Vitrine do episódio 226 do Papo Lendário, mostrando a pintura em óleo de Lawrence Alma-Tadema, que mostra Safo e Alceu um sentado de frente para o outro, ela apoiada em uma pequena mesa, ele em uma cadeira com uma lira em mãos.

Papo Lendário #226 – A Poesia Mélica

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo entrevista a Professora Giuliana Ragusa (professora de Língua e Literatura Grega da Universidade de São Paulo), sobre a poesia mélica.

Conheça a poesia mélica (ou lirica), entenda o motivo desses nomes, e qual a relação com mitologia grega. Conversamos sobre quem foram os 9 poetas líricos mais famosos da Grécia Arcaica.

Esse Papo Lendário foi baseado nos diversos trabalhos da Professora Giuliana, principalmente o livro “Lira Grega” que você pode comprar por aqui

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— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo
Participante: Giuliana Ragusa

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Contatos do convidado:

Academia.edu
Vídeo sobre poesia mélica com a Profa. Ragusa
Lira Grega – Antologia de Poesia Arcaica
Hino a Afrodite e outros poemas

— Agradecimentos aos Apoiadores —

Alan Franco
Alexandre Iombriller Chagas
Aline Aparecida Matias
Ana Lúcia Merege Correia
Anderson Zaniratti
André Victor Dias dos Santos
Antunes Thiago
Bruno Gouvea Santos
Clecius Alexandre Duran
Domenica Mendes
Eder Cardoso Santana
Eduardo Oliveira
Everson
Everton Gouveia
Gabriele Tschá
Jeankamke
Jonathan Souza de Oliveira
Leila Pereira Minetto
Lindonil Rodrigues dos Reis
Marcia Regina M. Garcia
Mateus Seenem Tavares
Mayra
Patricia Ussyk
Paulo Peiker
Rafael Resca
Rafa Mello
Rosenilda A. Azevedo
Surya Namaskar
Talita Kelly Martinez
Willian Rochadel

— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvinte. No Papo Lendário de hoje, vamos focar na cultura grega, ir além só da mitologia, pois falaremos da poesia lírica. Quem já pesquisou um pouco de Grécia Antiga já deve ter ouvido esse, termo, mas hoje vamos explicar o que realmente é, quem são os poetas e também as relações com os mitos gregos. E, para isso, hoje eu estou com uma convidada, ela sim que entende do assunto, já tem obras publicadas sobre o tema: é a professora Giuliana. Professora, pode ficar à vontade para se apresentar para os ouvintes.

Giuliana: Boa noite a todos, então, que nos ouvem. Meu nome é Giuliana Ragusa, sou professora de língua e literatura grega, professora associada a nível docente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Estou aqui hoje para falar, então, da lírica. E agradeço muito o convite do Leonardo.

Leonardo: A gente que agradece, os ouvintes vão ficar felizes de a gente se aprofundar mais. E esse nome não é tão estranho, pelo menos quando você pesquisa a Grécia Antiga. Você até encontra, mas você tem outros nomes, mas é interessante a gente dizer, mostrar o que é em si essa poesia lírica.

Giuliana: A poesia lírica rigorosamente no sentido antigo do termo, que começa a circular na época da Biblioteca de Alexandria, digamos lá pelos 200 antes de Cristo, é a poesia que se define pura e simplesmente como a canção para performance ao som da lira em modo solo ou coral e, no caso da canção coral, com a dança e associação à lira de outros instrumentos. Essa poesia era nomeada por um tempo mais antigo, que é mélica. Mélica é uma palavra que os ouvintes, se curiosos buscarem nos dicionários, não vão encontrar, porque eu estou apenas dizendo em português a palavra grega. Mas embora mélica não existe, existe o substantivo; não exista na nossa língua, sobrevive na nossa língua o substantivo melos, que é um sinônimo de meliqué – melos, que significa canção. Sobrevive no nosso vocabulário ligado justamente à dimensão que na transmissão, Leonardo, se perdeu, que é essa dimensão da música. Então a palavra melos ficou: melodia, por exemplo. Ficou nesse nosso léxico. Então lírica rigorosamente é um nome que vai aparecer posteriormente ao que é o momento mais importante e representativo desse gênero poético que era, mais antigamente, nomeado como mélica ou simplesmente melos. A canção, não só é assim que ela é referida, como as próprias canções que nós temos, que hoje chegam para nós como textos, fazem autorreferência usando, sobretudo, esse termo melos. E é interessante, porque lírica, a gente percebe de onde vem esse termo. Deriva do substantivo lira, que é exatamente a palavra grega para o instrumento mais famoso do mundo antigo.

Leonardo: É um símbolo até.

Giuliana: Exato, um símbolo até, uma imagem muito forte do mundo antigo. E justamente quando nós estamos na Biblioteca de Alexandria, essa poesia vai se tornar texto, porque estamos falando de uma biblioteca, então estamos em um mundo de cultura escrita consolidada. Essa poesia se transforma em texto e aí, curiosamente, como que para deixar ali a memória do que foi essa poesia quando ela existiu de fato no período arcaico – que era o período de uma Grécia oral, da cultura da canção, que vai de 800 a 400 antes de Cristo; quando ela existiu nesse momento, essa poesia, como todos os outros gêneros, a épica, era canção, era poesia de performance -, então digamos que o novo nome aparece guardando a memória do que essa poesia foi, de como ela existiu de verdade no passado. Então lyrikós, que é a palavra grega que a gente incorporou, lírica vem de lira e marca essa associação fundamental com a lira, que faz desse gênero um gênero essencialmente de poesia de performance, de poesia performática.

Leonardo: Muitos a gente tem só alguns fragmentos, mas, por mais completa que a gente tenha algumas dessas poesias, sempre não vai ser realmente completa, porque não teria a parte musical, não é?

Giuliana: Exatamente. Você sabe, Leonardo, que uma expressão que tem circulado nos últimos poucos anos, digamos que 2018 para cá, é a expressão evento textual. Essa poesia era um evento textual, ou seja, combinava a dimensão do texto, no sentido da construção artística das palavras, estética, mas isso dentro de um todo maior que agrega ainda aquilo que faz parte do evento, de como ela circula, que é em performance, que é a canção, portanto o ritmo, a sonoridade de instrumentos e mesmo os movimentos de dança. Tudo isso, impossível de ser preservado pela escrita.

Leonardo: E você falou que seria um gênero, mas essa questão de ser gênero está mais voltada para como ela era em questão de ter a música, de ser performática, ou no tipo de conteúdo também está relacionado?

Giuliana: Tudo está relacionado. A sua pergunta é ótima, porque, de fato, quando nós pensamos em poesia antiga, e isso vale para a poesia grega antiga, para a poesia latina, a composição sempre vai articular o que nós chamamos a nossa santíssima trindade: metro, matéria e adequação. O que significa isso? Você tem que ter uma combinação harmônica de uma certa matéria, o tratamento dessa matéria, desse tema: a linguagem, o tom, a ironia, o humor, o tom solene, quer dizer, o tom tem que estar ajustado, ele tem que ser coerente, e o metro, que diz respeito ao ritmo, sobretudo em se tratando de poesia antiga, porque ele é quantitativo, ele não é pura acentuação, como na nossa poesia; ele é por duração, quantidade de tempo que você dispende pronunciando uma sílaba, então isso torna, Leonardo…

Leonardo: Isso torna ainda mais musical, não é?

