Papo Lendário #223 – Fëanor

Papo Lendário #223 – Fëanor

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Nilda Alcarinquë, e Juliano Yamada conversam sobre o elfo Fëanor.

Conheça o elfo Feanor, o criador das Silmarils. Entenda como essas pedras foram criadas e todos os problemas que isso causou.

Ouça sobre o primeiro massacre entre elfos.

Veja o porquê Melkor é o Senhor das Fofocas.

— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada, Nilda Alcarinquë

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvinte. Em mais um episódio do Papo Lendário sobre a mitologia tolkeniana, eu estou aqui com o Yamada…

Juliano Yamada: Olá, vocês.

Leonardo: … e com a Nilda.

Nilda: Olá, olá.

Leonardo: A gente já falou sobre algumas obras, sobre algumas raças, sobre conceitos, mas acho que esse vai ser o primeiro episódio que faremos sobre um personagem específico da Terra Média. No caso, é sobre o elfo Fëanor. É um tema que a gente já tinha prometido, já tinham pedido e a gente estava enrolando aí para fazer. Então finalmente fizemos o episódio sobre o Fëanor.

Nilda: Querendo ou não, a gente já falou um pouco sobre ele tanto no nosso episódio 112, sobre a Canção de Eru, a gente já estava mencionando-o um pouco, e tem os episódios 126, que é O Despertar dos Elfos, e o Papo Lendário 162, que é sobre Beren e Lúthien. Acabou falando sobre a origem dos elfos, como eles se dividem e tal, e no Beren e Lúthien é uma das consequências da história do Fëanor. Apesar que tem consequência na história dele que aparece até no Senhor dos Anéis, coisas e consequências da vida dele, do que ele fez e da principal obra dele, que foram as Silmarils.

Juliano Yamada: Para se ter uma ideia, o Fëanor influenciou tanto que até pode-se dizer que a ideia da fabricação dos anéis surgiu indiretamente dele. Celebrimbor foi aprendiz dele. Ele foi quem fez os três grandes anéis dos elfos.

Leonardo: Vamos localizar, antes de entrar nos detalhes do Fëanor, onde e quando que ele se encontra, principalmente porque é um elfo, então o quando deve ser algo bem extenso. Na cronologia desse mundo, quando ele teria vivido?

Nilda: Ele nasceu antes do início da chamada Primeira Era e viveu um pouco no começo da chamada Primeira Era, sendo que, na contagem do tempo, a Primeira Era seria a primeira era após o surgimento do sol e da lua. Ele é mais velho que o sol e a lua também. Ele participou desse evento do surgimento do sol e da lua. Não participação direta dele, mas tem a ver com as guerras e com toda a vida dele. Aliás, é uma das coisas que foi difícil de fazer a pauta, porque boa parte da história do Fëanor se coloca com a história de todos os outros elfos, de todos os Valar e Maiar, que são os seres angelicais que tem – acabam se envolvendo nisso. Então, por exemplo, quando você pega a história dele para contar, no meio da história, você tem a história do Melkor, você tem a história de outros valar se entremeando ali junto, porque é um período muito longo e é um período em que ele estava ali. Mas, só começando, apresentando o Fëanor, ele era um príncipe dos Noldor. Os Noldor são uma das etnias élficas, é a etnia que normalmente tem o cabelo preto, e o nome Noldor quer dizer artífice, artesões. A maioria dos Noldors era artesã e artista de primeira linha, é uma coisa muito típica deles, que eles cultivavam muito. Ele era o filho mais velho e chamado filho mais amado de Finwë, que é o rei dos Noldor. Quando os elfos saíram do que é o que a gente chama da Terra Média e Beleriand, que também é um trecho da Terra Média que depois afundou, o Finwë é o que liderou os Noldor nessa caminhada e que chegou a Aman, que é a terra onde moram os Valar, esses seres angelicais. Lá esses elfos criaram, fundaram várias cidades, dependendo da etnia, ou até mesmo sendo da mesma etnia, mas porque faziam coisas diferentes, então eles fundaram várias cidades, e ele nasceu na cidade em que morava a maioria dos Noldor, que é a cidade de Tirion, que é uma cidade lá em Aman. Então ele é um dos primeiros e um dos principais elfos nascidos nessa terra dos Valar. E ele seria o herdeiro do Finwë, só que a gente não pode esquecer que os elfos não costumam morrer e lá nessa terra de Aman é que eles não teriam motivo para morrer, porque é uma terra de paz, tranquilidade, estão protegidos pelos Valar, então não deveria haver morte lá. Mas de qualquer jeito ele é um príncipe dessa coisa. E o nome dele, Fëanor – o original é Fëanor Curufinwë -, é hábil espírito de fogo. Ele era tão intenso, uma pessoa tão intensa, que pegou tanta energia, que a mãe dele, quando pariu, quando deu à luz a ele, deu toda a energia para ele nessa luz e o corpo dela praticamente morreu. O corpo dela parecia dormir, desfaleceu e entrou em um coma. O espírito dela foi parar nos salões de Mandos, que é onde o espírito dos elfos vai para se recuperar após uma morte, aí o pai dele foi criá-lo sozinho pelo menos por um bom tempo.

