. Deixe-me ver: carteirada? A minha carteirada medieval é um pouco menor, já que a minha especialidade… eu sou historiadora, eu sou formada… fiz História, fiz mestrado, fiz doutorado, só que a minha pesquisa principal é em Antiguidade, não em Idade Média. Como eu trabalho com o fim da Antiguidade e começo da Idade Média – meu tema principal de pesquisa é entre 300 antes da Era Comum até mais ou menos 200 antes da Era Comum -, então é ali fim do período antigo, início da Idade Média. Tem algumas coisas que eu estudo também na Idade Média, e a Idade Média é muito perto do meu coraçãozinho. Eu gosto muito de Idade Média e eu gosto muito de aprender sobre os mitos da Idade Média, ou seja, tudo que a gente achou que sabia sobre Idade Média, só que, na real, a gente aprendeu no filme de Hollywood e no jogo de RPG, e não com a Idade Média de verdade.

Leonardo: É o que a gente vai falar hoje, falar dessas diversas características que muita gente acha que a Idade Média era desse jeito, era daquele jeito e tudo, e não, tem muita coisa aí que é falsa, simplesmente isso, tanto que o título do episódio é O Mito da Idade Média. E aí eu tenho que – para o ouvinte que já é de longa data – já fazer uma explicação, senão vai puxar a minha orelha, porque aqui no Mitografias a gente sempre bate na tecla de que é meio errado você ficar pondo mito como sinônimo de mentira pura e simplesmente, porque mito, nas mitologias, vai além disso, porém, pesquisando mesmo para essa pauta, eu fui refletindo e fui vendo que a Idade Média como um todo, esse imaginário que a gente tem errado, o qual a gente vai descontruir nesse episódio, vira um mito em si não necessariamente pela ideia de ser falso, apesar de ser, de não ter tais elementos que a gente vai citar, mas porque ele já é todo construído, ele já tem uma narrativa que vai explicar como as pessoas eram e tudo, o que faziam, o que não faziam. Independentemente de ser falso ou não, ele já tem toda uma estrutura. Da mesma forma como, por exemplo, a gente pega a Idade Média fantástica, a gente pega do Tolkien ou até Game of Thrones, pega…

Tupá: RPG.

Leonardo: … RPG – RPG é o principal, é o mais legal de todos -, a gente considera normal que seja uma mitologia, fala: “A mitologia tolkieniana”, a “A mitologia de tal RPG” e tudo, por quê? Porque tem um mundo construído ali, só que ali tem dragões, tem magia, tem um monte de coisas que, para aquele mundo, faz sentido, para aquele mundo tem uma lógica. Só que esse mundo com dragões e magia é tão irreal quanto essa Idade Média popular, digamos assim, que muita gente imagina que existiu. Então ambos têm o mesmo peso, de certa forma, no sentido de que tem toda uma narrativa, tem diversos elementos ali, mas está além de ser verdade ou mentira. Uma Terra Média com dragões teoricamente não existiu e uma Terra Média com os elementos os quais a gente vai citar – para não queimar a pauta aqui – também não existiu. Então ambos estão no mesmo peso. E aí eu vi: se um é um mito, é uma mitologia com dragões, com magia, é uma mitologia, normal de se ver dessa forma, essa outra Idade Média popular também é, porque ela está toda construída. Só que, porém, parece que eu estou defendendo a ideia: então tudo bem ter essa Idade Média assim, que é falsa e tudo, é mito ali, mas está ok, só que aí chega a uma parte já problemática, porque, quando a gente pega as com magia ou sobrenatural e tudo ali, a gente teoricamente tem noção de que aquilo lá é um conto, é uma narrativa de um livro, é de RPG, é coisa fictícia – ou, se não tem noção, deveria ter. Agora, essa outra já não, e eu acho que isso cai muito para a Idade Média, mas também com certeza cai para outros momentos históricos aí, momentos históricos recentes também.

Tupá: Quando a gente pensa em Idade Média como um mito também, eu acho que cabe a gente pensar como todas as idades do mundo… essa divisão em idades do mundo é uma divisão teórica. As pessoas tendem a esquecer que, na verdade, a Idade Média não existiu de fato, ela é só uma visão teórica que a gente tem hoje em dia quando a gente olha para o passado, mas, para as pessoas que estavam vivendo a Idade Média, elas não estavam na Antiguidade, vivendo a vida delas na Antiguidade, e, de repente, elas falaram: “Cara, eu acho que a gente precisa ir para um feudo e aí vai ser muito melhor a nossa vida, porque agora a gente está vivendo a Idade Média”. Não é, as coisas aconteceram muito aos poucos e, hoje em dia, quando a gente estuda esse período, a gente olha para trás, a gente o classifica como Idade Média. Então, no fim das contas, Idade Média é uma construção teórica, ela não é uma coisa que existiu por si só. Sem contar que o que a gente considera como Idade Média Clássica, a ideia do feudo, vassalo, suserano etc. – vocês devem ter aprendido isso na escola -, eu lembro que um professor uma vez falou para mim: “É bom que o grande modelo da Idade Média se aplica a uma parte do que hoje é a França no século 12; ele não se aplica a todo mundo, ele não se aplica nem a toda a Europa, ele não se aplica nem durante todo o período”, porque vamos pensar que a Idade Média é um período de mil anos, então muita coisa aconteceu em mil anos. A gente não tem coisas que, durante a Idade Média, acontecia isso. A gente fala assim quando a gente precisa estudar para uma prova, que precisa classificar, mas não existiu uma coisa que aconteceu durante toda a Idade Média da mesma forma, igual. Sei lá, talvez… as pessoas morriam, mas até aí não caracteriza Idade Média. Então acho que dá para pensar nesse mito de Idade Média também considerando a ideia de como é uma construção pensar em uma idade do mundo. E é uma construção muito eurocêntrica, porque o que a gente chama de Idade Média aconteceu na Europa; em outros lugares do mundo, o que estava acontecendo era outro momento, com outras características, e a gente continua chamando de Idade Média. Como classificar? Aí o pessoal fala: “O Brasil só começou em 1500 e não teve Idade Média. Então, filho, não é como se não tivesse gente aqui antes. As pessoas faziam coisas e tal, só que Idade Média não faz nenhum sentido para o Brasil de antes, porque as populações indígenas que aqui estavam viviam outros períodos, tinham outras evoluções históricas, outras formas de organização de sociedade que não se encaixavam no que a gente chama de Idade Média.

Bia: Sim, até hoje a gente continua fazendo isso em caixinhas mesmo. É como se… século cinco: “Gente, acabou o Império Romano, vamos fechar tudo, vamos fechar a porta de casa. Agora vamos para outro ciclo”, e não é realmente nada assim, e aí a gente só pensa mesmo, como você falou, em Europa e tudo, mas e o que estava acontecendo no Oriente, no Japão, por exemplo, vivendo outro momento? Até Império Bizantino mesmo, um pouco depois. E a gente bota tudo na caixinha de referência da Europa como base para todo mundo e realmente fica difícil aplicar. O ideal seria que a gente tivesse oportunidade de ter um aprofundamento melhor nos outros momentos e até nos outros países, mas, infelizmente, só se a gente para para estudar uma região específica, porque na escola não tem nem tempo hábil para a gente ver isso.

Tupá: Ainda mais com duas aulas de História por semana.

Bia: 50 minutos de tempo de aula, 20 tentando fazer os alunos ficarem tranquilos para ouvir o conteúdo, não dá. O pessoal fala: “Só acredita em doutrinação em sala de aula quem nunca esteve em uma sala de aula”, porque a gente não consegue nem fazer os meninos olharem para a gente, quanto mais…

Tupá: Nem olhar, aí você vai ter que fazer a chamada, já acabaram os 50 minutos, gente, quanto mais doutrinar criança. Até parece. Mas voltando, pensando na Idade Média, quando a gente pensa, outra coisa interessante é esse nome: Idade Média, que é o nome que foi dado ali no Renascimento, também conhecido como Idade Moderna, pelas pessoas do Renascimento/Idade Moderna, porque queriam classificar o período que veio antes deles como uma parada não muito legal, então por isso o média, de mediana, medíocre, ou pior: Idade das Trevas, porque nada aconteceu na Idade Média.

Leonardo: O mediano então seria mais para essa ideia de ser medíocre, rebaixando?

Tupá: Isso.

Leonardo: Na minha cabeça, era a ideia assim: era antigo, quando você deu o nome para uma época anterior à sua, então a nossa – a nossa não, mais o pessoal da época moderna – era a atual, a anterior seria a média, porque teria uma mais antiga ainda, que seria a Antiguidade. Então você dividiria em três. Eu imaginava que seria algo assim.

Tupá: Tem a ver um pouco com isso também. É de média porque está no meio e média porque é medíocre. Tem as duas conotações.

Bia: E é bom a gente lembrar também que, para além disso, ainda tem a outra classificação, que está em Baixa Idade Média e Alta Idade Média também, porque ainda tem essa classificação dentro da própria classificação. E não sei como está agora, mas parece que havia uma certa disputa em verificar o que era Alta Idade Média ou a Baixa, se era no final, se era no início. Tinha uma certa discussão quanto a isso.

Tupá: E porque é a coisa mais confusa, pelo amor de deus. Eles colocaram Alta Idade Média no começo, a Baixa no final, e aí a gente fica sempre confuso, ninguém nunca sabe quando é a Alta, quando é a Média, a Baixa. Mas eu acho que é interessante que a gente pense: já que a gente entende que a Idade Média é um construto acadêmico para se estudar um certo período da História, que as características que a gente entende como Idade Média são focadas na Europa, então, quando a gente fala de Idade Média, a gente está falando de Europa, a gente está aplicando esse conceito – que é um conceito colonialista, eurocêntrico etc. Então, se a gente vai falar também dos mitos da Idade Média, esses em especial que a gente vai abordar aqui, eles são coisas que as pessoas acreditam hoje em dia que aconteciam na Europa durante esses mil anos, mais ou menos – vou bem por alto – de 400 ou final, 490 até 1490: mil anos. E tem muita desinformação de como as pessoas entendiam essas coisas todas.

[Trilha sonora]

Tupá: Eu adoro quando as pessoas falam – eu adoro não, eu adoro entre aspas – “A nossa sociedade está se revertendo muito, a nossa sociedade está voltando ao passado, estamos voltando a tempos medievais. Daqui a pouco iremos queimar bruxas e terá uma Inquisição”, e eu falo…

Bia: Ai, gente, eu passo mal com isso, sério. Eu tento manter a calma, mas é difícil.

Tupá: Por quê, gente? Por que a gente tenta manter a calma e é difícil? Vamos lembrar: a Inquisição, embora tenha existido, era um tribunal da Igreja, específico, então primeiro ponto: você só era investigado pela Inquisição caso você fosse cristão. Se você não é cristão, você está fora de jurisdição, a Inquisição não vai te investigar. Parece estranho para a gente hoje em dia, mas é verdade, as pessoas não eram investigadas se elas não eram cristãs. O que acontece é que em alguns lugares, tipo Portugal, já na Idade Moderna – esse é o segundo ponto -, a Inquisição, a famosa Inquisição Espanhola, existiu principal de 1500 a 1600; antes disso, você não tinha tanto essa estrutura. Já existia uma Inquisição, mas ela não funcionava nessa estrutura toda. Então é um erro achar: “Mas é que a Inquisição da Idade Média…”, não, a Inquisição da Idade Média era bem mais de boa.

Bia: Nesse período medieval é mais só a questão mesmo das heresias, a questão de você mexer com os hereges e verificar essas dissidências ali dentro do próprio Cristianismo, da Igreja e tudo, e aí só lá para o século 15 é que a gente começa a ter isso de queimar bruxa mesmo, e aí a gente vai ter tanto o escrito, o Malleus Maleficarum, que vai ser escrito lá por 1486, 1487, na Alemanha, e aí sim a gente vai começar realmente a ter essa grande perseguição contra as mulheres, que aí a gente vai falar: “Nossa, toda a Idade Média queimaram bruxas”. Não, gente, só lá para o século 15 mesmo.