Giuliana: Muito mais musical, exatamente. E, em adequação, a gente também entende a questão do modo de performance e do contexto de performance, então tudo tem que estar em articulação harmônica. Ou seja, se eu quero cantar, se eu sou um poeta e estou lá na Grécia Arcaica e quero cantar os grandes feitos dos grandes homens, dos heróis, um dos gêneros que é próprio para isso é a epopeia. A poesia épica tem uma tradição métrica, é o hexâmetro. Então eu necessariamente, para esse tema, terei que usar o hexâmetro. Tem também o modo de performance, que é o canto de um solista com o acompanhamento de um tipo específico de lira: a fórminx ou a cítara. E tem um registro de linguagem, a linguagem da epopeia é sempre solene. Então você tem um tratamento do tema que é sempre monumomentalizante, idealizante e solene. Então eu não posso fazer, isto que eu posso fazer na epopeia, em outros gêneros. Agora, se eu quiser, por exemplo, fazer algo parecido com o que nós entendemos por sátira, que é aquela crítica muito maldosa, ferina, que quer mesmo destruir o seu alvo, eu vou fazer poesia jâmbica. O jambo tem metros específicos. Ele é o único gênero que suporta essa temática, que aceita que essa temática seja trazida com uma linguagem bastante vulgar, bastante rebaixada e assim por diante. Então um poeta, na Grécia Arcaica, que é um mundo prevalentemente oral – o alfabeto entra na Grécia em cerca de 800 antes de Cristo e já está em circulação, mas, até que a escrita se consolide como o modo pelo qual a cultura é feita, vai demorar muitos séculos. Então é uma Grécia eminentemente oral, por isso que a gente fala de cultura da canção até os 400 antes de Cristo, por isso que falamos de poesia de performance, porque é como ela circula. Se não em livros ou papiros, é viva-voz. Então todos os gêneros não são rígidos e não são estagnados, mas você tem uma constância suficiente de práticas próprias a cada um que faz com que o poeta, a depender do que ele quer cantar, de como ele quer cantar e para quem e onde, ele tem que fazer a escolha de um conjunto que cumpre os seus objetivos, que vai dar conta dos seus objetivos, e que serão… como nós estamos no mundo da oralidade, nós estamos também no mundo da familiaridade: a audiência tem que reconhecer o que ela está ouvindo, então ele vai jogar sempre com a tradição. Assim, mais ou menos é desse modo que funciona. Então o poeta tem que pensar todos os elementos em articulação. Você veja que, nesse sentido, quando você está em uma cultura da escrita, você sempre trata como altamente problemática a relação entre, digamos, o poema e o mundo externo do poema. Ela é sempre uma relação que você tem que pensar de uma maneira muito mediada; poesia não é documento histórica, você não pode fazer relações diretas, não é documento biográfico, então você tem que cuidar muito dessa relação, digamos, do interno com o externo. Nesse mundo antigo, não, porque o externo determina as escolhas da própria composição. Então é uma outra maneira de pensar, inclusive, o próprio fazer poético.

Leonardo: Eu achei interessante essa do gênero envolver todas as características, porque a gente pensa em gênero… atualmente, a gente pensa em gênero de filme, coisa assim, mais a temática só, independentemente do formato ou até da mídia. Nesse aí, não. Nesse envolve tudo.

Giuliana: Exato. Lembrando daquelas aulas de literatura que consumamos ter no ginásio – eu vou falar ginásio, porque quando eu fiz era ginásio e colegial; não faz tanto tempo, mas era assim -, nós tínhamos muitas vezes aquelas listas: poesia parnasiana, e aí vinham aqueles elementos todos que, digamos assim, eram os elementos que me permitiam dizer: esse é um poema parnasiano, esse é um poema romântico, esse é um poema moderno. Na escola, tem que ter um caráter muito prático e simplificado, mas, ainda assim, não chega a ser o que era no mundo antigo, em que você vê que o discurso que eu vou fazer, seja ele épico, seja o da tragédia etc., é pensado como um todo que compreende não só a composição, mas a performance. É a performance que determina o modo como a composição é feita, e, nesse sentido, você veja que é uma poesia em que o poeta fica permanentemente em diálogo com a sua audiência.

Leonardo: Você vê a ideia de ser poesia: a gente está acostumado, atualmente, com uma ideia de poesia que nem você falou, que aprende no ginásio, mas, conforme eu fui pesquisando, vendo no livro, vendo os poetas em si, me veio muito aquela imagem do bardo – até do bardo medieval -, mas aquela ideia de ser um cara que está mostrando ali para a plateia e está cantando também. Não é só um texto puro e simplesmente ali. Ele tem essa performance.

Giuliana: Exato. Eu acho, Leonardo, que uma das aventuras de estudar uma cultura tão familiar a nós, mas também tão diferente, é que ela nos obriga, digamos assim, a tomar consciência de como as coisas funcionam no nosso mundo para poder entender como as coisas funcionam nessa outra cultura, e muitas vezes a gente tem que mudar como a cabeça funciona, porque, por exemplo, inclusive, se você está pensando em um mundo em que as tradições relativas a cada gênero pautam a composição, considerando a dimensão da performance, inclusive, você não vai pensar, nesse mundo, as ideias de criatividade, originalidade, como você pensa na cultura da escrita, que é muito centrada na novidade: o gênio, o indivíduo subjetivo. Você tem que mudar toda a forma de pensar mesmo essas categorias, porque se é poesia de tradição, o que são a genialidade e a criatividade do poeta? Onde está isso? No modo como ele seleciona, entre as práticas tradicionais, aquelas que ele vai utilizar, no modo como ele maneja essas práticas tradicionais e nas eventuais surpresas que ele promove ali na construção do tempo e também quebrando a expectativa da audiência, que vai perceber a brincadeira porque está familiarizada com a linguagem, com esse universo todo. Por exemplo, quem quer que tenha lido um pouquinho dos poemas homéricos deve se lembrar de um verso que se repete muito para o amanhecer e que fala da aurora dedirrósea, de róseos dedos, de dedos rosa. Eu gosto muito do dedirrósea. Essa repetição constante tem a ver justamente com poesia de tradição oral, em que o poeta constrói, muitas vezes, estruturas que ele vai repetindo e que o ajudam na composição, mas também ajudam a audiência, que vai ficando familiarizada com aquela linguagem. Mas você tem, por exemplo, em Safo, uma grande poeta dos anos de 630 a 580 antes de Cristo, que não é poeta épica, é poeta justamente da mélica, da lírica, de que nós estamos falando aqui, e que, em uma canção, vai falar na lua dedirrósea. Ela usa exatamente o mesmo adjetivo, rododáctilus, dáctilus é o dedo, rodos é a rosa. Ela usa exatamente esse adjetivo e, veja, claramente brincando com algo que está na tradição poética. Em vez de aurora dedirrósea, agora a lua.

Leonardo: Então ela traz algo familiar, mas, ao mesmo tempo, dá uma quebrada, dá uma mudada.

Giuliana: Exato. Então existe espaço para isso, e é nisso que os poetas também vão, digamos assim, mostrando a sua própria habilidade e exercendo o que nós – aí, nesse sentido – vamos chamar de originalidade, criatividade.

Leonardo: É bem interessante, é que nem você falou, a gente vê como é o nosso e compara com o de antigamente: você vê as diferenças em si, porque atualmente você copiar algo é errado, muitas vezes até ilegal.