Leonardo: Você mostrou o nascimento dele, então, naquele episódio onde a gente fala da origem dos elfos, a gente fala que teve alguns ali que acordaram; ele não foi um desses, que você mostrou que teve o nascimento dele, mas sabe-se dizer em qual geração seria? Seria o segundo, terceiro, coisa assim?

Juliano Yamada: Se não me engano, ele é da primeira geração dos nascidos, não dos acordados.

Leonardo: Então o Finwë seria um dos que acordou e ele seria filho dele. Seria isso?

Juliano Yamada: É, o Finwë é um do que acordaram, pelo que eu lembro. Mas isso é bem comentado, não é uma certeza, porque o Tolkien nunca escreveu exatamente se o Finwë era da primeira geração dos acordados. Mas também nunca disse que não era.

Nilda: O Finwë, se não é da primeira, é da segunda geração. Se não é dos acordados, é da primeira geração, provavelmente. Para quem não sabe, antes dos Valar irem para essa terra chamada Aman, que é uma terra que eles criaram, é uma terra que inclusive é cercada, não toda, mas boa parte dela, por altas montanhas, os Valar moraram onde é a Terra Média, onde é chamado Beleriand também, e eles fizeram umas lanternas para iluminar o mundo e o Melkor foi lá e quebrou tudo. Aí eles criaram essa outra terra e ficaram de olho quando os elfos despertarem para poderem levar os elfos para essa terra protegida. O Fëanor nasceu depois. As lâmpadas foram quebradas acho que antes do despertar. A terra de Valinor era uma terra iluminada por duas árvores, uma árvore de flores douradas e uma árvore de flores prateadas, e dessas flores escorria ou um orvalho prateado ou uma luz dourada, que era armazenada. A Yavanna e a Varda armazenavam essa luz que escorria. Você vê, é uma coisa meio mágica: uma luz que escorre.

Leonardo: A gente mostrou que época que ele viveu, mas e para o leitor ali, onde encontra a informação dele?