Tupá: É, e pensar, sei lá, as bruxas de Salem, que é superfamoso, é o quê? 1700 e pouco. Primeiro que, se é nos Estados Unidos, considerando que a gente está falando de Idade Média na Europa, não foi na Idade Média, gente; e depois que as bruxas de Salem é um caso de 1700 já, não é um caso da Idade Média. E como funcionava essa questão de queimar as pessoas em fogueira? A gente tem que entender um pouquinho. Como boas pessoas que entendem de História, a gente tem que entender um pouquinho as coisas em contexto, e notem que eu não estou defendendo ou achando que é uma coisa legal queimar bruxas. Eu estou apenas colocando as justificativas de época para esse fato. Quando as pessoas eram sentenciadas à fogueira, depois de um longo inquérito – ninguém era sentenciado à fogueira de primeira, ninguém era assim: a Inquisição te pegou, você vai para a fogueira… na realidade, o que acontecia é que você estava de boa na sua vida, vivendo a sua vida lá, e alguém te denunciada para a Inquisição. Basicamente, quando te denunciavam para a Inquisição, você já foi pego pela Inquisição, não tem mais muito o que fazer. A Inquisição te pega para questionar e você vai, então, ter que admitir os seus pecados. Não adianta você ficar negando os seus pecados e dizendo que você não os cometeu, porque não adianta, porque toda vez que você nega o seu pecado e diz que você não o cometeu a Inquisição entende – estou falando bem genericamente, não quer dizer que todas as vezes acontecia desse jeito – que você está tanto sob o domínio do demônio e do pecado que você não consegue nem admitir os seus próprios erros. Então você precisa recorrer à coisa que para a Inquisição fazia muito sentido, que era a tortura. Eles acreditavam que a verdade só era extraída a partir da tortura, o que a gente sabe que é uma ideia muito torta, porque não funciona. Enfim, você foi pego pela Inquisição, você confessa os seus crimes, porque você tem que fazer isso, você não tem muitas opções, e em geral você vai ser sentenciado. A Igreja não tem o poder de te queimar, a Igreja pode te sentenciar por heresia ou por outros problemas; quem vai te queimar é o Estado, a Igreja só recomenda. Mas, em geral, nos crimes que a Inquisição investiga, você vai ser sentenciado ao degredo, que também não é como as pessoas acham que o degredo você ia necessariamente para outro país para o resto da vida, não era bem assim. Muitas vezes o degredo era um degredo de um ano ou degredo de alguns meses. Então você pode ser sentenciado ao degredo, você pode ser sentenciado a andar na rua com uma roupa para que todos saibam o pecado que você cometeu, então tem um dia da procissão e aí você anda com uma roupa esquisita no meio da rua e as pessoas te xingam, e é isso, aí acabou, está de boa; ou então em coisas muito específicas você poderia ser queimado. No caso de ser queimado, significava que eles não conseguiram de forma alguma te salvar e te queimar é a única forma de salvar a sua alma, que é muito mais importante do que você, e salvar a sua alma é o grande objetivo da Igreja. A Igreja precisa salvar a sua alma, e o fogo purifica, logo, queimando as pessoas a gente salva a alma delas. Faz algum sentido hoje em dia para a nossa mente do século, sei lá, de 2000 e tanto? Não faz, para a gente é só um grande absurdo, mas a gente tem que entender isso no momento de época. Tinha muita misoginia envolvida? Tinha. As mulheres sofriam muito mais esse tipo de penalidade? Com certeza. Aí vem toda outra questão de como as mulheres eram vistas e tal. Na Idade Média, a gente vai chegar mais para a frente um pouquinho, falar de sexo e falar como as mulheres eram vistas nesse lado na Idade Média. Mas, de qualquer forma, não existia, na Idade Média, o costume de queimar bruxas. Bruxas não eram normalmente queimadas na Idade Média. Você tinha sim, esse tipo de castigo vai existir mais para a frente, mas é muito mais nessa lógica de que eu estou tentando salvar a sua alma. É o que acontece com a Joana D’Arc. Ela renega, ela nunca fala que ela está pecando, ela morreu dizendo que ela não pecou e eu tenho plena certeza de que ela acreditava nisso, mas, para as pessoas da época, o fato de ela nunca assumir que ela estava pecando era uma prova de que o demônio tinha roubado a alma dela, então queimar era a única solução para purificá-la.

Leonardo: Sabe dizer se, nas vezes que teve, ficava aquele negócio da plateia lá torcendo que queime, como (também é posto) [00:20:24]?

Tupá: Execuções públicas eram comuns. Acreditava-se que era uma forma de você fazer com que todo mundo entendesse que não era para cometer aquele crime, porque é o que acontecia com quem cometesse aquele crime – vai sofrer essa penalidade. Só que é mais… sei lá, em Roma também rolavam execuções públicas, então não é uma invenção da Idade Média, é uma continuidade do que já era feito antes.

Bia: É, acho que é sempre essa coisa mesmo de você mostrar pelo exemplo, e aí você cria o temor naquela comunidade para tentar minimizar essas ocorrências mesmo.

Tupá: E também tem uma outra questão: em alguns casos, você tem essa ideia da execução pública como uma forma a mais de penalizar a pessoa, porque ela vai morrer uma morte que não seja relacionada aos costumes dela. E aí a gente entra em uma outra questão, que é a ideia de achar que todo mundo na Europa, na Idade Média, era cristão, porque não era. Eu não lembro quais são as datas de conversão, mas eu acho que até o ano 1000 uma parte considerável da Europa não era cristã.

Bia: Até porque foi uma coisa que foi se implantando aos poucos e acho que ao longo mesmo da Idade Média e da grande ascensão da Igreja, que foi um dos períodos que a Igreja ficou muito mais rica. Então acho que aí foi consolidando essa ideia de se lutar pela socialização através do cristianismo mesmo.

Leonardo: E querendo ou não também teria, do início que teve ainda o pessoal pagão e tudo assim, a questão de judeus e muçulmanos, não é?

Tupá: E eu acho que isso é outra coisa: as pessoas veem a Idade Média como uma coisa muito homogênea, como se na Idade Média todo mundo na Europa primeiro fosse branco, depois fosse cristão. Não faz nenhum sentido esse estereótipo quando a gente olha para os documentos. Eu estou falando de documento e relato de época. Claro que documento, fonte, é complicado etc., não vamos entrar tanto na historiografia, mas a gente tem muitas representações de pessoas negras, de árabes e de orientais vivendo na Europa e convivendo com as pessoas, a gente tem inclusive algumas… existem pessoas que estudam falar que na Antiguidade as pessoas nem entendiam tanto a questão da cor da pele como uma diferenciação do jeito que a gente entende. Enfim, tem várias pesquisas nessa área. Mas é muito claro que a Idade Média não era branca, a Idade Média foi feita branca a partir do século 19. Por sinal, a gente pode (colocar) [00:23:05] quase toda a nossa visão de Idade Média para o século 19, que é época que os vitorianos estragam tudo.

Bia: É isso mesmo, estragam tudo. Porque entra muito essa romantização mesmo, não é?

Tupá: É uma romantização do período e uma forma em que também… quando a gente tem a criação dos estados nacionais – vamos lá, vocês estudaram isso em Geografia também -, porque na Idade Média não existia essa ideia de país. É outra coisa que quando a gente vê um filme… historiador é o bicho mais chato do mundo, viu, gente, para ver filme, porque aparece no filme: “Vou lutar pelo meu país”, aí você fala: “Não, mas o conceito de país não é desse período”, aí nada faz sentido. Mas, enfim, como o conceito de país não existia, normalmente a sua identidade era muito mais ligada à sua cidade, não tinha essa ideia de país, tanto é – eu vou usar um exemplo já do fim da Idade Média, mas só para todo mundo entender – que existiu o Leonardo Da Vinci. O nome dele é Leonardo Da Vinci não por que Da Vinci era a família dele, mas porque Da Vinci era a cidade dele. Então a sua cidade era o seu principal meio de identificação com outras pessoas, era assim que as pessoas sabiam quem você era. Existia muita xenofobia inclusive, viu, gente? Mudar de uma cidade para outra costumava ser muito difícil, muito tenso, você precisava às vezes de cartas para dizer que o soberano daquela região reconhece, está de boa de você mudar. As pessoas que mudavam eram vistas com muita desconfiança, então peregrinação era uma coisa perigosa de se fazer, e por isso também os cristãos faziam, porque essa coisa do perigo e do sofrimento e tal ajuda. Claro que esse não é o principal motivo, mas acontecia. E, além disso, por isso que quando você é degredado ou excomungado tem um peso muito maior do que para a gente, porque para a gente mudar de cidade… você muda de cidade, acontece. Quando existe uma xenofobia muito forte, se você é expulso da sua comunidade, basicamente você perde todos os laços que você tinha, então você não vai mais ter as pessoas para quem pedir ajuda caso você precise de alguma coisa, você já não sabe mais quem faz pão, onde você mói o trigo; se você tinha uma casinha, uma terra, de repente você não tem, você vai ter que tentar conseguir tudo isso de novo, tentar conseguir ferramenta de novo, ser aceito em um outro lugar. Então o momento em que esse tipo de punição acontece, você é expulso da terra em que você vive, muitas vezes isso era uma sentença de morte, na verdade, porque você sair da terra em que você vive é basicamente estar em um perigo muito grande. E aí também o problema da excomunhão, que, tudo bem, a gente falou muito que nem todo mundo era cristão – beleza, nem todo mundo era cristão. Na verdade, uma galera era cristão e não entendia muito o que isso significava, porque uma parte considerável dos padres também não lia, também não tinha sido treinada bem o suficiente, então o cristianismo era uma grande mistura de coisas muito aleatórias e tradições locais. Em Roma talvez não tanto, mas, assim… se você era excomungado, significava que você não podia mais participar da comunhão, ou seja, participar das questões sociais da vila que você morava, e isso basicamente significava, de novo, que você podia morrer de fome, porque você não ia mais poder comprar na venda, você não ia mais poder fazer trocar, você não ia mais poder ser atendido pela curandeira e o benzedeiro, enfim, várias pequenas questões que te impediam a vida. Por isso que ser excomungado era uma questão que podia ser muito mais tensa do que hoje em dia. Hoje em dia, ninguém liga. Quer dizer, se você for cristão, você vai ligar, mas a média das pessoas… se você falar para alguém: “Fui excomungado”, ninguém vai achar terrível.

Bia: Aí realmente é uma questão de você ser excomungado, você é um morto em efígie, porque as pessoas vão te ver, mas vão fingir que não te veem, então você se torna invisível, você realmente não tem nada, não tem nenhum apoio que viabilize a sua vida. Então mesmo eventualmente se migrar, você corre todo esse risco de não dar certo. E hoje você fala em excomunhão, talvez até alguns católicos mais conservadores fiquem preocupados com essa questão, mas você sabe que a sua vida não vai depender mais disso, então realmente para a gente hoje não fala tanto quanto falaria na Idade Média.