Giuliana: Mesmo a repetição. Se você pensar na linguagem escrita, um dos grandes crimes da redação é a repetição, não é verdade? E esse mundo, o mundo da oralidade é o mundo da repetição. Ela é uma ferramenta fundamental de construção da poesia, quer dizer, da linguagem. É superimportante.

[Trilha sonora]

Leonardo: Uma coisa que me chamou atenção é que você colocou uma data referente à poesia. Eu sei que, quando a gente falar dos autores, eles obviamente vão ter uma data específica, mas a poesia lírica em si também estaria presa a uma data específica da Grécia Antiga?

Giuliana: O que acontece, Leonardo, é: quem são os grandes poetas do mundo antigo? A resposta a essa pergunta se embasa na recepção, porque quem avalia quem é o grande poeta não é ele, mas, digamos, são aqueles que vêm depois; é o tempo futuro sempre que vai decidir quem são os grandes poetas. Se nós pensarmos na mélica, como na epopeia, como na poesia didático-cosmogônica, didático-sapiencial, representada por Hesíodo, cujos dois poemas estão traduzidos, são razoavelmente conhecidos, na elegia, no jambo, em todos esses gêneros, Leonardo, os grandes poetas todos estão no período que fica entre 750 e 400 antes de Cristo, inclusive os da tragédia e da comédia. O mais jovem deles todos seria Aristófanes, que foi um comediógrafo, um autor de comédias do teatro grego. Ele morre por volta dos 380, então fica ali em torno dos 400. Nesse período, estão compreendidos a Era Arcaica, que é a primeira antiga da Grécia histórica, que vai de 800 até 480 antes de Cristo, que é a data do fim das guerras pérsicas, que os gregos derrotam os persas; e o período clássico, a primeira, digamos assim, parte do período clássico, que começa em 480 e termina com a morte de Alexandre, o Grande, em 323 antes de Cristo. Depois disso, não há, na recepção, poetas considerados representativos como foram esses poetas dos anos que compreendem essa faixa temporal, portanto de 750 a 400, e que nós chamamos os anos da cultura da canção. Ali estão os grandes poetas, que vão servir, inclusive, de modelo para as culturas que vêm depois. O que vai acontecer justamente, esse primeiro processo de consolidação dos melhores representantes na recepção e esse processo de transformação da poesia grega em poesia, digamos, modelo, referência importante para a produção cultural fora da Grécia é justamente na Biblioteca de Alexandria, que fica no Egito e que é fundada, veja, em 250 antes de Cristo. O último grande poeta mélico, que é Píndaro, morre em 446. Então nós estamos alguns séculos para frente, em uma cultura bastante diferente, em um Egito filo-helênico, em que o grego é língua oficial, em que o faraó manda fazer, erguer – na verdade, ele não manda construir uma biblioteca, mas sim um mouseion, que é um museu, é de onde vem a nossa palavra museu, a casa das musas, em que haverá uma sala na qual eruditos comissionados, pagos pelo faraó, serão encarregados de copiar, editar, organizar toda a grande poesia do passado. E o que é a grande poesia do passado, que será, portanto, de um lado, nesse mundo, editada, copiada, organizada, as edições dos textos estabelecidas definitivamente e, de outro lado, já vão ser os referenciais da produção poética-cultural neste momento? É essa poesia da cultura da canção, que é interessante, quer dizer, no fim, a grande poesia grega se fez em um período razoavelmente curto e ela se fez em um mundo, que era o mundo da cultura da canção, da mousiké, o mundo das musas – a palavra de onde vem a nossa palavra música – e no qual digamos que ainda não havia acontecido a separação entre poesia e música, essa separação que nos leva, hoje, Leonardo, muitas vezes a discutir se um grande compositor de canções, por exemplo, da MPB, é também um poeta.

Leonardo: E muitas vezes até eu vejo, porque, querendo ou não, por mais… a gente lê diversos livros e tudo mais, mas poesia atualmente é uma coisa muito mais à parte, são algumas pessoas que gostam e que vão atrás da poesia. Só que, por outro lado, música é algo que todo mundo escuta – e é poesia.

Giuliana: Exato, e elas compartilham dos mesmos elementos: sonoridade, refrão – a repetição que tem no refrão acho que é uma das coisas mais conhecidas. Aliás, eu brinco às vezes que às vezes a gente nem lembra da letra toda, mas do refrão dificilmente nos esquecemos. A repetição, a sonoridade, como a sonoridade está não só na música, mas nas próprias palavras, então a rima. Estas duas formas de linguagem que fazem com que seja muito mais fácil para qualquer um memorizar uma canção ou um poema do que um capítulo de um romance ou uma matéria de um jornal ou qualquer coisa que venha na linguagem da prosa, porque, no fundo, quer dizer, o que a Antropologia constata e os linguistas, e mesmo a observação mais básica vai constatar, é que você não precisa de letramento, você não precisa dominar a cultura da escrita para cantar e para poetar; você precisa para a prosa. Por quê? Porque a poesia e a canção são expressões naturais da nossa comunicação verbal. Digamos, elas têm muitas semelhanças entre si, mais ainda se nós pensarmos nesse mundo em que canção e poesia não estavam dissociadas.

Leonardo: Na época em que tinha, que foram produzidas as poesias que tinham as performances, que é a época oral, era quando estava realmente se produzindo. Depois, foi muito a parte do registro.

Giuliana: Exatamente, do estabelecimento, dos textos, da classificação, dos tipos dos textos. Por exemplo, existe a mélica, mas a mélica tem espécies de canções, então essa classificação, até com a invenção de termos para nomear as espécies, isso tudo vai vir por um trabalho, digamos assim, escolar. Escolar no sentido de um trabalho de pesquisa, um trabalho de organização, de classificação, de ordenação de uma poesia que, portanto, se transforma em texto somente e deixa de ser um evento. Veja o grau de maturidade que a cultura da escrita já tem nesse momento, se isso acontece ali nos 250, 200 antes de Cristo, como já amadureceu. Mas também como demorou, porque nós sabemos, pelas inscrições, inclusive, que o alfabeto grego está circulando em cerca de 800 antes de Cristo, mas até ele consolidar como o instrumento pelo qual você produz a reflexão, você produz a cultura, a expressão dessa reflexão, vai demorar muito tempo. Na verdade, a gente pode já ver isso muito consolidado ali mesmo no século quinto, porque nós temos já as obras, por exemplo, de Heródoto, Tucídites, os historiógrafos que estão escrevendo em prosa, mas, sobretudo, depois deles, depois de 400, quando você pensa nos filósofos, nos tratadistas, que já estão trabalhando a prosa, enfim. Mas, interessantemente, um dos filósofos da nossa tradição, Platão, ainda que use a escrita, toda a sua obra vem na forma de diálogo, que não é algo da escrita, Leonardo, mas é algo da linguagem verbal. Ele usa a escrita, mas ele desconfiava da escrita, porque a escrita congela as coisas. Ela não permite a mobilidade, ela não permite o dinamismo da palavra viva na arena do diálogo. Então você tem o uso da escrita, mas um uso desconfiado ali, por exemplo, por parte do Platão.

Leonardo: É, interessante e faz sentido, realmente, você escreveu, você fixou ali. É ótimo para nós…

Giuliana: Exato.

Leonardo: … estudarmos isso, analisarmos. A gente tem que escreveram ali, a quem fixou, mas realmente você trava.