Nilda: A história do Fëanor está publicada totalmente no Silmarillion. Silmariollion é um livro dividido em várias histórias, então começa com o Ainulindalë, que é a criação do mundo e do universo; o Valaquenta, que é a guerra dos Valar, que é essa história que a gente falou das lâmpadas que foram quebradas e tal, que é quando eles chegaram na Terra; aí depois começa o Silmarillion, que é a saga das Silmarils, que são essas histórias todas ligadas ao Fëanor. A gente já chega ao que são as Silmarils. Mas, antes disso, a gente precisa contar que o pai do Fëanor casou de novo com uma moça, com a Indis. Era uma elfa de outra etnia e ela teve dois filhos, o Fingolfin e o Finarfin. E esse casamento… não tem publicado isso no Silmarillion, mas quem lê as outras obras de Tolkien (inint) [00:08:52]. Fala que tem textos específicos falando sobre uma controvérsia, porque teoricamente os elfos não se separam, se divorciariam. Tecnicamente, a Míriel – que é a primeira esposa – não estava morta, ela estava em coma, mas aí ele quer casar com outra elfa, e casa e tem filhos. Então ele está divorciado ou não está divorciado? O que aconteceu com isso? Se ele é casado com duas elfas… parece que teve até reunião entre os Valar para decidir esse status, e foi quando se confirmou que o espírito dela estava nos salões de Mandos, então foi considerado como uma separação por causa da viuvez. Se tanto a Indis quanto o Finwë falecessem, seria casamento da Indis com o Finwë; não seria mais casado com a Míriel, que é a mãe do Fëanor. Então tem todo esse lance, porque o Tolkien era muito católico, então ele colocar uma coisa dessas… sabe? Ele coloca na obra que os elfos nunca morrem, que eles sempre ficam juntos. Aí de repente tem, nessa história especificamente, isso de um elfo que se casa novamente. O Fëanor passa a ter uma madrasta, que é a Indis, e dois meios-irmãos, que são o Fingolfin e o Finarfin. E ele não gosta da madrasta de jeito nenhum, eles não se dão bem, ele não gosta dos irmãos, sendo que, a partir de um certo momento, ele fica viajando por toda a Valinor, por todos os lugares e até vai morar junto com o mestre que o ensina a fazer todas as artes que sabe, principalmente a arte ligada à metalurgia ou à criação de pedras. Porque não era só metalurgia, era criação de pedras. Os elfos criavam pedras. O Tolkien chega a insinuar que os problemas do Fëanor se dão pelo fato de os pais terem se separado.

Leonardo: Garoto problema que cresceu em um lar desestruturado, sem o amor da mãe.

Nilda: E o pai dele parece que fazia todas as vontades dele por causa disso, então junta a fome com a vontade de comer, e ele sempre foi uma pessoa muito intensa.

Leonardo: O segundo casamento do pai dele era malvisto pelos elfos por não ser uma coisa comum? O pessoal o olhava meio de olho torto?

Nilda: Dizem que havia muitos sussurros. Depois, quando foi se percebendo que a família tinha brigas, que ele não gostava do meio-irmão, tinha sussurros de que o pai dele deveria ter sossegado o facho e não ter casado de novo. Teria sido melhor para todo mundo. Se seria ou não é só coisa que se sussurrava e se falava, mas isso já foi criando uma certa discórdia ali dentro.

Leonardo: As fofoquinhas élficas.

Nilda: Tem uma outra coisa que aconteceu nessa época. Os Valar, quando os elfos despertaram, foram e conseguiram aprisionar Melkor, o inimigo do mundo, e eles deram uma sentença para ele de ele ficar várias eras exilado, preso. Na época que o Fëanor estava crescendo, deu-se esse tempo. Aí ele foi, jurou perante todos os Valar que ele não ia ser mais malvado, que ele tinha se recuperado e tudo e eles o deixaram morando ali em Aman junto com todo mundo. E isso causou problema, porque ele foi vendo como estavam os elfos. Ele não gostava dos elfos de jeito nenhum. E aí ele percebeu como era o Fëanor. Ele viu que o Fëanor era esquentado e tudo mais. O Fëanor foi discípulo de um elfo chamado Mahtan e esse artesão élfico tinha aprendido as artes élficas diretamente com Aulë, o Valar que criou as montanhas e as pedras e que criou também os anões. O primeiro discípulo de quem foi discípulo do Aulë, e ele era muito habilidoso. Ele aprimorou a escrita e criou as letras élficas que a gente conhece hoje em dia, chamadas Tengwar. Ele não criou as letras, mas ele aprimorou. Ele não é só um ferreiro, ele fazia joias, ele fazia outras coisas.

Leonardo: Isso aí lembrou aquilo que a gente falou no episódio lá de deuses ferreiros, de que põe que é ferreiro, então você imagina só mexendo com metal, mas na verdade é um artífice, cria várias coisas diferentes. É bem aquela questão de ter uma habilidade manual de criação. Então esse aspecto é bem semelhante nisso. É um ferreiro, mas vai além disso, é um artista.

Nilda: Se você considerar que tempo é o que não faltava na vida deles…

Leonardo: Sim.