Tupá: Falando: “Ah, mas as pessoas não mudavam tanto e tal”, realmente, não mudavam tanto, mas ainda assim a Europa era muito mais mista e diferente do que a gente interpreta hoje. Então a gente falou desses territórios que eram muçulmanos, especialmente ali a Península Ibérica, que tinha sido dominado pelos muçulmanos. As pessoas não eram brancas, as pessoas não eram loiras dos olhos azuis. Por sinal, elas nem eram loiras dos olhos azuis no resto da Europa também, mas, enfim, elas não praticavam o cristianismo, elas não eram brancas dos olhos azuis, elas não comiam a comida que se imagina que cavaleiros medievais (inint) [00:27:58] e tal, nada disso acontecia naquela região. Por isso que, quando eu falei que o típico da Idade Média é a França do século 12, um pedaço específico da França do século 12, é por isso. E a gente tem referências de pessoas negras vivendo na Inglaterra, vivendo na Escandinávia, a gente tem referências na Alemanha, a gente tem referências basicamente em todos os lugares, e é muito louco quando as pessoas – eu vou usar o exemplo da Inglaterra, que eu sei um pouquinho mais – “Ah, porque eu sou puro inglês”, aí você fala: “O que isso significa?”. Significa que você tem, então, sangue… a mistura do seu DNA envolve as tribos originárias da Inglaterra, que foram massacradas durante a conquista pelos romanos, mas que sobreviveram e se misturaram com os romanos; aí a Inglaterra ficou cristã um tempo; aí os saxões invadiram, eles não eram cristãos. Então você já tem três misturas, ou seja, saxão também. Aí os saxões dominam, nessa época eles não são cristãos. Aí lá por 800 os vikings invadem, e vamos lembrar aqui, gente, viking significa aquela pessoa que sai para pilhar por aí. Nem todo mundo da Escandinávia é viking, você tem vários reinos na Escandinávia, e as pessoas que saíam para pilhar eram os vikings. Não é que todo mundo da Escandinávia fosse viking, era diferente. Então os vikings vêm, que é basicamente a galera muito doida que está pilhando, e eles acabam também se fixando na Inglaterra, então temos o quarto grupo de pessoas aqui misturando, certo? Aí depois os normandos, que já são uma galera que era ali da costa da França, que é misturada entre vikings e a galera que já morava lá, e outros muitos grupos de pessoas, também invadem a Inglaterra. Então só aqui a gente já tem no mínimo cinco etnias diferentes e descendências diferentes, então você não é puro nada, amigo. Ninguém é puro nada, a gente mistura tudo, sempre misturou tudo. E fora isso é o que a gente falou: existiam pessoas negras, existiam árabes, todas essas pessoas viajavam, elas faziam comércio. As pessoas dos reinos da Europa reconheciam o reino da Namíbia, por exemplo, reconheciam o reino da Etiópia, que eram reinos negros e muito poderosos. Então eles recebiam embaixadores, eles trocavam presentes, eles faziam comércio, que é outro mito, que na Idade Média não existia comércio entre as cidades e só os feudos ficavam fechados. Não, existia. A gente sabe disso por vestígios arqueológicos, a gente acha moeda, pote etc. em qualquer lugar. Mais do que isso: tem uma parada que é muito massa, que é quando a gente estuda especiarias. Eu acho especiarias geniais. Então tem em livros de receita, por exemplo, tem um livro de receita inglês, se chama A Forma do Curry, e, na verdade, curry era sinônimo de cozinha na época, então é tipo A Forma da Cozinha, e esse livro é de 1400 e pouco, então já bem final da Idade Média, início da Idade Moderna. E nesse livro tem várias misturas de tempero, e essas misturas de tempero envolvem cravo-da-índia, que é uma especiaria que a gente chama de cravo-da-índia, embora ela não seja da Índia, ela era de uma das ilhas lá daquelas… eu esqueci de qual ilha agora, eu peço perdão, mas alguma daquelas ilhas lá da Ásia, e o cravo-da-índia era produzido em uma única ilha. Então, se o cravo-da-índia era produzido em uma única ilha no sudeste asiático e esse cravo está viajando todo esse caminho e chegando à Europa, significa que tinha rota de comércio, e essa rota de comércio não deixou de existir em nenhum momento. Isso significa que as cidades eram interconectadas, então a gente tem que parar de ver a Idade Média como esse lugar onde todo mundo era sujo e vivia em cidades minúsculas e não se comunicava com ninguém.

[Trilha sonora]

Bia: A gente também tem que deixar de pensar a Idade Média como uma idade que não teve produção de conhecimento, pelo contrário. Se a gente pegar só alguns exemplos aqui, a gente tem uma das universidades mais antigas do mundo, que é a Universidade de Ez-Zitouna, na Tunísia, que é de 737, então a gente está falando de universidades criadas a partir do século oito.

Tupá: Uma das universidades mais antigas do mundo, eu tenho certeza, foi fundada por uma mulher. E essa questão do conhecimento, cara, o conhecimento médico também… se fala: “Ah, porque as pessoas eram torturadas, a medicina era terrível e ninguém entendia o que estava acontecendo com o corpo humano”. Não, gente, a medicina não era tão terrível assim. Eu não estou falando que era uma beleza, mas você tinha sim estudos médicos, você tinha sim estudos de anatomia, você tinha muito conhecimento que veio da Antiguidade e, realmente, na Europa, na Idade Média, não se propagou tanto, mas nos países árabes ele era muito estudado. A gente tem, especialmente se a gente pensa na Corte Sassânida, que era uma das cortes ali de 600, 700, eles vão acabar importando muitos filósofos desse Império Romano em ruínas e vão continuar os estudos aristotélicos, os estudos platônicos etc. Tudo isso vai continuar se desenvolvendo entre física, alquimia – alquimia no sentido mais de química do que de alquimia mística -, todas essas questões, matemática, enfim, tudo isso vai se desenvolver com muita profundidade no mundo árabe, e, na Europa, a gente também tem desenvolvimento de tipos diferentes de conhecimento. A gente tem novos tipos de arado, você tem uma revolução praticamente no campo, produção muito maior de comida. Tudo isso é tecnologia sendo desenvolvida.

Bia: Sim, e é sempre bom lembrar nesse campo da medicina, por ela vir assim e a gente ter essa base da Antiguidade, mas também ter muitos tratados e textos médicos vindos do Oriente, é curioso como isso depois, ao longo do tempo, mudou, porque foi se ter uma visão de que o Oriente é muito atrasado e que o Ocidente é que é desenvolvido, mas, na realidade, nesse período do medievo, a gente tem muitos tratados médicos vindos da parte oriental, de Bizâncio, que vão ajudar na medicina posteriormente da Europa mesmo, que aí, depois, com a Idade Moderna e tudo, a gente vai ter os estudos oficiais e permitidos de anatomia humana, que também tem muito isso, que nesse período até se faziam algumas coisas, mas também não era uma coisa permitida. Havia uma preservação maior do corpo. Então é bacana a gente ver esse diálogo das culturas, porque, se eu não me engano, provavelmente isso deve ter acontecido com a época vitoriana mesmo, e aí, nessa romantização, inverteu essa coisa, como se o Oriente nunca tivesse produzido conhecimento ou que fosse um conhecimento rudimentar e que, na verdade, tudo floresceu apenas na Europa, quando a gente sabe que não é nada disso.

Tupá: É, e nessa questão do Oriente é muito louco, é muito Era Vitoriana mesmo, é uma visão colonialista, é uma visão de que tudo que é bom está na Europa e nada que presta foi produzido fora da Europa, e isso é um absurdo quando a gente pensa na prática, quando a gente estuda História. No século 19, você tem todas essas visões eugenistas de que ser branco é ser melhor, ser branco é ser mais inteligente, inclusive essa é a base para esses absurdos de aliens que construíram as coisas. Eu odeio aliens que construíram as coisas, porque o que isso subentende? O que aconteceu com esses pesquisadores, entre aspas, europeus? Eles chegaram em outros lugares do mundo e falaram: “Olha, nesse período na Europa não existia isso; logo, essa tecnologia não existia nesse período; logo, aliens”, porque como que alguém que…

Bia: Exato, se não fomos nós que fizemos, ninguém pode ter feito.

Tupá: Você acha que alguém que não é branco consegue fazer alguma coisa? Absurdo isso aí. Então, quando a gente fala de Idade Média, a gente tem sim uma produção de conhecimento muito incrível e, mais do que isso, a gente tem uma produção de conhecimento por mulheres, e aí que entra uma questão muito interessante, que é a questão de como funcionavam as ordens religiosas e como funcionava a Igreja. Basicamente, quando você nascia rico – e agora a gente vai para a parte rica e gente fina da Idade Média -, você tinha efetivamente… em geral, o dinheiro da sua família ia ser herdado pelo homem mais velho, então era uma forma muito boa de garantir uma vida tranquila entrar para o sacerdócio, você entrar para a Igreja. Muitos homens vão entrar para a Igreja, então, justamente nessa ideia de poder… na Igreja, os relatos da Idade Média de freis e frades são incríveis, porque é a galera comendo muito, bebendo muito, afinal a Igreja sempre tinha dinheiro, e podendo se dedicar aos estudos, podendo se dedicar à leitura etc., e isso acontecia com as mulheres também. Então, durante a Idade Média, você tem muitas mulheres que vão, por livre e espontânea vontade, para os conventos, porque elas querem estudar, porque elas querem viver uma vida sem a chateação de ter um marido enchendo a paciência, e é basicamente isso, as ordens religiosas vão se constituir muito mais… elas acabam virando pequenas, quase cidades mesmo, que são geridas pelas pessoas das ordens religiosas. Inclusive na Inglaterra rolou uma parada muito interessante – talvez tenha rolado em outros lugares, é só por que eu estou mais fresca com as coisas da Inglaterra; gente, foi mal, é que eu ouço um podcast sobre a história da Inglaterra, e aí essas coisas ficam mais frescas na minha cabeça -, na Inglaterra teve um período inclusive que boa parte das Igrejas eram geridas por pessoas que eram laicas, entre aspas: elas eram da Igreja, mas elas não tinham a parada de ser castas e elas podiam fazer missa, elas podiam comungar. Era meio bagunçada essa coisa, não tinha essa rigidez que tem hoje em dia na Igreja. E a Igreja em si, além disso, a questão dos conventos é muito interessante, porque os conventos eram vistos como lugares de mulher, “A gente não precisa se preocupar muito”, então tinha um controle muito fraco em cima dos conventos, especialmente lá meio da Idade Média; mais para o final da Idade Média isso muda. Mas lá para o meio e tal tinha um controle muito fraco, meio que na base do “A gente não liga, porque é mulher”, quem liga? Só que os conventos, então, vão se tornar grandes bases de poder, tanto é que a gente tem vários documentos a menção, por exemplo, o rei foi falar com a abadessa de tal lugar para saber se ela permite isso ou aquilo. O que você tem, então? Você tem uma mulher que está comandando. O convento normalmente tem o domínio das áreas ao redor, então ela vai comandar o convento, ela comanda as áreas ao redor, ela comanda todas as pessoas que trabalham, todos os camponeses que trabalham ao redor daquele convento e produzem a comida e têm as trocas; além disso, ela vai ter um exército, afinal ela precisa se proteger e proteger aquela região e tal. Então são quase como minicidades mesmo e regiões gerenciadas por mulheres. E, além disso – minha parte favorita, aprendi isso com a minha professora de História Medieval, ela estudava conventos -, sabe a ideia das madres enclausuradas, que não podem sair do convento? Mas ninguém falou que ninguém podia entrar no convento, certo? Só falou que elas não podem sair.

Bia: Exatamente, tem vários exemplos.

Tupá: Ninguém falou que não podia entrar. Claro que hoje em dia é diferente, gente, a gente está falando de exemplos da Idade Média. Então alguns conventos eram conhecidos pelas festas que eles davam, porque… festas incríveis.