Giuliana: Inclusive, na pós-graduação, nós temos essa história de defesa, não é verdade? Defesa de mestrado, defesa de doutorado, que a ideia é que você ali, tendo uma defesa do que você já escreveu e já entregou para ser lido, tenha a chance de explicar melhor alguma coisa, rever uma opinião, você tem a chance de articular melhor uma ideia.

Leonardo: Porque acaba sendo uma performance ali.

Giuliana: Exatamente, porque, uma vez que você escreve, acabou, aquilo fica ali. Você pode mudar de opinião, escrever sobre o mesmo tema, é claro que você pode também, mas aquilo que você escreveu antes nunca se apaga, estará sempre lá.

Leonardo: Em tempos de internet, mais ainda.

Giuliana: Nossa, nem diga. E tem algo também que talvez valha a pena ressaltar, até porque você comentou como a poesia hoje tem um alcance restrito, o que é uma grande pena, eu sempre gostei muito de poesia e já achava uma pena a perda da prática da leitura em voz alta e essa restrição da poesia, embora nós tenhamos, recentemente… enfim, tem aparecido poetas, a Ana Maria Marques, por exemplo, que eu acho maravilhosos na nossa literatura brasileira, mas essa restrição da poesia, mesmo a leitura silenciosa, sempre ressalto isso, traz perdas, porque, se poesia é sonoridade também e a repetição, inclusive, de sonoridade, você nunca deve ler poesia em voz baixa. Você deve pelo menos uma vez ler em voz alta, senão você não percebe todo o trabalho que está ali e todo o encanto da construção. Talvez seja interessante marcar a diferença da poesia naquele mundo da oralidade, em que justamente por ela ser tão facilmente memorizável e tão prática em termos da construção, ela vai ser, nessa Grécia da cultura da canção, um importantíssimo veículo de preservação e disseminação de conhecimento, fatos importantes na vida das comunidades, valores ético-morais importantes para a identidade das comunidades, de tal sorte que ela se configura como instrumento de ideia, de formação dos sujeitos no mundo antigo. Ela está no cerne da formação. Os poetas são figuras respeitadíssimas, são figuras de autoridade, porque, em um certo sentido, são aqueles que ajudam a preservar o que é importante para as comunidades, por isso que ela tem uma existência pragmática na vida dessas comunidades. Ela tem, independentemente dos gêneros e das particulares funções que eles possam ter, uma função que todos têm é esta, e, nesse sentido, a poesia antiga tem algo que a poesia moderna não tem, a literatura moderna não tem, que é uma função prática e uma existência prática na vida das comunidades. Por isso, inclusive, que mesmo no mundo da oralidade ela vai ser preservada, porque ela está o tempo todo passando da boca aos ouvidos; ela não só ajuda, ela permite a memorização, mas ela também, bem-feita, se torna memorável. Ela preserva e é preservada inclusive porque ela faz parte de quem eu sou, ela faz parte da minha formação, ela faz parte da minha história, então ela tem um papel, um peso, uma importância e uma concretude na vida das comunidades que jamais terá gênero nenhum de poesia moderna.

Leonardo: Isso que você falou é interessante, que até eu tinha visto no livro, algo que você pôs assim, e até eu marquei, porque essa ideia de firmar os valores e coisa do tipo, para mim trouxe muito a questão do mito. Isso eu achei muito legal, porque eu falei: “Nossa, então tem tudo a ver”. A gente, mais para frente, vai mostrar a questão da relação com os mitos, mas tem tudo a ver você encontrar referências míticas nessa poesia por causa disso, dessa afirmação dos valores da sociedade.

Giuliana: Um historiador inglês chamado Oswyn Murray disse com muita sabedoria uma vez que a diferença entre mito e história é que a história pretende ser o relato factual da realidade, da experiência humana, mas o mito é um instrumento de organização da experiência humana, de reflexão sobre a experiência humana, e não só, portanto, o mito não fala só da experiência humana vivida, mas da experiência humana que poderia ter sido vivida. Então nesse sentido é que o mito, inclusive, projeta este mundo que está muito antes de nós, que é o mundo de uma geração de homens excepcionais, embora ainda mortal e limitado. O mito é, portanto, um instrumento fundamental em sociedades orais, não só na grega. Você sabe bem disso. Ele cumpre um papel fundamental de instrumento que, pela narrativa, pela construção narrativa, organiza o mundo, e esta narrativa, no grego, vem em que tipo de discurso? Se nós estamos em uma sociedade pré-letrada, o mito é construído… claro que ele existe no imaginário, nos contares das pessoas, mas ele tem, na poesia, um instrumento poderoso de preservação, porque você aí conjuga a linguagem extremamente eficaz da poesia para a memorização desse mundo mítico, que é esse instrumento poderoso de estar no mundo, por meio do qual eu entendo como eu estou no mundo.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, é legal a gente falar dos poetas, mas antes disso eu até queria falar, então, da sua obra, Lira Grega, já que você aborda esses nove poetas.

Giuliana: Essa antologia, Lira Grega – Antologia de Poesia Arcaica, é fruto de uma trajetória que eu tenho, digamos assim, passado desde os anos 2000 a qual iniciei o mestrado, e desde então eu tenho me dedicado sobretudo aos estudos da mélica. Comecei por Safo, fui abrangendo os demais poetas. E, em 2004, Leonardo, eu passei a integrar o conjunto de docentes da Faculdade de Filosofia, na área de língua e literatura grega, e aí começa a atividade da sala de aula. Eu tinha muita vontade de… nós tínhamos algumas tradições. Essa área dos estudos da mélica, da lírica é uma área que estava, naquele momento, digamos, se abrindo um pouco mais, com mais pesquisadores interessados, então nós tínhamos esses poetas e traduções, mas algumas dispersas às vezes em revistas, que naquela época não estavam ainda digitalizadas. Então era muito difícil você ter uma revista publicada na cidade X ou Y, então você tinha que ficar juntando essas traduções para poder dar um curso de lírica grega, por exemplo, que é uma das disciplinas oferecidas para todos os alunos de Letras e de outras unidades da USP em tradução. A partir da experiência da sala de aula, algo que eu já queria fazer, porque eu sentia falta como pesquisadora, se tornou ainda mais importante para mim: disponibilizar para leitores interessados – e aí eu espero estar incluindo os meus alunos de ontem, de hoje e de amanhã, mas mais do que eles, qualquer leitor interessado – em conhecer o mundo grego, em conhecer poesia grega, estudiosos da poesia moderna, estudiosos de teoria da poesia. Quer dizer, almejando um público amplo, eu queria muito disponibilizar esses poetas em traduções o mais que possível bem-feitas, bem realizadas, satisfatoriamente realizadas, mas em um formato que, para mim, é o que faz sentido realmente para o meu trabalho, que é o de disponibilizar essas traduções acompanhadas de um comentário mínimo aos fragmentos – porque as canções, as composições chegaram para nós como fragmentos – que permitam uma compreensão mais interessante justamente dos elementos de contexto, dos referenciais míticos que aparecem muitas vezes. E você sabe: há mitos que estão mais no nosso imaginário, outros menos; que a gente conhece mais, que a gente conhece menos. Tem várias versões, às vezes; a gente conhece uma e não conhece outra. Por isso eu queria muito fazer esse tipo de trabalho no qual eu realmente acredito, eu acho que é alguma coisa que contribui ou é um modo de eu tentar contribuir para obras de divulgação de boa qualidade, consistentes. E aí com a apresentação também dos (gêneros) [00:35:22] dos poetas, porque também há poetas que conhecemos mais e há poetas que conhecemos menos. Então a primeira obra que eu fiz assim, Leonardo, foi a tradução da mélica de Safo, que nós tínhamos, até então, até 2003, a tradução do Joaquim Brasil Fontes, professor que já nos deixou, da Universidade Estadual de Campinas, da Unicamp, que fez um estudo sobre Safo e traduções que são traduções e elaborações. Então não são só traduções, mas são também elaborações poéticas em cima dessas traduções. E não tinha mais nenhuma obra completa. Eu fiz em 2011, publiquei uma primeira edição junto com a Hedra – e aí começou a parceria com a Hedra: Safo de Lesbos e no Afrodite: Outros Poemas, que tem esse formato do Lira Grega, Leonardo. Essa obra sobre Safo foi a primeira, mas eu já tinha no horizonte que eu queria fazer todos os mélicos, os nove mélicos. Saiu agora em segunda edição com mais fragmentos traduzidos, revisão, atualização, mais comentários e texto grego: ela saiu em formato bilíngue agora. Ela já está em pré-venda, deve ter um lançamento em breve. O pessoal interessado pode dar uma olhada no Instagram da Hedra, enfim. E aí sugeri essa outra Lira Grega, em que eu pegava justamente o que nós chamamos o cânone, no melhor sentido da palavra, no sentido apenas do grupo eleito como o dos melhores poetas do gênero.