Nilda: … aí dá tempo de você fazer letras, de você fazer anéis, fazer o que for.

Leonardo: Fez várias faculdades.

Nilda: Fez várias faculdades. Aí, como ele já morava lá com Mathan, conheceu a filha dele, a Nerdanel e ele casou com ela e eles tiveram sete filhos. Mas é incomum para a maior parte dos elfos ter mais que três filhos. Você pega a maioria das genealogias… porque, o ato de ter um filho demanda você dar um tanto da sua energia para isso, porque é um ato de criação, e todo ato de criação dos elfos eles dão um tanto da sua energia, por isso que diz que a mãe do Fëanor deu tanta energia que ela entrou em coma, e o cara pegou, pelo jeito, toda essa energia, porque foi ter sete filhos.

Leonardo: Ele tinha muita energia para dar.

Nilda: Não, porque eu acho que os outros que têm mais filhos têm o quê? Três filhos. Pelo menos entre os elfos que são considerados príncipes, que seriam da nobreza élfica, eles não costumam ter muitos filhos.

[Trilha sonora]

Leonardo: Então aí a gente vai vendo que o Fëanor, não só por ser protagonista dessas narrativas referentes às Silmarils, ser importante nisso, mas ele por si só é um elfo de destaque no próprio jeito dele, na própria questão do nascimento, e aí, com isso, essa questão de ser de uma família onde o pai dele casou de novo e tudo, então vai diferenciando-o. Aí teve mais filhos do que o comum para os elfos. Então ele é um personagem de destaque, de ter uma certa diferença do padrão.

Nilda: Já nessa época, como o Melkor estava por lá, ele falava: “Não, eu sei que ele está aprendendo. Então, eu também sei um pouco dessas artes, eu ensinei um pouco disso para o Fëanor”, sem o Fëanor saber disso. Então ele meio que ficava falando que ele também estava ajudando a ensinar.

Leonardo: O Melkor ficava falando que estava também ensinando ao Fëanor?

Nilda: Ele sussurrou várias vezes que várias das coisas que o Fëanor aprendeu se deram porque ele ensinou. Só que os dois nunca foram amigos. O Fëanor nunca foi com a cara dele.

Leonardo: Olha, que cara invejoso do caramba. Ficava… olha só. Vê que o outro tem habilidade, fala: “Olha, fui eu”, e não fez nada. Olha só. Não é por nada que é o vilão.

Nilda: Porque o Melkor tinha algumas habilidades realmente como artífice e tal, então ele poderia dizer isso. E ele não falava isso diretamente para o Fëanor, mas sabe aquele que fica sussurrando, o cara que solta o boato no bar, aquela coisa assim? Ele ficava envenenando a cabeça das pessoas e ele percebeu a inimizade entre os irmãos. Ele ficava meio que sussurrando nos ouvidos dos amigos do Finarfin e do Fingolfin, sabe aquela coisa? Nunca diretamente, mas sempre estava ali soltando a palavra. É uma das formas que ele agiu. E, como ele não falava em voz alta, ele estava só nessa coisa, os Valar não estavam percebendo muito o que ele fez. Mas, voltando à história do Fëanor, depois que ele muito estudou e tudo mais, ele fez a obra-prima dele, uma coisa que ele falou que ele nunca poderia repetir, que seriam as três joias conhecidas como Silmarils. E o que ele fez? Ele pegou a luz das duas árvores de Valinor, a dourada e a prateada, e conseguiu fazer alguma técnica que ele transformou isso em três joias até razoavelmente grandes, três pedras razoavelmente grandes, três joias que emanavam a luz das duas árvores. Então estavam mesclados ali o dourado e o prateado das árvores e dizem que até refletiam outras luzes, justamente por estar isso lá mesclado. Dizem que eram pedras muito bonitas.

Leonardo: E ele criou para quê? Porque eu quero, porque vai ter alguma utilidade, porque não tinha mais o que fazer, já que elfo vive para caramba? Qual foi a intenção?