Bia: Vale até lembrar para o ouvinte que, se ele quiser saber um pouquinho das festas dos conventos, vale procurar o Decameron, do Giovanni Bocaccio, que foi um poeta de Florença, italiano, que justamente, nesse livro Decameron, ele conta diversos contos de peregrinos – como a gente está falando aqui -, que estavam em peregrinação religiosa e tal, e, no meio do caminho, cada peregrino vai contando seu conto, e um desses contos – que inclusive depois foi transformado também em filme pelo diretor italiano Pasolini, que é justamente o Decameron mesmo – mostra justamente isso, uma festa no convento. Os monges chegando até o convento, sendo recepcionados pela abadessa, pelas outras freiras e, no decorrer da história, você vê que um vai ali escondido no matinho, o outro vai ali junto no casalzinho para o claustro. Então é realmente isso, elas não podiam sair, mas eles entravam e a festa rolava solta. Então isso já quebra muito a nossa ideia de mulher medieval como muito controlada, como aquela mulher que vive presa, que não consegue respirar de forma nenhuma, que não consegue fazer nada do que ela quer, que é o que os filmes trazem muito para a gente, sempre aquela mulher muito oprimida e tal. Claro que tinha uma opressão muito maior do que a gente tem hoje, e ainda tem, mas você tinha esses momentos assim, que as freiras conseguiam dar uma escapada e conseguiam se divertir bastante ali nas suas festinhas.

Tupá: E nessa questão das mulheres tem algumas coisas. Uma delas que me irrita profundamente é: “Não, porque elas não conseguiam nem respirar direito, porque elas usavam espartilho”. Gente, não existiam espartilhos na Idade Média; espartilhos são coisas do século 19. A gente até tem os corpinhos, que são um ancestral do espartilho, que começam a ser usados a partir de 1600 e pouco, mas, antes disso, era basicamente o tecido. Mulheres com peitos grandes agora devem estar se perguntando o que acontece, porque todo mundo sabe que peitos – todo mundo não, todo mundo que tem peitos em geral sabe que peitos podem incomodar quando você vai correr, quando você vai andar etc. -, então tinha amarrações e os vestidos mesmo já sustentavam, porque o vestido era amarrado, você o amarrava na hora de vestir, não era com botão, então você apertava e segurava, dava aquela sustentação, mais de uma camadinha de tecido, enfim, tudo se resolvia. Mas por que as mulheres também eram esses seres que atacavam os homens? As mulheres na Idade Média não eram recatadas, ou pelo menos não se acreditava que elas fossem recatadas. Não é que as pessoas não fossem recatadas, mas, dentro do que se acreditava na Idade Média, a pessoa que tinha o desejo sexual maior e que não conseguia se controlar nesse sentido era a mulher, e não o homem. O homem não tinha um grande desejo sexual, quem tinha era a mulher, então os coitados dos homens eram atacados por mulheres terríveis, e isso a gente tem vários textos de como as mulheres – e isso parte muito desse pressuposto também de que as mulheres não eram seres pensantes, elas não poderiam governar, por exemplo. Um dos problemas de uma mulher governar é justamente esse, porque ela ia atrás de qualquer homem que aparecesse por aí, isso é um perigo, então você tem que controlá-la muito. Se você não controla muito, ela faz essas coisas. Então é totalmente o oposto do que a gente pensa que seria a Idade Média, o entendimento de mulher.

Bia: Não, totalmente, ainda mais quando a gente fala não só nesse caso específico das freiras, que tinha esse especificidade, mas também se a gente lembrar das fidalgas, das mulheres que tinham dinheiro, que tinham posses e tal, e aí a gente de novo fala um pouco de literatura, porque, cara, se se preocuparam em colocar isso em um conto ficcional, é porque alguma coisa estava acontecendo ali. Então a gente vai ter também o exemplo do Contos da Cantuária, do Chaucer, que é o mesmo estilo de história e de narrativa que o Bocaccio, em que ele tem um conto chamado Conto da Mulher de Bath, que é uma senhora fidalga, dona de posses, vende tecidos e tudo mais, e aí a gente tem a questão da vestimenta, que o autor se preocupa em detalhar a forma como ela anda vestida, que ela só anda vestida de vermelho, com sapato de couro, muito bem cuidada. Então você ali já vê o que ela tinha de posses, que era uma mulher rica, e, durante a história, você fica sabendo que ela teve cinco maridos. Cinco maridos na Idade Média, você deve estar bugando. E, sim, na história ela tem cinco maridos. O que acontece? Ela casou com um, conseguiu todas as riquezas dele, o cara morreu, beleza, sou viúva; pela lei de deus, eu preciso de um marido, necessito me casar para ficar bem. Casou com outro, e assim foi. Digamos, ela foi matando os maridos até casar com um muito mais jovem. Então você vê que o autor usa a própria literatura, usa a própria indicação que a Igreja dava de conduta para as mulheres, digamos, para burlar aquele sistema. Então, se a gente tem uma história ficcional dessas, alguma coisa parecida estava acontecendo ali.

Tupá: E mais do que isso, quando a gente pensa – voltando aos conventos etc. -, gente, se escreveram, em uma época em que as pessoas não se comunicavam por escrito… porque hoje em dia a gente escreve tudo, na Idade Média as pessoas não escreviam tudo, escrever não era muito importante. Até por isso as pessoas: “Ah, porque quase ninguém lia”, é, porque não era importante ler, gente, tinha várias outras coisas mais importantes. Não tinha tanto livro assim, livro era caríssimo, não era uma parada que todo mundo fazia. De qualquer forma, se escreveram, é porque acontecia muito. Então você tem, por exemplo, falando: “Coisas que as pessoas não deveriam fazer”, e aí falam: “As mulheres…” – acho que falam freiras especificamente nesse documento, que fala que duas freiras não devem praticar atos libidinosos uma com a outra utilizando-se de objetos em formato fálico para… então, gente, quer dizer, se tem uma parada que a gente encontra em tudo que é período da História é dildo, é piroca de algum material. Tem em todos os períodos da História.

Bia: É impressionante, todo período mesmo.

Tupá: E eu acho que, sei lá, quase toda escavação deve achar pelo menos uma piroca, é super comum. Sexo é importante, faz parte da sociedade. E a coisa do casamento, que as pessoas falam: “Ah, todo mundo casava”, que as mulheres eram obrigadas a casar e tal. Primeiro, realmente eram, especialmente as mulheres mais ricas; as mulheres mais pobres não muito, porque você é pobre, você não tem grandes posses para casar. E, depois, não tem padre o tempo todo em todos os lugares, então as pessoas de juntavam e aí, em algum momento, talvez casassem ou talvez separassem, rolava isso, rolavam essas coisas mais… digamos que o dia a dia é muito bagunçado do que a ficção. E, fora isso, eu ia falar: “Ah, a gente tem que pensar também nas mulheres ricas” – uma coisa que a gente também esquece é que a gente vê as freiras e as pessoas de ordens religiosas como pessoas muito… com pouco dinheiro, que renunciam às posses etc. Se alguém aí já estudou São Francisco de Assis, vai saber que ele fez um grande movimento para que as pessoas renunciassem às posses, porque as ordens religiosas eram muito ricas e viviam no luxo.

Bia: Exato.

Tupá: E, em geral, quem era… aquela abadessa que a gente falou que controla território, exército e tem um poder muito grande, com quem um rei, por exemplo, tem que negociar. Ela não é uma camponesa qualquer que virou abadessa; ela é com certeza a filha da nobreza. Por sinal, os conventos eram os lugares para onde as mulheres da nobreza iam, em parte as mulheres que não casavam, em parte as mulheres… por exemplo, digamos que você casou e o seu marido morreu quando você ainda tinha, sei lá, 25 anos. Às vezes você não quer casar de novo ou tem brigas dinásticas etc. e você para um convento, então os conventos eram basicamente cheios de mulheres muito ricas, e essas mulheres muito ricas, ao irem para o convento, não renunciavam aos bens materiais necessariamente. Claro que algumas sim, mas não necessariamente. Então os conventos também tinham muito luxo, muitos criados, elas iam cheias de babados e cheias com as roupas finíssimas de seda e tudo mais, e isso era muito criticado por alguns formadores da Igreja e tal. Até a Reforma Protestante tem a ver com isso, tem a ver com os luxos da Igreja, justamente porque todo mundo vivia no luxo na Igreja, nos conventos e nas coisas, e viviam produzindo textos. Você tem filósofas da Idade Média; você não só tem produção de conhecimento, como você tem produção de conhecimento feito por mulheres, então você tem tratados filosóficos de várias abadessas e madres e mulheres religiosas que vão trabalhar a filosofia, a medicina. Se eu não me engano, o primeiro tratado sobre orgasmo feminino e essas coisas também é da Idade Média e também foi feito por uma mulher – e em um convento, por sinal, uma madre.

Bia: Que tem a Hildegarda de Bingen, será que foi o da Hildegarda? Porque eu sei que ela tem escritos de herbologia, tem composições de música e tudo.

Tupá: E de ginecologia também, que é outra coisa que o pessoal fala: “Ah, porque na Idade Média ninguém entendia nada, eles achavam que os bebês nasciam de um jeito bizarro e tal”. Cara, vocês estão lendo textos de homens que nunca viram um bebê nascendo, por isso esses textos bizarros assim, porque pode ter certeza que as parteiras e as mulheres sabiam como os bebês nasciam, gente.

Bia: É bom a gente lembrar também da Christine de Pizan, que foi uma das mulheres que, na Idade Média, conseguiu viver da sua escrita. Ela foi uma escritora mesmo. O que acontece? A Christine era casada e tal, só que o marido dela faleceu e aí ela teve que cuidar de várias dívidas que ele terminou deixando. Ela sabia escrever nesse tempo, o que não era muito comum, o que ela foi fazer? Ela viu que a única forma que ela poderia manter a família dela, sustentar os seus filhos, era com a escrita dela, então ela realmente começou a trabalhar com a escrita e viveu a partir disso. Inclusive, a Christine… eu não sei se a gente pode dizer que foi a primeira treta, mas a gente pode dizer que foi uma das primeiras tretas literárias, pelo menos do período medieval, que ela protagonizou com outro autor, que é o Jean de Meung, que ele escreveu um poema chamado Roman de la Rose, que ele estava dizendo ali nesse romance… era como se fosse um tratado falando bem mal das mulheres. Então era um dos livros mais populares da França, inclusive, então a gente tem relatos de que teve uma disputa entre eles. Não lembro agora dizer se foi por carta ou alguma coisa desse tipo, mas inclusive é uma disputa conhecida, tem documentos históricos sobre isso. Então a gente pode dizer de novo que essa ideia de a mulher medieval que não pode fazer nada é falsa. Claro que a gente tem algumas questões de a pessoa ser de família rica, ou ter uma certa condição, ou ter alguma especificidade, mas isso também acontecia. Então aí a gente vê uma mulher que, no século 13, 14, está ali vivendo do seu sustento e ainda tendo as tretas literárias, como a gente tem até hoje.

Tupá: Eu acho que esse é um dos problemas. Quando a gente coloca a Idade Média como um período de mil anos e simplesmente ignora todas essas nuances, a gente perde todas essas histórias.

Bia: E é aquilo, sempre discutindo assuntos que bem ou mal a gente continua discutindo hoje, porque são homens falando de mulheres, de como elas devem se portar, e ela rebatendo: “Não, não é bem assim”, e falando de sexualidade feminina. Coisas que… acho que isso principalmente que a gente está falando, do sexo na Idade Média, é uma das coisas que eu mais vejo as pessoas espantadas, porque é como se o sexo não existisse nesse período.

Tupá: E nesse tópico, já que a gente vai falar um pouquinho mais de sexo na Idade Média, uma coisa que as pessoas confundem muito é o que é sodomia. Eu acho que é muito interessante isso. Por que as pessoas normalmente acham que sodomia é? A sodomia é um intercurso carnal homossexual, certo?

Bia: No pensamento geral, sim.