Leonardo: Que não foi você que definiu esses aí, eles já são definidos como os noves poetas, não é?

Giuliana: Eles são os mélicos editados na Biblioteca de Alexandria, por quê? Porque, já para aqueles que estão na Biblioteca de Alexandria, eles já chegaram como os grandes poetas. Então foi a recepção que foi reconstruindo essa imagem desses poetas como os melhores do gênero. Em Alexandria, isso se consolida, porque será a obra de cada um deles que eles vão organizar e copiar e colocar ali nas suas prateleiras, nos rolos de papiro, os (biblia) [00:37:31]. Existe um gênero de poesia, ele tem um ar muito moderno, é uma poesia sempre muito ampla na temática, muito ligeira, que é o epigrama, e que vai celebrar esses mélicos como os melhores e estabelece nove mélicos, que é sempre um número interessante, porque são nove musas. Então tem alguns números…

Leonardo: Sim.

Giuliana: Exato. Não é à toa, Leonardo. São os nove mélicos ou, como eles diziam já em Alexandria, os enea (lirico) [00:38:02], nove grandes líricos, que eu prefiro chamar de mélicos para evitar a confusão com a lírica moderna, porque é esse o problema do termo lírica. O termo oficial deveria ser mélica, mas o termo mais usado acaba sendo lírica. O problema é que existe também um gênero de poesia moderna que é a lírica, e que está muito impregnado, Leonardo, da imagem romântica dessa poesia, como poesia dos sentimentos, confessional, biografista, que é um tipo de poesia que cria expectativas que absolutamente não têm razão de ser e não podem ser levadas para a poesia antiga. Essa nomenclatura que se mantém, que acaba se repetindo de um gênero de poesia antiga para um gênero de poesia moderna, é uma fonte de problemas e de confusões. Tem uma outra confusão, se você me permite: essa poesia lírica moderna é sempre pensada como a poesia do eu. Nos poemas, é uma voz sempre em primeira pessoa do singular. E aí, por economia, Leonardo, se usa o termo lírica no que nós dizemos o sentido moderno para denominar a mélica, que seria o único gênero que eu poderia chamar de lírica, porque é a canção para a lira, mas também a elegia e o jambo.

Leonardo: Ah, juntam.

Giuliana: Juntam tudo, por quê? Porque tanto na mélica quanto na elegia e no jambo, que também tem o seu grande momento na era arcaica, na cultura da canção, nós temos a prevalência – não é exclusivo – da voz em primeira pessoa do singular e isso é um problema, porque, quando você diz lírica e, de repente, você abre uma antologia, você abre um estudo e estão ali jambo, elegia e mélica, parece que a lírica antiga é um gênero que tem subgêneros: a elegia e o jambo, e não é assim. Esses gêneros foram todos, o tempo todo, tratados como independentes, autônomos, jamais confundidos. Então cria-se uma tremenda de uma confusão.

Leonardo: Nossa, quem está de fora vai se perder todo.

Giuliana: Vai se perder. Por isso que nós podemos dizer lírica, mas tem que lembrar que, quando a gente fala de lírica na Antiguidade, o único gênero que é a lírica de verdade é a canção para a lira, que era chamada de mélica. Por isso que no título eu não queria pôr lírica, mas mélica tem o problema da falta de familiaridade, por isso que eu pus Lira Grega.

Leonardo: Lira Grega, é, boa saída. E aí depois você põe poesia arcaica, então você já mostra a época e tudo. Boa.

Giuliana: Exato, já faz um recorte, localiza.

Leonardo: Sim.

Giuliana: Veja que a nomenclatura às vezes a gente fala: “Ah, mas é só uma questão de nome”. Não é, porque as palavras carregam as suas histórias também.

Leonardo: E desse livro aqui, agora também já falando aí para o ouvinte, eu acho que compensa bastante também, porque o ouvinte, querendo ou não, já gosta de mitologia, já acompanha o podcast, e muitas vezes pode não imaginar tanto de ir para a poesia ou coisa do tipo. Mas, se você vai estudar mitologia, principalmente a grega, você vai cair para essa parte poética, para essa parte já voltada para a linguística. Isso eu digo por experiência própria, porque é uma área que eu não conhecia nada, mas, por estudar mitos, eu fui aos poucos indo para isso, para a poesia, para o próprio estudo da linguagem, do porquê de usarem de tal forma e tudo, que ia além de só o mito, além da narrativa em si.

Giuliana: Porque nós não podemos recuperar o mito tal qual ele existiu no mundo grego antigo; ele tinha uma existência e ele era também um elemento que se articulava à poesia, porque a poesia era, inclusive, um potencializador do seu significado para a comunidade e da sua preservação, mas, como na oralidade isso se perdeu para nós, se nós queremos hoje conhecer qualquer mito grego, para onde nós temos que ir? Como você disse, Leonardo, para as fontes que os preservaram. Que fontes são essas? A poesia, que é a única linguagem que nós temos, o único tipo de discurso que nós temos até cerca de 450 antes de Cristo. A primeira obra em prosa é de Heródoto. Heródoto viveu entre 480 e 420, então a sua obra vem lá pelos 460, alguma coisa assim, em prosa. Então é poesia. E, se não for poesia, se nós não formos para as fontes, digamos, verbais, nós temos que ir para a iconografia, as imagens, que também são superimportantes e muito interessantes para quem se interessa pelos mitos. Também é preciso… no mais das vezes a gente acaba tendo que conciliar esses dois tipos de fontes, porque às vezes você tem elementos do mito que não sobreviveram no que nós temos de textos preservados, mas podem estar na iconografia. Por exemplo, o julgamento de Páris, que estaria na origem da Guerra de Tróia – a famosíssima Guerra de Tróia. Ora, não sobreviveu para nós uma epopeia chamada Cantos Cíprios, que contaria toda essa história, toda a história anterior da Guerra de Tróia ao que nós temos na Ilíada. Digamos que seria o antes daquele momento da Ilíada que é o momento do último ano da guerra, em que Aquiles e Agamemnon brigam. Nós temos uma discórdia entre eles. Não sobreviveu para nós esse poema, que era, segundo Aristóteles, inclusive, a terceira maior epopeia depois da Ilíada e da Odisseia.