Juliano Yamada: No Contos Inacabados, não é explícito isso, mas dá a entender que ele cria as Silmarils pelo simples fato de que a Galadriel não lhe deu mechas do cabelo dela. Porque o cabelo da Galadriel… era dito que era um cabelo que refletia a luz das estrelas, que tinha um brilho completamente belo e que todos os elfos amavam aquela luz, e o Fëanor queria porque queria aquela mecha. Dá-se a entender, mas não é inteiramente confirmado; é ponto de discussão. Sem falar que está no Contos Inacabados. Contos Inacabados tem muitos escritos que são incompletos, que foram poucos adaptados pelo Tolkien, então não se sabe se estão ou não na cronologia correta.

Nilda: Sabe aquela coisa da mitologia que você tem versões e versões?

Leonardo: Eu adoro isso, é.

Nilda: É, você tem que escolher uma. O Tolkien escreveu e reescreveu tanto que a gente pode dizer que ele tem isso. Porque, independentemente disso, você transformar luz em pedras é uma obra que mesmo que não tivesse esse lance com a Galadriel, mesmo que não seja real, é um desafio para um criador, que tem tempo para criar, está ali tentando mostrar o seu trabalho, pode ter tido essa ideia e falou: “Vou tentar fazer isso”. E ele já tinha criado outras pedras; ele talvez quisesse criar as mais belas pedras que ele podia, então ele pegou a coisa mais bela que tinha em Valinor, que eram essas luzes, para fazer. Sempre falaram que ele era o melhor discípulo que tinha, o melhor artífice que tinha. Ele pensou nisso, em fazer, e é uma arte que ninguém sabe como ele fez.

Juliano Yamada: É interessante pensar na teoria de que ele fez as Silmarils por ter sido rejeitado pela Galadriel. Não rejeitado em si, mas a Galadriel não ter dado o presente que ele tinha pedido. É interessante, porque, quando você lê o Senhor dos Anéis e vê que o Gimli, que é um anão simples, pede isso para a Galadriel e a Galadriel entrega de bom grado esse presente, todo mundo em volta, principalmente o Légolas, quando veem aquilo, ficam extremamente estarrecidos. “Nossa, você ganhou um presente de reis”. E é engraçado ver isso. Apesar de que também é um conto – o próprio livro diz – inacabado, então é um conto sem muita lapidação, então vamos levar em consideração só o que tem no Silmaril. No Silmaril, ele não fez como inveja por não ter recebido algo da Galadriel; ele fez porque ele era bom e ele conseguia fazer aquilo. Ele tinha a matéria-prima, ele tinha o conhecimento, ele tinha o talento. Ele juntou tudo isso e fez as Silmarils, que eram joias que ninguém nunca mais ia conseguir fazer igual. O mais próximo, e até interessante dizer isso, uma pedra que pode ser uma pedra muito menor, mas que tem uma inspiração parecida, é a Pedra Arken, que é citada no Hobbit, tanto que em uma das primeiras versões, a Pedra Arken – Arken Stone – podia ser uma tradução em outra língua de Silmaril.

Nilda: À época que o Tolkien escreveu O Hobbit, ele não pensava que a história do Hobbit teria ligação com o universo do Silmarillion. Pode ter falado: “Ah, vou colocar um elemento aqui, mas essa história é uma história que não tem nada a ver”. Os Hobbits foram introduzidos na Terra Média bem depois mesmo.

Leonardo: Como a gente estava falando vários elementos, vamos voltar um pouquinho para situar também o ouvinte. Vocês citaram a Galadriel. Ela seria a única personagem, dos que a gente tem nas obras mais famosas do Senhor dos Anéis, que viveu nessa época ou tem algum outro?

Nilda: Uma história diz que o marido dela viveu lá e há uma versão da história que o marido dela não viveu lá. Ele é tão antigo quanto, mas ele não viveu. E eu acho que vivo na Terra Média, nas histórias que você tem do Senhor dos Anéis, nenhum que tenha morado lá em Valinor, em Aman, e depois tenha sobrevivido até essa época. Acho que só a Galadriel mesmo e talvez o marido dela, mas o marido não há certeza, porque há uma versão que ela já era casada quando ela saiu dessa terra de Aman e há uma versão de que não, que ela conheceu o… que inclusive eu acho que é a que está no Silmarillion, que ela conheceu o Celeborn depois.