Tupá: Ou mais do que isso, ou melhor, sodomia, ainda mais especificamente, as pessoas acham que é o intercurso carnal – vou abaixar meu… falar de outro… é fazer coisas com a bunda, gente, é isso que as pessoas acham que é sodomia. Só que infelizmente não é exatamente isso. Na verdade, sodomia é muito mais do que isso. Então, por exemplo, você tem aqui um texto já do final da Idade Média, que é um médico, ele está escrevendo, ele fala assim… inclusive, existem muitos tipos de sodomia, de coito sodômico, que homens e mulheres se permitem, porque são muitos tipos de práticas, e ele fala assim: “Mas basicamente sodomia qualquer tipo de sexo que você faz que não resulta em gravidez”. Então não importa o tipo de sexo, se não está tendo gravidez envolvida, é sodomia, certo? Basicamente quase todo tipo de sexo é sodomia. E é muito louco, porque as pessoas costumam usar a Idade Média como exemplo dessa pureza: “Ah, porque na Idade Média as pessoas eram cristãs de verdade”, eu falo: “Cara, você já olhou os livros da Idade Média? Porque tem altas figurinhas da galera se pegando loucamente”. Eu recomendo para vocês um blog – eu recomendo tanto a arroba da moça quanto o blog – chamado Going Medieval, que é de uma – para quem entende, infelizmente é em inglês – pesquisadora em Idade Média e ela escreve sobre Idade Média. Inclusive, o artigo que ela escreve sobre sodomia é genial, tem várias imagens para todo mundo ver o que era entendido como sodomia. Inclusive, sei lá, você está pegando uma sereia, possivelmente sodomia. E, inclusive, como se diz, sexo solitário também é sodomia, gente.

Bia: Quer dizer, juntando nos mitos todo mundo iria para a fogueira.

Tupá: É, todo mundo vai para a fogueira, vai ser ótimo. E não é só dizer que coisas de homossexuais iam ser penalizadas de muito pior; não iam, gente. Depende muito do período e tal, e não necessariamente, até porque boa parte do tempo eles não estão muito preocupados com relação homossexual. Isso é uma preocupação do nosso tempo, não é uma preocupação da época. Então, por exemplo, digamos, aqui tem um livro: o padre falando qual é a penalidade para aqueles que pecam. Então, se uma mulher pratica vícios com outra mulher, ela deve fazer penitência por três anos. Praticar vício vocês podem entender como intercurso carnal, gente. E, se ela pratica vício solitário, ela deverá fazer a penitência pelo mesmo período de tempo. Ou seja, tanto faz você fazer sexo com pessoas do mesmo sexo ou você se masturbar, é tudo o mesmo tipo de penitência, tudo sodomia, você está errado, porque a Igreja assume que a ideia de sexo deveria ser para a procriação; se não está sendo para procriação, está errado. Só que, como a gente viu, na prática tudo é muito mais complicado e as pessoas, sim, transavam e faziam sexo de muitas outras formas. Existiam métodos contraceptivos já na nessa época. As pessoas faziam aborto, e mais do que isso: não só faziam aborto, como o aborto nem era entendido como crime. Por grande período de tempo, se você abortava até não sei quantas semanas, não era crime. Essa ideia de aborto como crime e como uma coisa que a Igreja condena também é uma ideia muito mais de agora. Na Idade Média, a condenação era diferente. Realmente, claro, em geral eles condenam se você abortasse muito tarde na gravidez ou se você matasse o bebê depois que nascesse, mas, se você abortasse bem no começo, não era considerado crime e é de boa, porque é isso aí, porque não era uma vida ainda. Então você tem todo esse tipo de discurso e de debate ideológico que está acontecendo na Idade Média. É muito mais complexo do que essas coisas. E, além disso, tem uma parada que é supergenial, que existiam uns broches – juntando peregrinos e sexualidade – que alguns peregrinos usavam que eram uns broches de vagina. Então as pessoas andavam, eram uns broches, tinha umas vaginazinhas com cajadinhos, eu vou mandar para você poder colocar as imagens, se você quiser, como link. É genial, são vaginas peregrinas, elas estão com cajadinhos, porque elas estão fazendo peregrinação e elas têm perninhas, e aí as pessoas usavam de broche. E tem umas outras, tem uma que é genial, que ela está sendo carregada por várias piroquinhas.

Bia: Esses eram uma forma de proteção, algum tipo de amuleto, algo assim?

Tupá: Então, a gente não tem muita certeza, porque esse é outro problema da Idade Média: a gente não sabe muito do que aconteceu na Idade Média. Pode ser que fosse pela piada, pode ser que ninguém achasse nada demais, enfim. Não tem uma teoria muito sólida do porquê.

Bia: Por falar em piada de Idade Média, inclusive, já que a gente já está indicando algumas coisinhas, eu queria indicar também para o pessoal um perfil no Instagram, na verdade, que é Medieval Reacts. Para quem gosta de memes e memes com Idade Média, é muito maravilhoso.

[Trilha sonora]

Leonardo: O interessante desses pontos que vocês já citaram da parte de não ser totalmente branco, essa parte do sexo e tudo, em geral, a gente percebe, vendo em livros ou filmes – filmes principalmente -, que parece que, quando você encontra isso na produção, é a exceção, é aquilo que é para chamar atenção, então sempre tem um filme medieval… por exemplo, a gente falou que a Europa ali, a Idade Média, não era totalmente branca, mas aí no filme você vai encontrar um negro, que aí normalmente vai ser muçulmano, e aí ele tem um porquê de estar ali, sabe? Aconteceu alguma coisa que ele está ali, então é aquele que chama a atenção ali, é a exceção. A parte de sexo também, se tiver alguém que é mais liberal com sexo, é porque aquela pessoa tem alguma coisa específica ali. Não se põe aquilo como padrão, é sempre a exceção em si, e a gente está vendo que não, que tudo isso aí não é assim, era comum ter mais misturas, tudo isso aí. E você vê que aí você consegue dar a cara para essa Idade Média popular – digo popular que o pessoal acha que seria assim – que é na ideia de todo mundo extremamente religioso, cristão, fervoroso, não tem invenção nenhuma, aquela coisa atrasada, sem intelecto e sem saúde, como se não tomasse banho, tem aquela ideia de morrer jovem, por causa da saúde precária, de não conhecer nada, não teve nenhuma invenção. Então é sempre bem menosprezando mesmo. Por essa imagem que se coloca, é natural que você imagine ser uma idade das trevas.

Bia: É, e tem muito essa coisa também por causa da peste bubônica, e aí essa coisa morrer jovem parece que foi uma coisa assoladora no mundo inteiro, e não, não é o mundo inteiro, é só aquele microespaço ali que teve esse problema e tudo mais, mas realmente a gente vê como se fosse uma época de escuridão total no mundo. E, inclusive, tem uma coisa que a gente vê muito em filme também… eu não sei vocês, mas eu acho que tem um pouquinho de culpa do filme do William Wallace, o Coração Valente, que é aquele lance da primeira noite, que seria: o casal se casa, o casal camponês, e aí o rei, o senhor feudal teria o direito à primeira noite com a noiva. Aí eu não sei se teria alguma outra lenda a respeito disso, mas a primeira vez que eu ouvi falar e que me disseram que, na verdade, seria uma lenda, foi no filme mesmo.

Tupá: Eu estou aqui tipo “Eu, eu, eu”, porque eu estudei isso no mestrado.

Bia: Diga.

Tupá: É porque essa questão da primeira noite da noiva, a grande verdade é que a gente não tem nenhum relato concreto de que isso tenha acontecido, então existe um debate entre historiadores se isso aconteceu ou se isso é uma lenda que foi criada naquele período, então ponto número um: não sabemos se isso acontecia de verdade. Ponto número dois: de onde vem a ideia disso? Isso vem de uma ideia muito – possivelmente – mais antiga e que está expressa em vários contos de fadas, histórias maravilhosas, contos maravilhosos… como assim contos de fadas disso? Falam, gente, é porque as versões que a gente ouviu são bem mais de boa, mas essas histórias sempre contaram esses lados mais terríveis da vida. A ideia toda vem de que a mulher possui algum tipo de poder muito grande antes de ela perder a virgindade. A própria virgindade é uma construção social, gente, não existe… sabe aquela coisa: “Mulher santa”, “Porque rompe o hímen”, isso não é exatamente verdade. Inclusive, o hímen volta, enfim, biologia. Mas, então, que a mulher mudaria de alguma forma a partir da primeira relação sexual, e aí a ideia da primeira noite é que, se ela tivesse a primeira relação sexual com alguém que tem mais ou menos o mesmo tipo de status que ela, a probabilidade de esse cara morrer é muito grande, porque mulher é um bicho muito perigoso, certo? E misterioso, e terrível. Então, quando o senhor feudal está tendo a primeira noite com a mulher, ele está basicamente, como ele tem um poder maior dentro da sociedade, quebrando-a, destruindo esse poder dela e, a partir de aí, ela é segura para outros homens. É muito surreal. E, quando a gente vê isso relatado em contos, a maior parte desses contos são do século 19, mas eles têm uma origem um pouco anterior; mas, quando você vê essa ideia relatada em contos, fala-se muito sobre… tem uns contos, cara, é sinistro: “Vai casar, mas todos os homens que chegaram perto dessa mulher até hoje morreram, então o que a gente faz, ó, grande sábio?”, essas coisas, jornada do herói clássica. Aí ele vai lá e aí ele: “Já sei”, o guia o ajuda, ele esquarteja a mulher, joga água benta e reza, e aí depois coloca os pedaços de volta e aí a reanima e pronto, agora é segura, saiu esse poder que ela tinha. Mas é muito sinistro.

Bia: Nossa, é bem pior. Nossa, essa eu não conhecia, é péssima.

Tupá: Colocando em perspectiva, está bem pior. O rei tinha direito à primeira noite? Até o rei nem faz tanto sentido, seria o senhor feudal. O senhor feudal tinha direito à primeira noite de uma mulher? Provavelmente não, provavelmente uma lenda, mas possivelmente vem dessa ideia desse grande perigo. Inclusive tem uns dos textos da Bíblia dos católicos – porque na Reforma Protestante eles tiraram esse texto -, que é o livro de Tobias, e no livro de Tobias tem mais ou menos essa ideia, que a Sara, que é a noiva do Tobias, é muito perigosa, os sete primeiros maridos dela morreram na noite de núpcias. Então isso vem de várias outras fontes, não é só na Idade Média que se tem esse grande perigo feminino da primeira noite.

Leonardo: Aí é um caso que eu tinha já ouvido falar há não muito tempo, mas eu achei tão surreal que, as vezes que eu ouvi, eu achava que era ou zoando ou exagerando. Não imaginava que era algo que realmente as pessoas pensavam que tinha tido, e aí depois, agora, encontrei também com essa dúvida: aparentemente não teve em si, não tinha essa coisa, mas para mim era uma coisa tão surreal, sabe? Vai casar e tem que passar primeiro para o rei, achei muito bizarro.

Tupá: E pensa um rei que não tem mais nada para fazer da vida, gente. O senhor feudal é um cara ocupado, ele não é um cara que tem todo o tempo todo mundo para…

Bia: Ficar controlando todos os camponeses.

Tupá: É, parece no filme que ele não tem nada para fazer, mas na realidade ele tem. Agora, outra coisa, essa coisa de morrer jovem, a média de idade era de 30 anos. Bom, primeiro que muita gente morria… a mortalidade infantil era muito grande mesmo, então realmente isso era um problema, mortalidade infantil enorme, muitas crianças morriam, mas, em geral, se você sobrevivia até os 25, você durava até uns 60 pelo menos. Era bem comum você viver até uns 60, 70, caso você tivesse passado essa fase crítica de durar até uns 25 anos. No caso das mulheres, o principal problema e o principal motivo de morte é parto. O parto natural, digamos, é mais seguro em grande parte dos casos, mas existe sim uma indicação de que… a Organização Mundial da Saúde hoje em dia indica para 20% dos casos, eu acho, enfim, então essa porcentagem de pessoas muitas vezes acabava morrendo mesmo de parto. Era um tipo de morte comum entre as mulheres. Homens acabavam morrendo muito mais de violência nas guerras, mas isso é outra coisa, quando eu descobri que as guerras funcionavam diferentemente. Porque no filme parece que as batalhas épicas duram para sempre.