Leonardo: Olha só, era para ser uma trilogia.

Giuliana: Era. O que nós temos? Muitas vezes o texto não sobra, Leonardo, mas nós temos testemunhos. Os antigos falam desses textos, então a gente sabe pelo menos o que haveria ali. Então, não sobrou? Onde está essa cena? Na iconografia. Vários vasos em que você vê o julgamento de Páris, a cena do julgamento de Páris. Então, no fundo, você acaba tendo que olhar para os dois tipos de fonte se você quiser ter a mais completa possível, que nunca vai ser completa, visão sobre um determinado mito.

Leonardo: Interessante isso, porque é uma das cenas mais famosas da mitologia grega.

Giuliana: Pois é, e a gente só tem na iconografia.

Leonardo: Tanto que eu vejo muita gente, quando vai pegar a Ilíada, se espantando de ver que é só um recorte, é só uma parte da guerra.

Giuliana: O que também é interessante, porque não é assim: “Era uma vez…” e aí vamos contar a história da guerra desde o começo. Quando a gente estuda na escola, uma das primeiras coisas que dizem sobre a epopeia é que é a narrativa que começa in media res, no meio da coisa, porque não é esse esquema do “Era uma vez…”, em que você vai contar tudo direitinho. Por quê? Você que é estudioso do mito sabe por quê. Porque o que o poeta faz é recortar um episódio que lhe interessa, realçar de um conjunto de narrativas, de uma memória, que é compartilhada por todos.

Leonardo: As pessoas ali já sabiam do que estava falando.

Giuliana: E a gente diz: “O prazer da experiência da arte nesse mundo da poesia não é o prazer da novidade, mas é o prazer da familiaridade”, que é um prazer que nós temos. A gente pensa muito na novidade, mas, vejam, o que a gente chama de clássico? Aquilo que a gente pode ouvir sempre, aquele filme que você pode ver dez vezes e ele ainda é capaz de te encantar. Esse prazer da familiaridade é o prazer nesse mundo, portanto, o que é interessante também… a gente falou de como a poesia está integrada na vida da comunidade, vejam, o poeta escolhe pressupondo sem nenhum problema que aquele episódio, aquele recorte, vai ser reconhecido por todos e que aquilo que ele não disser, ele não precisa dizer, porque é recomposto por todos. Então, nesse mundo, se ele está falando do que todo mundo conhece, ele pode começar a história já com o barco muito andado, muito avançado, e ele pode muitas vezes referir outras narrativas sem ficar detalhando, porque quem ouve, sabe. Ouviu a referência, já recompõe na sua cabeça toda a história. Eles são todos parte de uma memória compartilhada, eles estão todos integrados e identificados por essa memória.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, agora acho que a gente tem que fazer jus a esses nove poetas, pelo menos citar quem eles são, os superstars da época.

Giuliana: Sim, os grandes, os poetas top. Esses poetas são os seguintes: o mais antigo deles é Álcman, que está ativo em cerca de 620 antes de Cristo. Só para a gente deixar um referencial, os poemas homéricos, que, para quem gosta de mito, leitura incontornável, são de cerca de 750 antes de Cristo. Então o mais antigo poeta que a gente recupera da mélica – claro que eles têm predecessores, existe uma tradição antes deles – é Álcman, que está em Esparta e é muito interessante, porque ele está em uma Esparta, Leonardo, que ainda não é essa que nós temos na cabeça: militarista, avessa ao estrangeiro. Mas é uma esparta que tem a dimensão bélica muito forte, mas é também o centro mais cultural, mais interessante para quem está fazendo música e uma cidade muito atraída pelo estrangeiro. É um outro contexto. Ele é famoso sobretudo pela canção coral, a mélica coral, particularmente um tipo de mélica que se chama (parthenium) [00:48:16], que eram as canções para serem cantadas em festivais cívico-cultuais por coros de (partenoi) [00:48:25], que são as moças não casadas, mas já na puberdade, portanto não são mulheres adultas, mas também não são mais crianças. São elas que compõem o coro. Interessantemente, Leonardo, quando nós temos poetas corais – a gente falou da questão do evento -, o poeta coral não só compõe a canção, portanto a tessitura verbal, assim como o ritmo, a musicalidade, a construção musical, mas, como um coro é que vai cantar, ele também tem que preparar o coro. Veja, é sempre aquela coisa da ideia de articular tudo. E a palavra coro, no português, é a palavra grega, khoros, e o sentido básico… a gente pensa muito em voz, mas o sentido básico da palavra é dançar, a dança. Então ele, o poeta, o poeta da canção coral, a gente diz, não só é o poeta como ele é o corodidáscalo, ele é o mestre do coro – didáscalo tem a ver com didático, ele é o mestre do coro. Ele desenha a dança, ele é o coreógrafo. Então, veja, a palavra coreografia junta a grafia, o desenho, com khoros, que é a dança. Eu sempre lembro que tem muita escola de balé chamada Terpsícore, que é uma das nove musas e é a musa que é do prazer da dança: terpsis é o prazer e khoros, que está no nome dela, é a dança – Terpsícore. E esse é o mais antigo. E, veja, de um certo modo próximo, muito próximo dele, nós temos alguns poetas contemporâneos, datações muito próximas: Safo e Alceu – esses dois poetas na ilha de Lesbos, então a gente mudou, saiu de Esparta, foi lá para a ilha de Lesbos, atravessando o Mar Egeu, e eles viveram na mesma cidade, Mitilene, durante os anos de 630 a 580 antes de Cristo, e os dois são grandes representantes da mélica. Aliás, na iconografia, os pintores vão adorar representá-los um junto do outro. Nas imagens, eles carregam, cada um, uma lira. E aí nós temos, agora, olhando para o continente grego, se formos para o outro lado e atravessarmos o Mar Jônico, estaremos no que antigamente era conhecido como a Magna Grécia: a região do sul da Itália e da ilha da Sicília, que era toda de colônias gregas na Antiguidade. Dali vem um outro poeta, de 640, mais ou menos, a 560 – então você vê que é uma datação próxima, essa virada do século sete para o seis antes de Cristo -, que se chama Estesícoro, e é o único poeta cujo nome é certamente artístico, porque significa aquele que estabelece o coro – Estesícoro. Então o seu nome indica uma relação muito próxima do poeta com o coro que dança as suas canções.

Leonardo: Não se tem ideia de qual poderia ser o nome verdadeiro?

Giuliana: Até tem, mas digamos que aparece mais que um, porque aí…

Leonardo: Vários querem a fama.