Leonardo: A todo momento está tendo guerra.

Tupá: E as batalhas são enormes e tal. Aí você vai nos documentos e fala: “O grande exército de tal pessoa, que levou 200 cavaleiros”, aí você: “Quê? 200? É 200 mesmo, gente?”, “É, não, e aí o outro exército terrível, que tinha 250…”, e você fala: “Nossa, gente, tudo isso de gente? Mas no filme parecia ter 10 mil cabeças, gente, o que houve?”. O negócio todo é: quem são os cavaleiros mesmo? Quem são as pessoas que lutam? É uma elite, são poucas pessoas, essa é a função deles, é lutar. Eles treinam desde crianças para lutar e é essa pequena elite que luta de espada etc. Quando você tem um exército maior, em geral você tem o que eles chamam, que é o exército perene. O que ele é? Camponês armado do quê? Basicamente do que ele puder encontrar. Então as pessoas iam para a guerra armadas de ancinho, armadas de, sei lá, qualquer coisa que você encontrou. Em geral, o senhor da terra não tem como bancar armamento para todo mundo, espada é muito cara, pouquíssimas pessoas têm espadas, então é só aquele grupinho pequeno perto do rei, que é tipo uma tropa de elite, que vai estar bem armada e vai estar com armadura etc. E é essa galera que vai lutar contra a outra galera, que é mais ou menos o mesmo tipo de força. E as guerras, quando duravam muito, as grandes batalhas – as guerras duravam muito -, quando duravam muito, duravam duas horas, três horas. Nossa, uma batalha que durou muito tempo. Em geral, as batalhas aconteciam em campos de batalha. Existe um motivo para elas acontecerem em campos de batalha: você não sai simplesmente lutando no meio da cidade. Você marca com o outro exército um horário específico, combinado, aí você se encontra em um lugar específico e lá você luta, porque a batalha, como é uma… a guerra era muito ritualizada, ela tinha formas muito corretas de acontecer. E, além disso, ela é importante para que os nobres tenham o papel deles. Os nobres servem para lutar, então você tem que fazer guerras frequentes. Nesse sentido, eles viviam em bastante guerra mesmo. Mas você tinha que fazer guerras frequentes para justificar a existência dos seus nobres, para que eles lutassem. Não só justificar a existência; é bom lembrar que, como existiam guerras frequentes, pessoas sempre atacando o seu território, era importante você ter bons nobres lutando, porque eles iam te proteger e você podia continuar sendo um camponês sem ser morto por nada. Em geral, as pessoas da sua área não iam te matar aleatoriamente, porque, se você morre, você não está trabalhando no campo, você está produzindo menos e não é legal. Mas aí outra forma que eles tinham de manter essas habilidades de guerra e de cavaleiro em dia era, por exemplo, fazer justas, esses campeonatos de batalha, e aí tem um documento português que é muito interessante, que eles estão debatendo isso já depois que eles expulsaram os mouros, digamos, da península, e eles estão ali debatendo entre eles se eles vão naquele ano, se eles vão fazer uma guerra, ou seja, eles vão invadir ali por Gibraltar, se eles vão invadir o que hoje em dia é o Marrocos, ou se eles vão fazer uma feira e uma batalha entre eles, e as duas coisas são tão válidas, uma quanto a outra.

Leonardo: É interessante você ter falado isso da guerra, de eles fazerem a competição, tudo assim, que isso me lembrou também: povos antigos também tinham isso, de, quando não estavam guerreando, o guerreiro ali que não era… ele ficava…

Tupá: Tipo as Olimpíadas, não é?

Leonardo: Isso, é, eu estava tentando lembrar o nome. É isso que é interessante, quando a gente vê essa Idade Média que é criada, ela parece um buraco na linha cronológica. Você vê como era a Antiguidade, que vai indo, como era bem diferente o povo antigo de nós, óbvio, mas você vê de uma forma; aí de repente é uma coisa que para tudo, fica sem invenção, fica…

Tupá: E não tem nada a ver, não é?

Leonardo: É, que não teria nada a ver ali, aí ela fica sem invenções, o pessoal fica todo porco, não toma banho nem nada, para no período seguinte tudo voltar. E, no período seguinte, eles retomam os conhecimentos – e isso também eu sei que não é verdade – da Antiguidade, onde os gregos, romanos, tinham conhecimento, como se na Idade Média tudo isso tivesse se perdido totalmente. Então eles retomam, então você vê que fica um buraco. E não, conforme a gente vai vendo como realmente era, você vê que é uma progressão. Tem muita coisa ali que é bem parecida com o que era na Antiguidade e algumas coisas parecidas com a atualidade. A ideia, como estava falando no início, de ser muito perigoso de a pessoa perder o território, ser expulsa, isso na Antiguidade era muito… você pega mitos gregos, a questão de a pessoa perder a pátria dela era pior que a morte. Então fazer qualquer coisa que vai expulsar…

Tupá: O ostracismo, não é?

Leonardo: É, era bem pior. Então você vê que ainda continuou algo assim. Atualmente que a gente já não tem muito disso, de expulsar, pelo menos em boas partes do mundo, expulsou, foi para outros países, você vai viver em outro país, mas não chega a ser tão pesado quanto era antes, quanto era na Idade Média e quanto era na Antiguidade.

Tupá: Pensando na Antiguidade, a gente tem tantas continuidades da Antiguidade com a Idade Média que é impressionante. Quando você começa a ir mais a fundo mesmo na Idade Média, você percebe que a verdade é que não existiram rupturas tão bruscas assim. A grande ruptura que se usa, a queda de Bizâncio e tal, a queda do Império Romano, são, de novo, marcos teóricos que a gente criou como se fossem eventos que mudaram a vida, só que, sei lá, na Inglaterra, por exemplo, não fez nenhuma diferença esses eventos que aconteceram há milhares de quilômetros. Assim, fez alguma diferença em alguma medida, mas naquele ano não fez diferença, então, para as pessoas que moravam em outros lugares, a mudança da Idade Antiga para a Idade Média não é uma mudança tão grande assim. E, nesse sentido, até vem mais uma coisa que as pessoas falam sobre a Idade Média que faz pouquíssima lógica, que é a ideia de que as pessoas não tomavam banho. Por quê? Quando a gente pensa em Antiguidade, a gente pensa muito na ideia da medicina baseada nos humores, o balanço dos humores no corpo etc., e a ideia, que foi uma ideia muito forte na Idade Média, de que coisas que fedem, se uma coisa está fedendo muito, ela não é boa ou ela está doente. Se uma coisa não fede, boa, não está doente, certo? É uma coisa bem empírica, na verdade. Sei lá, carne que fede não se come. Se a carne está cheirando a podre, não a come; se a carne está com cheiro de boa, coma. Então por que a questão do banho é tão importante? As pessoas tomavam banho? Com certeza, e elas tomavam muito banho, porque uma parte muito grande das iluminuras é de pessoas tomando banho. Tem muito texto das pessoas tomando banho. Tem a questão dos sabonetes, que eram feitos, e você tem vários grandes sabonetes que são famosos até hoje etc. E, nesse sentido, também a Hildegarda tinha uma receita para um creme de limpeza de rosto. Então, cara, limpeza e banho eram fundamentais, escovar os dentes era fundamental. Tem até uma tirinha que rola na internet, que é tipo: “Ah, eu te amo, não sei o que”, as pessoas vão se beijar, aí uma vira para a outra e fala: “Ah, eu nunca escovei os dentes na vida”. Aí se fala: “Não faz sentido você ser da Idade Média, porque, se fosse da Idade Média, você teria escovado os dentes”. Seguindo a lógica de, se coisas que fedem não são saudáveis e ninguém quer ficar fedorento, as pessoas tomavam muito banho e escovavam muito os dentes.

Bia: E é curioso isso de você falar de escovar os dentes, porque, grosso modo, senso comum, a gente não escuta falar disso em nenhum momento, nem em filme, nada, não tem nenhum registro visual que mostre isso para as pessoas, então realmente passa muito batido. É capaz de alguém estar ouvindo e realmente estar explodindo a cabeça, porque realmente a gente não vê na cultura pop, não tem nada que diga isso.

Tupá: Inclusive, alguns historiadores dizem que – e a gente não está falando só da elite, a gente está falando da pessoa normal – é possível que as pessoas se lavassem pelo menos um tanto todos os dias em casa e pelo menos uma vez por semana você ia para a casa de banho comunal, porque era tipo ir para a piscina hoje em dia, sabe? Que todo mundo vai se divertir, vai para a piscina etc., todo mundo ia tomar banho, era um lugar legal. Na parte de escovar os dentes, a gente tem escovas de dentes que sobreviveram da Idade Média, mas, mais do que isso, a gente sabe que as pessoas mais pobres não poderiam comprar escovas de dentes, porque isso era um item de luxo muito caro, mas tem vários relatos do tipo de madeira que você mordia para fazer tipo um pincelzinho e com isso escovar os dentes, limpar os dentes, e também misturas de pasta de dente. Normalmente vai tipo: “Mói junto sal, cravo e mais não sei o que”, e o sal inclusive porque ele faz um atritozinho no dente, aí limpa. O cravo, embora fosse caro, para uma pessoa que tivesse um pouquinho mais de grana, era possível, porque você precisa de um pedacinho bem pequeno do cravo, você mói todo dia antes de escovar os dentes, escova os dentes e tem dentes bem legais. Claro que a gente não tinha dentista, tal, então, sei lá, cariou o seu dente, você vai perdê-lo. Mas as pessoas em geral eram muito limpas na Idade Média.

Leonardo: O cravo era indicado de nove entre dez?

Tupá: De nove entre dez bruxas da sua vila indicam, até porque bruxa não era necessariamente um termo pejorativo na Idade Média, em geral era só a mulher que entendia mais de ervas. E, além disso, a questão da limpeza, muitas gentes falam: “Mas as roupas não eram lavadas”. Aí que a gente tem conhecimento importante de moda para trazer para todo mundo: na média, na Idade Média, as pessoas usavam duas peças de roupa pelo menos: uma peça que vai mais perto do corpo, que era conhecida como chemise ou shift, enfim, eu estou dando o termo francês e o inglês, mas existiam termos em outras línguas também, que é como uma camisola, um camisão, normalmente branco, normalmente de linho. Por que linho? Porque linho era o tecido mais barato que tinha e é também um tecido muito resistente, então normalmente de linho, branco, claro, e mesmo as pessoas mais pobres costumavam ter pelo menos dois desses. Essa é a coisa que fica mais perto da sua pele. O que você não lava sempre? É o vestido de fora, a roupa de fora, mais ou menos como, hoje em dia – não sei as pessoas que estão ouvindo -, em geral a gente não lava casaco todo dia. Você usa um casaco, você não termina de usá-lo e lava, certo?

Bia: É, você guarda no armário e aí dez anos depois lembra dele e lava.

Tupá: Isso. E em geral, especialmente casaco grossão, de inverno, você usa durante todo o inverno e só depois você o lava; você não lava casaco várias vezes. E isso acontecia a mesma coisa com as roupas das pessoas, então as roupas de dentro eram lavadas muitas vezes quase que diariamente – lembra, as pessoas gostavam de ser muito limpas – e as roupas de fora não eram tão lavadas, e essa roupa de dentro, essa chemise está muito perto do seu corpo e o linho absorve a gordura do corpo, o suor, tudo isso é absorvido pelo linho, e aí depois você tira isso, lava, ele é normalmente feito desse linho bem forte e era sempre claro, porque você tinha as técnicas para lavar e deixá-lo o mais limpinho possível. A roupa de fora você também não lava tanto, porque tingir roupa é caro, e como não tinha fixadores tão bons, as tintas clareavam muito rapidamente, as roupas desbotavam com muita facilidade, e por isso também usar roupa preta era uma parada muito fina na Idade Média. Inclusive essa coisa de luto de preto é depois. Mas era muito fino você conseguir ter roupas pretas, porque roupa preta você lava uma vez e ela já está desbotada. Para você conseguir manter um guarda-roupas com roupas pretas, você precisava ter muito dinheiro e usava-se muitas vezes punhos de roupas e golas separadas – na Idade Média não tanto – para mostrar, que fossem muito brancas, como você não faz tanto trabalho, você consegue manter as suas roupinhas brancas. E as mulheres cobriam o cabelo. Tinha os motivos práticos e religiosos aí. Todas as mulheres basicamente usavam véu; não era bem visto uma mulher sair por aí de cabelo solto, era normalmente coisa de uma moça bem nova, que não casou ainda, meninas, crianças podiam andar de cabelo solto. Então tem essa questão muito da família, como isso era visto, mas também tem uma questão muito prática: se você está, por exemplo, trabalhando no campo, tem terra… qualquer pessoa aqui que já foi acampar e tem cabelo comprido percebeu que, se você só deixar seu cabelo solto em um lugar cheio de poeira, fica um pesadelo depois de algumas horas, e, se você, por exemplo, fizer uma trança e colocar um lenço em cima, o seu cabelo fica limpo muito mais tempo e você não vai lavar – especialmente se estiver frio – seu cabelo todo dia. E quem tem cabelo cacheado normalmente não lava mesmo todo dia. Então esses padrões de higiene, a gente olha e fala: “Meu deus, as pessoas eram muito nojentas, não lavavam roupa e tal”, mas, na verdade, elas lavavam uma parte da roupa, outra parte da roupa não lavavam, e isso não é tão diferente do que a gente faz. E a roupa de baixo – por isso que ela se chama roupa de baixo -, por exemplo, nessa época não se usava calcinha e sutiã. Calcinha é uma invenção… quase que as mulheres só vão passar a usar calcinha, uma coisa fechada, sei lá, 1920, tem bem pouco tempo, 1910, 1920 que começou. Então, nessa época, todo mundo usava essa camisolona – os homens também. Calça não era uma parada muito comum. Em geral, era mais comum ter calça para quem andava a cavalo, aí homens ou mulheres andam a cavalo, em geral se tinha uma calça; mas, se você não andava a cavalo, em geral você não andava tanto de calça, todo mundo andava de camisolão, o molde era basicamente o mesmo da roupa de todo mundo, e variava só… a roupa de baixo também, lavava a roupa de baixo e é isso aí, está todo mundo feliz.

Leonardo: Então também não tinha muita diferenciação de roupa feminina e masculina?

Tupá: Não, em geral era só o comprimento da roupa mesmo, nem tanto o corte. Quando a gente fala de Idade Média, a gente não tem essas roupas femininos tão acinturadas, isso é mais final da Idade Média, que as roupas femininas começam a ficar mais justinhas no corpo. Por um bom tempo, elas são um pouco mais folgadas. O que muda mesmo nas roupas é que a roupa masculina é um pouquinho mais curta, mas varia também; muda o tecido o quão rico você é, então quanto mais rico, mais tecido e tecido melhor você vai usar, mais cor, mais detalhe, mais bordado e seda, que era um tecido bem caro. Mais ou menos como hoje absolutamente todo mundo não, mas a grande maioria das mulheres usa – pensando em mulher -, sei lá, calcinha, sutiã, camiseta e calça jeans, só que aí uma mulher muito rica compra camiseta e calça jeans e a calcinha e sutiã de uma marca finíssima, com tecido finíssimo, e a galera compra na feira. A diferença social entre as pessoas mais ricas e as pessoas mais pobres era bem acentuada, embora não pareça hoje em dia, porque a gente olha para trás e fala: “Ah, mas o rico dormia nessa cama aqui, o pobre também”, aí você fala: “É, mais ou menos, só que…”, sei lá, o modelo do vestido é o mesmo, só que o dessa aqui está todo bordado. Para bordar esse negócio, demorou dias, ou seja, você teve que tirar pessoas de outros trabalhos por dias para fazer uma única roupa; essa outra roupa aqui é mais simples, não teve tanto bordado, por quê? A mulher que o fez – em geral, muitas vezes, as mulheres faziam as próprias roupas – não teve como tirar tantos dias só para costurar. E, além disso, uma coisa que eu vi esses dias, eu não lembro em qual artigo eu vi, mas falando que os camponeses da Idade Média trabalhavam menos do que a gente trabalha hoje em dia. Só para todo mundo que acha que os camponeses, os servos viviam sendo explorados e tal. Não estou falando que não eram, em alguma medida também, mas, como tinha muitos dias santos e outras coisas, o número de dias trabalhados na Idade Média era menos do que a gente trabalha hoje em dia.

Leonardo: Você vai ter que virar a noite, você vai ter que vir nesse feriado, não tem jeito. Não tinha isso?

Tupá: De jeito nenhum, imagina, feriado… vai trabalhar no feriado santo? Não pode.

Bia: Enforca o feriado, faz isso não.

Tupá: Faz mal trabalhar no feriado, não pode.

Bia: Deus não gosta.

[Trilha sonora]

Tupá: Cara, a Idade Média é muito fascinante. Eu gosto muito desse tema.

Bia: Não, mas é, cara. É muito apaixonante também, você começa a estudar esses pontos da Idade Média, parece que te joga em um vortex mesmo e não dá vontade de voltar, porque é muita quebra de paradigma do que a gente acha, do que a gente viu a vida inteira no cinema, de noções erradas que passam para a gente, e pensar que é tudo devido à Era Vitoriana mesmo, com essa romantização, com essa questão toda do Ocidente. Até depois com um período de revival ali do pessoal do Império Britânico e tal. Aí você vê o quanto a gente é influenciado por questões mega erradas, que só quando a gente vai realmente estudar é que a gente vê que estão equivocadas e tal. E, ainda assim, com todos esses estudos, o cinema continua fazendo e botando estereótipo e colocando coisas erradas na tela.

Leonardo: É isso que eu ia perguntar: de quem é a culpa? Quem que você pode apontar o dedo: “Oh, foi por causa disso aqui que…”, porque o cinema – apesar de a gente já estar estudando mais isso aí – continua fazendo isso, mas o cinema apenas reproduz. E eu acho que o cinema – cinema e qualquer mídia agora em geral – acaba sendo culpado por manter quem não conhece nada e nem vai muito atrás, não se aprofunda nisso aí, vai pegar o que está do entretenimento. Mas eu fico pensando de onde que iniciou essa imagem errada.

Tupá: Dos vitorianos, a culpa é deles. A gente pode culpar um pouco o pessoal da Idade Moderna também. Se você quiser dividir essa culpa aí, a gente pode culpar os dois. Eu acho que tem muito a ver justamente com essa construção da ideia de nação e especialmente do movimento do Romantismo – as pessoas acham que… a Bia vai saber explicar muito melhor isso. O Romantismo é tipo fazer cartas de amor, só que não.

Bia: Não, não, gente. Por favor, não.

Tupá: Então especialmente nesse período, quando você está construindo essas identidades de nação… não se enganem, isso é uma construção, você ser brasileiro, ser inglês, isso é uma construção cultural do período, que pode até ter bases genéticas, mas é uma construção cultural. Então eles precisam trazer esse passado glorioso e mítico, então é um mito fundacional, de certa forma, você trazer a Idade Média como essa Idade Média, sei lá, as lendas arturianas, e você vai resgatar, então, nesse período, muitas desses estereótipos e essa idealização mesmo da Idade Média. Então você tem a princípio um momento muito idealizado da Idade Média, dos cavaleiros e das princesas e não sei o quê. E aí depois, isso já no século 20, você vai ter muito essa também reviravolta de “Não, vamos mostrar o real, vamos mostrar que a Idade Média não era só essa boniteza, não era só que todo mundo é limpo e todo mundo vivia na corte com o rei e é tudo muito legal; vamos trazer a realidade”. Aí eles viram para o lado totalmente oposto de “Por que estereótipos?”, então o negócio é tentar balancear isso um pouco e falar: “Olha, nem tanto um lado nem tanto o outro”. Tinha problemas de higiene, com certeza, as pessoas morriam de peste bubônica, as pessoas tinham umas ideias muito loucas. Tem uma linha do Twitter que eu achei um tempo atrás – eu sigo muita gente, se vocês colocarem #medievaltwitter, para quem… infelizmente é mais inglês, mas tem muita coisa boa. E teve uma linha que outro dia eles debateram sobre o problema do canibalismo e, por exemplo, você já pensou o que acontece se você for comido por canibais? Como deus, quando for ressuscitar todas as pessoas no dia do julgamento, vai te ressuscitar, sendo que você foi comido por canibais? E pior: se você foi comido por canibais e esses canibais tivessem um filho? Porque acreditava-se, então, que a matéria era refeita, então esse bebê, na verdade, é você, de certa forma, porque, afinal, você foi comido pelos canibais e aí você foi transmutado em bebê. E aí isso era um problema. E aí tem várias pessoas debatendo sobre essa questão, de o que acontece quando você é canibal ou você é comido por canibais.

Bia: Gente, são umas questões muito loucas, cara. E é engraçado que, retomando isso que você estava falando do Romantismo, é curioso a gente ver mesmo essa construção de nação. Aí, no caso da Europa e da Inglaterra propriamente, que a gente conhece melhor, a gente vai ter a recuperação do passado celta grandioso e tudo mais, aí a gente vai voltar para as lendas arturianas, que também vão ser recuperadas, e toda uma elegia a esses heróis britânicos. Inclusive, na Era Vitoriana, a gente também vai ter uma elegia não só a esses heróis medievais e tudo, mas também um pouco mais para a Antiguidade, e aí a gente vai recuperar a imagem da rainha Boudicca, que foi uma grande rainha no período da Idade de Ferro. Então, para além disso, tem essa construção toda de Estado-nação, mas aí é curioso a gente ver, quando joga para o Brasil, que, nesse período, o nosso Romantismo, quando ele vai chegar aqui… a gente tem, por exemplo, na Literatura, o exemplo d’O Guarani, do José de Alencar. O nosso herói, a nossa tentativa de recuperação de um passado vai ser pautada no cavaleiro medieval, porque o Peri é totalmente um cavaleiro medieval, e é muito louco isso. Ele deveria ser pautado no nosso indígena que estava aqui antes da chegada dos portugueses e tal, só que não. Você olha as características do personagem, ele é totalmente um cavaleiro do romance de cavalaria, do amor cortês, que está lá cortejando a Ceci. Aí você olha assim: não faz sentido nenhum, gente. Por que vocês fizeram isso?

Tupá: Mas é exatamente essa invenção do Estado-nação. A gente está tentando criar o que nós somos. E eu brinco até que as pessoas falam: “Para que serve estudar História?”, obviamente para dominar o mundo, porque é isso, o que você ouviu e o que você aprendeu sobre História molda muito de quem você entende que você é hoje em dia e aonde você pertence hoje em dia. E por isso essas construções sobre a Idade Média também, essa idealização da Idade Média e depois esse contramovimento de falar dessa Idade Média suja, bagunçada, terrível. E não é nem um nem outro, é no meio do caminho.

Leonardo: E aí eu fico pensando também qual o problema que isso traria. Obviamente, claro, o simples fato de aquilo lá realmente não ser daquele jeito e estar ensinando, estar propagando, ao meu ver já é errado. Eu também, por gostar muito de História… se o bagulho não era assim, não tem por que ficar apertando essa tecla sempre. Mas eu fico também pensando quais os perigos que isso tem. Eu imagino que talvez até para outras épocas mais… que, querendo ou não, isso acaba se tornado um revisionismo histórico, você pegar aquela época e falar: “Não era assim, era de outro jeito e acabou”, e aumentar, exagerar. Talvez em outras épocas, em eventos mais recentes e mais tensos seja pior, que a gente passa por isso ultimamente, mas eu fico pensando referente à Idade Média também. Qual a problemática disso aí?