Giuliana: … ninguém sabe direito, então fica tudo muito incerto. O nome pelo qual ele é famoso é Estesícoro. Ele não é, digamos assim, um poeta tão presente para nós – desses que eu estou falando, Safo é realmente a mais presente. Se você for para o sul da Itália, para a Sicília, você vai encontrar várias praças, bed and breakfast, aqueles hostels etc. chamados Estesícoro, por causa dessa sua origem. Temos ainda os dois ativos em cerca de 550 antes de Cristo, então agora meados do século seis, Íbico e Anacreonte. Íbico vem do sul da Itália, de Régio, e Anacreonte vem de Teos, na Jônia. A Jônia é a região de colônias gregas no que hoje em dia é o litoral da Turquia, do meio para o sul daquele litoral. Quando a gente diz Jônia, nós estamos falando de uma região de colônias, mas é uma região cultural: o dialeto, as tradições poéticas, as tradições métricas têm, todas, uma certa especificidade. Então Anacreonte vem dali. Esses dois poetas são interessantes, porque eles são, para nós, os dois primeiros poetas viajantes. O que quer dizer isso? Eles são chamados por família nobres, por governantes poderosos, para levarem as suas canções aos seus simpósios, às suas festas, à sua corte. Então eles vão transitar pelo mundo grego a convite, recebendo em troca presentes. É uma característica diferente, o modo como esses poetas estão presentes nesse momento. E, por fim, nós temos os três últimos: Simônides, Baquílides e Píndaro, que é o mais novo deles, que vivem, os três, na virada do século seis para o cinco. Os três nascem digamos que em torno de 530, 540, 520 antes de Cristo e os três vão morrer… Simônides é o mais velho, então vai morrer em torno de 460, mas Baquílides e Píndaro vão morrer em datação muito próxima, ali pelos 450 antes de Cristo. Já é o fim do período arcaico. A gente costuma dizer que esses são os poetas tardo-arcaicos, da Era Arcaica tardia, e esses três poetas são três poetas realmente viajantes. Eles vão circular por todo o mundo grego levando a sua poesia a convite e por comissão também. Nos anos de 550 entra em cena a moeda. A economia tradicional grega, que era do sistema de troca, passa a conviver com uma economia monetária e os poetas, em vez de só receberem presentes também começam a receber pagamento em dinheiro pela sua poesia. Então isso vai também ter um certo impacto nesse momento.

Leonardo: Desses aí, para o ouvinte, pelo nome, muitas vezes não dá para perceber quem é, mas só Safo que é mulher.

Giuliana: Exato. Ela é a única mulher da poesia arcaica – e isso a gente não pode nem afirmar, Leonardo. Dificilmente ela foi a única mulher do período arcaico.

Leonardo: É isso que eu ia perguntar.

Giuliana: Muito dificilmente, porque, inclusive, na sua poesia ela parece falar de poetas rivais mulheres. Eu estou usando poeta; eu não uso poetisa, que foi um termo muito marcado negativamente, então eu prefiro dizer poeta. Então tem a indicação de que realmente houve outras poetas – não sobreviveram. Mas, depois de Safo, no período clássico, no período helenístico, tem várias poetas.

Leonardo: É que como os nomes são bem diferentes, só indo pelo nome muitas vezes não dá para saber se a pessoa não conhece.

Giuliana: A maior parte não é exatamente familiar.

Leonardo: Para a pessoa meio que de fora, eu acho que a Safo e o Píndaro são os mais conhecidos, pelo menos o nome.

Giuliana: São os mais conhecidos. E aliás Píndaro é um poeta de quem eu sempre acabo falando um pouquinho mais quando nós estamos em época de jogos olímpicos. O gênero que fez a grande fama de Píndaro é o gênero do epinício, que é uma espécie de canção, uma espécie de mélica ou lírica, em que o poeta é encarregado de cantar celebrando, elogiando a vitória nos jogos atléticos, que começam em Olímpia, mas vão se espalhar por várias cidades do mundo grego, vai ser uma febre, os jogos, que eram uma das muitas competições que aconteciam aos festivais dedicados aos deuses, feitos pela comunidade e celebrados pelas comunidades. Aliás, esse nome dessa espécie mélica, epinicium, epinício, significa literalmente sobre a vitória, e você sabe qual é a palavra grega para vitória.

Leonardo: É, da deusa, que é Niké.

Giuliana: Exatamente, que uma certa marca esportiva soube aproveitar.

Leonardo: Que atualmente, quando eu vejo ali na mitologia, eu tenho que pensar duas vezes antes de falar Niké mesmo, e não falar Nike.

Giuliana: Exato, falar Niké. Exatamente. Que é a vitória. Veja como a gente falou de como a poesia tem uma função pragmática: uma espécie de canção é o epinicium, o epinício, que é a canção que celebra o vitorioso nos jogos, e essa celebração é um dos seus prêmios. Como hoje você tem o pódio, a medalha, na Antiguidade você tinha a coroa – pode ser de louros, de oliveira – para um grande vitorioso; um escultor podia ser chamado para fazer a sua estátua; e os poetas eram chamados para celebrar a sua vitória.

Leonardo: Bem interessante. A gente acabou citando aí a deusa Niké. Quem desses poetas mais puxa para conceitos míticos, para tratar de temas míticos?

Giuliana: Um dos poetas cuja perda nós mais lamentamos, quando falamos do mito e das fontes para os mitos gregos, é Estesícoro, esse que tem esse nome tão pouco familiar. Como é que o mito vai circular na poesia? A gente pode resumir isso em simplesmente duas formas: ou o mito é a única matéria da composição, como na Ilíada, na Odisseia, ou uma tragédia como Édipo Rei, Agamemnon. É só um mito, quer dizer, toda a narrativa traz o mito, o ator que está ali vive uma personagem do mito. Quer dizer, nós estamos absolutamente mergulhados ali no passado remoto. Essa é uma maneira de o mito circular na poesia, é uma maneira pela qual ele existe na poesia. A outra maneira nós mesmos falávamos, Leonardo, como o mito é um referente, como ele constrói referenciais modelares, e não estou falando aqui de modelo positivo. Isso é coisa moderna. Modelos de experiência humana, com tudo o que a experiência humana compreende: grandes desgraças, feitos terríveis: terrivelmente bons, terrivelmente maus, e grandes ruínas. Tudo que nós podemos vivenciar. Então eles são grandes referenciais das experiências que o homem pode viver, que o ser humano pode viver. Nesse sentido, a outra maneira pela qual os mitos vão circular muito na poesia e, depois, no gênero de prosa também é no sentido ilustrativo: os mitos como exemplo referencial de algo. Por exemplo, tem uma canção de Safo, que foi descoberta… uma das poucas canções descobertas recentemente, em 2004, que é conhecida como Canção sobre a Velhice, em que a persona poética, a voz poética diz que não pode mais dançar, porque os joelhos já não são ágeis, porque é a velhice – que é um dos elementos da chegada da velhice. E aí ela diz assim: “Mas que podemos fazer? Posso lamentar, mas que podemos fazer? Ao ser humano não é possível não envelhecer”. Isso é um fato da nossa natureza humana, da vida humana. E aí ela diz o seguinte: “Pois até Titono, que tinha por esposa uma deusa, também a ele a velhice agarrou”. Se eu, que estou aqui na geração dos homens comuns, envelheço, é porque isso é parte da condição humana, e tanto é assim que mesmo Titono, que é um jovem troiano belíssimo por quem a deusa Aurora se tomou de desejo e a quem ela raptou, levando para o Olimpo, não foi porque ele se casou com uma deusa que ele deixou de envelhecer. Por quê? Porque ele é humano. Então, se eu quero dizer que a velhice é um dado inevitável da nossa condição de seres humanos, eu posso provar isso. Eu posso dar uma história para você que comprova a verdade do que eu estou dizendo. E que história é essa? Uma história que fala de alguém que era maior, pertence à geração dos heróis e, mesmo assim, tem as mesmas limitações e viveu as mesmas experiências. Ele corrobora as minhas palavras, ele comprova o que eu estou dizendo. Ele se transforma em um exemplo que dá autoridade para aquilo que eu estou dizendo.

Leonardo: E, no caso, nessa poesia não descreve o mito em si dele, não é?