Bia: Acho problemático mesmo, e é meio que cíclico, não é? A gente vê nessas demarcações históricas, teóricas e tal, eu estava lembrando aqui, a gente vai ter depois também o Iluminismo, depois do Renascimento, tudo mais, e aí há mais ou menos uma certa negação, porque aí se diz que você chegou ao Século das Luzes, digamos assim. Você vai ter uma outra perspectiva e tal, então eu vejo parece que alguns marcos teóricos inconscientemente ou conscientemente talvez tenham um pouco isso de talvez negar um pouco do passado para tentar dizer: “Olha, nós somos melhores” e tal, em certa medida. Acho que só queria acrescentar isso mesmo.

Tupá: Eu concordo plenamente. E eu vejo muito… um dos perigos principais é quando a gente entende que esses mitos de outros períodos servem como fundação para o período que a gente vive, são mitos fundacionais da nossa sociedade. Entender a Idade Média de uma forma distorcida ajuda muito a justificar narrativas do hoje, então, quando a gente falou de sodomia, quando a gente falou de sexualidade, tudo isso entra em uma narrativa de que “Ah, mas sempre foi assim”.

Bia: Exato.

Tupá: “Não, mas a pureza do cristianismo era assim” ou “Ah, não, mas em outros períodos, quando as coisas eram certas, era assim”, “Ah, mas em outros períodos, a família era respeitada e era assim”, “Ah, agora é que estão tentando acabar com os costumes”. Cara, todos os textos de todas as épocas sempre tem alguém reclamando que estão tentando acabar com os costumes. Ou seja, a gente está sempre acabando com os costumes. Mas eu vejo nisso, eu vejo um problema sério dessa fetichização de um outro período e a utilização desse período como discurso político, porque é assim que acaba se utilizando a História. Você usa a História como discurso político para influenciar o presente, então, quando você vê a Idade Média com uma forma muito idealizada, ou muito terrível, ou muito maravilhosa, você está, na verdade, construindo um passado que você acha ser o melhor para você, que você acha que se encaixa melhor na sua narrativa de sociedade atual, e você se apoia nisso. E os historiadores estão aí para acabar com as ilusões, a gente está aí justamente para dizer que não é bem assim. Mas, ao mesmo tempo, historiadores são frutos do seu tempo e a gente acaba cometendo deslizes e interpretações, e a gente vai entender a Idade Média… a gente nunca vai entender a Idade Média exatamente como ela aconteceu. A gente sempre vai interpretar a Idade Média a partir da lente do nosso olhar de hoje, mas, ainda assim, é importante perceber que não é… quando um historiador fala: “Não, mas não foi assim que aconteceu na Idade Média” e alguém fala: “Não, mas isso é a sua interpretação”, não é exatamente a minha interpretação. Tem a minha interpretação, mas tem a metodologia, documento, esse tipo de coisa, então aí que eu vejo o perigo: a História sempre vai ser utilizada politicamente, todo mundo tem um lado politicamente, não existe isenção, mas quanto mais você idealiza e usa isso, mais fácil vai justificar o seu discurso, e aí eu vejo, sim, danos para a sociedade. Por isso, financiem historiadores.

Bia: Não, pois é, e eu acho que é importante frisar isso mesmo, porque é o que eu vejo acontecendo e é o que me incomoda, na realidade, que é justamente isso. A pessoa pode até dizer: “Ah, é sua interpretação” e tal, mas a gente tem visto… não sei se a gente pode afirmar que é só agora, eu acredito que não, na verdade, a gente vê bastante esse movimento de não se acreditar na ciência, se ignorar que tem uma metodologia, que tem um estudo feito para isso, que tem… ah, certas coisas são sua interpretação, tudo bem, mas com base em quê? Você tem certos parâmetros e eu vejo muitas pessoas não ligando para parâmetros. Aí a pessoa acredita em uma corrente de, sei lá, Whatsapp da vida, acredita em um vídeo de Terra plana, mas não acredita nos físicos, nos astrônomos. Eu fico “Gente, espera aí, o que está acontecendo?”, sério, de verdade, porque é aquilo, a gente pode ter a nossa opinião, ninguém está dizendo que a pessoa não pode ter a sua opinião. Agora, ter a sua opinião não quer dizer que ela esteja certa; eu posso ter a minha opinião e ela estar muito errada, ela não tem embasamento nenhum, mas eu quero acreditar naquilo. Pode acontecer, mas, poxa, há método, gente, há estudos, a gente tem campos de estudo. Não só Literatura, tem História, tem Geografia, tem Astronomia. Gente, não é – como o pessoal diz – tirar assim da nossa cabeça aleatoriamente. Há séculos de debruçamento sobre isso, sobre documentos e tudo mais.

Leonardo: É, e um parêntese aí também, você falou da Terra plana e isso também é outra coisa que, na época média, todo mundo achava que a Terra era plana, não tinha conhecimento e também…

Bia: Talvez a gente não tivesse estudos tão aprimorados, mas, realmente, você tinha estudos do céu, você tinha observações, você tinha outras análises. Claro que também tinha o pessoal que achava que a Terra era plana e que, se pegasse uma embarcação, alguma coisa, ia cair lá no fundo do horizonte, como existe hoje, mas enfim. Mas, sim, existia esses tipos de estudo.

Tupá: E boa parte das pessoas não estava preocupada se a Terra era plana ou não era. A maior parte das pessoas estava preocupada com outras coisas, tipo “Ah, deu praga na plantação, o que a gente vai comer semana que vem?”.

Bia: Acho que era mais importante, não é?

Tupá: Esse tipo de preocupação era mais comum. Um pouquinho mais.

Leonardo: Ou seja, ficava… se a Terra é plana é coisa de quem não tem o que fazer, não tem mais com o que se preocupar.

Tupá: Hoje, com certeza.

[Trilha sonora]

Leonardo: O interessante disso aí foi ver assim: essa questão em geral da Idade Média, eu já tinha noção que muitas dessas coisas não eram… tudo, mas eu não conhecia esses detalhes. Só que eu sempre ficava nessa ideia: “Então qual o mal que isso pode ter?”, quero saber dos problemas que isso daria, e essa última parte que vocês falaram foi interessante. Vocês, já com mais conhecimento mesmo do estudo de História, para ver realmente como a Tupá falou: na verdade, estudo para o campo político também, então você pode utilizar essas coisas. Então aí você vê esse problema, por isso que eu acho importante a gente estar realmente mostrando isso, como realmente era e como que as pessoas põem hoje e é totalmente errado.

Tupá: Eu acho que a gente pode pedir para os ouvintes repetirem o mantra “Tudo é político, tudo é político, tudo é político, tudo é político, todas as minhas ações na sociedade são políticas”.

Bia: Amém.

Tupá: Quem sabe assim as pessoas entendem um pouco mais que, cara, é político, e, no fim das contas, se a gente vai refinando, influencia a forma como os governos estão se posicionando, influencia a forma como, no seu dia a dia, as pessoas falam com você, porque essas crenças, esses mitos de fundação vão dando base para essas ideias muito tortas de que, sei lá… toda hora que eu lembro que mulheres na Idade Média eram as pessoas que eram mais ligadas no sexo e, hoje em dia, homens normalmente cumprem esse papel, eu acho muito sintomático de como tudo isso faz parte e influencia o nosso dia a dia. Acho que é por isso que eu acabo falando com tanta paixão e acabo falando tanto desse tema. Mas a Bia já está acostumada, eu posso falar para sempre, você me dá aí um tema e eu falo por horas sobre ele.

Leonardo: Ótimo, é ótimo isso.

Bia: Não, mas é isso mesmo, porque, além de ser tudo político, tudo é uma construção social mesmo, gente, por isso que a gente fala que as coisas são construções, as coisas são políticas. Não é à toa. Realmente todas as nossas ações são frutos do que a gente ouve, de como a gente é criado, dessas lendas, desses estereótipos não desfeitos, e aí, quando a gente desfaz, buga a cabeça de certas pessoas, elas não querem acreditar de jeito nenhum, porque ouviu isso a vida inteira, então é assim. Então infelizmente ou felizmente a gente tem que lidar com isso e com a dificuldade de cada um, porque é a mesma coisa: já cansei de conversar sobre Idade Média em casa com os meus pais, ainda mais no período em que eu estava estudando mais mesmo para o mestrado e tal, e você via que em certos momentos era surpresa o fato de você chegar e falar: “Olha aqui toda a besteira que a igreja católica fazia”, “Olha de onde vem toda aquela riqueza que vocês veem no Vaticano, aqui de onde vem, olha”. E, tipo assim, as pessoas se surpreendem ainda, sabe? Porque ainda é uma coisa muito sacralizada, porque, não… aí volta e meia eu lembro, minha avó falava muito, mia tia-avó também: “Ah, não, eu sou da Igreja Católica Apostólica Romana verdadeira”, aí você vê, você começa a estudar como essas coisas se formaram e você vê que não tem essa de “Ah, é a verdadeira, é a única, é a divina”, é tudo construção social, é tudo momento político. Teve um momento político lá que Constantino achou melhor: “Olha, está crescendo o número de cristãos, então vamos falar que o cristianismo é a religião do império e vamos lá”, não é nada neutro, não é nada sem pensar.

Leonardo: Bom, agradeço que vocês tenham participado. Não tinha como eu fazer esse episódio sem vocês, tanto que eu falei bem pouco e foi ótimo. É bom vocês falarem bastante, porque rendeu bastante. Então agradeço e, Bia, pode fazer o jabá, ficar à vontade.

Bia: Leo, desculpa qualquer coisa, a gente monopolizou o programa falando de Idade Média, mas é um tema apaixonante mesmo. Então, bom, para quem não me conhece, sou a Beatriz Santos, eu estou lá sempre no Ponto G e no HQ da Vida, então quem quiser pode nos procurar nas nossas redes. O Ponto G é @programa_pontog tanto no Twitter quanto no Instagram; e o HQ da Vida também está lá como Hqdavida em todas as redes, vocês podem achar fácil. E, quem quiser falar pessoalmente comigo, eu também estou mais no Twitter, o meu Facebook está abandonado lá às traças, está melhor assim. Então quem quiser conversar, falar de Idade Média, falar de outros assuntos, é só me encontrar pelo @beatriz_santos.

Leonardo: E você, Tupá, também agradeço ter participado. Pode fazer seu jabá.

Tupá: Então, se as pessoas estiverem interessadas em me ouvir falando por muito mais horas, elas podem me encontrar também no Ponto G. Além disso, eu faço parte do Mundo Freak Confidencial. Elas podem me encontrar falando bastante também de História lá no Dragões de Garagem e, eventualmente, no AntiCast. Ou seja, estou em milhares de podcasts na minha vida. Além disso, eu falo bastante de História e eu acabo retuitando bastante essas questões de historiadores da Idade Média, porque é um período que eu gosto muito, lá no meu Twitter, que é @tupaguerra, tudo junto, e eu recomendo… direto eu costumo… o que eu faço muito é traduzir tweets em inglês para o português, porque eu aprendi inglês muito tarde na minha vida e eu acho que fica mais acessível e mais pessoas podem acompanhar as coisas históricas legais que estão sendo debatidas pelo mundo. Acho que é isso.

Leonardo: Maravilha, vão estar todos os links no post. E, ouvinte, se você lembrar de mais alguma outra coisa, característica da Idade Média que realmente é errada, fica à vontade de acrescentar, de comentar. O site está aberto para isso. Até mais.

[Trilha sonora]

[01:47:58]

(FIM)

1 comentário em “Papo Lendário #200 – O Mito da Idade Média”

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