Giuliana: Ela fala rapidamente.

Leonardo: Ou seja, as pessoas ali que estariam ouvindo teriam que saber, saberiam. Tanto que é até bom mostrar agora aqui para o ouvinte, caso não conheça, o Titono foi um que ficou eu acho que até imortal, mas ele não ficou jovem. A Aurora não pediu para Zeus dar a juventude também para ele, então ele foi envelhecendo. É interessante isso aí: quem vai estar ouvindo a poesia dela vai ter que conhecer, e conheceriam nessa época, o contexto.

Giuliana: Por isso que eu estava dizendo, quando o mito aparece dessa maneira, às vezes é muito rápido, muito conciso, porque o poeta não precisa detalhar nada: bastam alguns elementos e a audiência recompõe tudo. Mas, às vezes, o poeta quer falar mais daquele mito, então você pode ter narrativas mais alongadas falando desses mitos dentro das canções. Nos epinícios, nós temos muita narrativa mítica, porque como é que eu elogio a vitória atlética e transformo o atleta em um ser excepcional? Eu aproximo o atleta dos heróis, e, quando eu falo dos heróis, eu trago para a canção o quê? O mito. Então veja que aí, quando ele vem a título de exemplo, ele pode ser trabalhado de uma forma muito concisa ou um pouco mais demorada. Vai variar. Agora, por que eu disse para você… se a gente olhar para os mélicos, então, nós vamos ter no epinício muita narrativa mítica, e as odes epinícias podem ter até 150, 200… são odes longas, são canções longas, versos. Nós temos muito mito referido a título de exemplo, como referente, como exemplo, em todos esses poetas. Há uma espécie de mélica, que é o ditirambo, que é só de narrativa mítica.

Leonardo: Ah, é focado nisso?

Giuliana: Isso, exatamente, e aí o principal poeta é Baquílides. E nós temos… Estesícoro é uma perda lamentável, porque nós quase não conhecíamos nada de Estesícoro até os anos de 1950. Acho que o maior fragmento dele até então tinha seis versos, Leonardo, para você ter uma ideia, mas o que fez Estesícoro? Que tipo de canção ele fez? Ele fez um tipo de canção bem específico: era mélica narrativa epicizante. Ou seja, todas as canções de Estesícoro são narrativas, todas as canções são míticas e apenas míticas, então é aquela história do mito é tudo ali, está completamente imerso no mito, e esse trabalho com o mito tem muito, lembra muito a poesia de Homero – aquela linguagem. Mas, na performance, é canção. Então aí tem os elementos característicos da mélica. Há um incrível volume de poesia que Estesícoro praticou, todas elas míticas. Vou te dar alguns títulos: Oresteia, que conta o retorno de Agamemnon e o seu assassinato por Climnestra, sua esposa, que depois vai ser vingado pelo filho, Orestes. Cérbero, que conta aquela aventura de Héracles, que desce ao Hades para resgatar o cão que guarda o palácio de Hades e Perséfone. Gerioneida é outra canção sobre a luta de Héracles contra Gerião, cujo gado ele quer roubar. É uma das suas aventuras. Nós temos a Helena, um poema centrado na figura de Helena. Nós temos o Saque de Tróia, um poema que conta o que acontece em Tróia depois que a guerra acaba com o cavalo de pau, o célebre cavalo de madeira. E por aí vai. Nós temos um monte de títulos, e esse poeta, as suas canções podiam chegar a 1400, 1500 versos; há alguns que acreditam que chegavam até a quatro mil versos.

Leonardo: Nossa, tem um quê meio épico ali.

Giuliana: Tem um quê épico. Se você pegar qualquer tragédia, você vai ver que a média de versos em uma tragédia é de 1400, 1500, 1600 versos. Então são canções muito longas somente míticas, mas que, infelizmente, nós temos os testemunhos sobre elas, os antigos falam delas… inclusive, eles chamam Estesícoro de um poeta homericotatos – o mais homérico dos poetas, porque ele tem essa poesia mítica. Mas o que sobrou do Estesícoro era muito pouco, era quase nada até 1950; de 1950 até 70 vai haver uma descoberta de vários rolos de papiro no Egito que trarão… muito que a gente não conhecia da poesia de Estesícoro vem dessa época dos papiros que foram encontrados nesse momento. O problema é que a gente até consegue ver pelo papiro que as canções tinham 1300… a Gerioneida tinha 1300 versos, a gente consegue ver pelo papiro, mas os textos dos papiros são muito precários e cheios de lacunas. Então digamos que a gente não conseguiu recuperar as canções, a gente tem trechos, a gente tem pedaços, mas seria incrível ter a obra preservada do Estesícoro. O que nós saberíamos a mais dos mitos não é pouca coisa. Para quem gosta dos mitos, para quem tem – e eu tenho também, eu adoro -, dói muito. Quando a gente abre as edições de Estesícoro, olha, dá uma angústia.

Leonardo: Entendo.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, ouvinte, hoje então a gente viu que, se você gosta de mitologia, vale a pena ir atrás da parte mais artística. Esses autores não vão se prender somente à mitologia, então também compensa para você conhecer mais da Grécia Antiga. Então espero que tenha gostado aí e agora também deixo a finalização para a nossa convidada. Pode dar suas indicações.

Giuliana: Então, enfim, agradeço muito de novo, foi uma conversa muito agradável, e eu deixo o convite aos ouvintes para conhecerem os poetas de que ficamos falando aqui, e poderão fazê-lo com a obra Lira Grega, que é uma obra feita com grande empenho, muita paixão, com a editora Hedra. Convido aqueles que se interessarem particularmente por Safo a conhecerem a segunda edição dessa minha… publicada pela Hedra também, que está em pré-venda, daqui a pouco tem lançamento, enfim, como eu disse, e vou deixar aqui uma novidade, Leonardo, que é uma antologia que eu fiz junto com um colega, Rafael Brunhara – professor na Federal do Rio Grande do Sul, foi nosso aluno aqui na USP, de graduação e de pós, um amigo muito querido, um colega, um professor dedicado, um pesquisador de mão cheia, e eu fiz junto com ele uma antologia de elegia arcaica. Esse outro gênero poético em que também o mito marca presença constantemente. Essa antologia deve sair muito proximamente pela editora Ateliê. Ela ainda não está propriamente em pré-venda, mas ela está para sair. Se quiserem acompanhar as novidades da minha produção, inclusive com indicações de vídeos disponíveis no Youtube, podem acessar a minha página na única rede social que eu tenho, que é o academia.edu. Ali toda a minha obra em acesso aberto está disponível e as indicações de palestras, de conversas, cafés literários, enfim, estão lá, e a novidade do lançamento da antologia de elegia vai sair por ali também.

Leonardo: É, a gente vai deixar o link, então, ouvinte, é só ir no post e acessar. Poxa, muito obrigado. Agradeço bastante, rendeu bastante. Estava empolgado para falar… que nem eu falei, é legal, a gente não saiu do mito, mas é legal ir além, estender. Mostra as outras partes da Grécia que também conversam com a mitologia, isso é bem legal.

Giuliana: E que formam o mundo em que o mito existiu como nunca mais na nossa história, não é?

Leonardo: Exatamente.

Giuliana: Então muito obrigada, Leonardo. Foi um grande prazer. Enfim, eu deixo os parabéns pelo seu trabalho também muito empenhado para os interessados nesse mundo.

[01:10:48]

(FIM)