Leonardo: E nem os magos, o Gandalf, o Saruman, esses aqui que também são bem antigos também não, não é?

Nilda: Ah, sim. Não, não, eles estava lá. Desculpa, eles estavam.

Leonardo: Eles estavam?

Nilda: Eles só não são mencionados.

Juliano Yamada: Eles estavam, só que eles tinham uma outra forma. Eles só eram Istaris, eles eram Maiar, eles eram espíritos menores, mas provavelmente não tinham nem corpos físicos.

Leonardo: Então talvez nem estivessem nessa divisão aí dos magos com cores, talvez.

Nilda: Não, não, essa divisão de magos vem muito depois. Quando eles vão para a Terra Média é que eles são chamados de magos e têm essa divisão. Antes disso, eram só espíritos morando lá em Aman.

Leonardo: Legal para a gente situar, porque eu imaginei que seriam esses dois aí, porque sempre quando cita, mostra a questão dos Maiar e a Galadriel. Sempre quando vai mostrar que é algo bem antigo, a Galadriel está lá.

Nilda: A Galadriel acho que é mais nova que o Fëanor, mas é da mesma época. A gente tem que pensar que você está falando em cinco, seis, sete mil anos, toda a história da Galadriel.

Leonardo: Bom, e aí a gente, então, volta para a cronologia do Fëanor e as Silmarils. Antes de começar ali na produção das Silmarils, tem alguma outra obra dele que também fica marcante? Eu sei que as Silmarils são as mais, mas… porque ele era um artista, então chega a citar outras obras de renome dele?

Nilda: Tirando-se as letras Tengwar, não. Não menciona. Menciona que ele fez pedras, fez anéis, fez joias, mas nenhuma com nome específico.

Leonardo: Então o que marca mesmo são as letras, por ter a questão da utilidade em si e tudo, e as Silmarils, que são o principal mesmo. Como você falou, é a obra-prima dele.

Nilda: Pode ter mais alguma coisa dessas em outros escritos do Tolkien não publicados aqui no Brasil ainda? Pode. Não vou dizer que não, porque pode ter alguma coisa que não foi publicada no Brasil, mas nas obras publicadas aqui no Brasil, conhecidas mais como cânone, no Silmarillion não tem.

Juliano Yamada: Em um dos livros da History of Middle Earth tem um capítulo para o Fëanor que dá uma pincelada maior, mas eu nunca consegui lê-lo por completo. Eu já peguei algumas traduções, mas acho que as traduções não eram tão boas, e realmente é um capítulo mais pesado. Acho que está no último livro. Provavelmente vão ser lançados no Brasil esses livros, aparentemente acho que até 2024 vão estar publicados, mas eu não sei exatamente se vão ou não agora.

Nilda: Ouvinte, esse é o tipo de obra para quem é estudioso mesmo, porque são coisas recortadas, coisas que têm anotações do tipo: “Olha, tem, mas o meu pai tem a outra versão” e tal. Quem se interessa por esse tipo de estudo, é ótimo, mas não é uma coisa tão mais fechadinha como o Silmarillion ou o Senhor dos Anéis são.

Juliano Yamada: Se você acha o Contos Inacabados difícil, e ele acabou de ser publicado, ele foi publicado acho que há pouco tempo, o History of Middle Earth é muito mais complicado. Ele chega a ser acho que cinco níveis acima, porque ele vai, volta, ele rebusca, ele tem comentários, ele tem versões do mesmo conto, isso e aquilo. Acho que você pode ter uma pincelada de como ele é se alguém já leu A Queda de Gondolin. E olha que A Queda de Gondolin é uma leitura tranquila até. Ele é mais ou menos naquele estilo, ele tem várias versões, isso e aquilo, a história vem, volta, vai e tudo, tem comentário. Mas, se você gosta, você quer se aprofundar, é uma boa. Mas, se você quer ficar só naquela cronologia, nossa, que legal, isso e aquilo, vai até Silmarillion e de lá vai pincelando aqui e ali dos outros livros. Mas tem que ter paciência. Eu realmente… tem vezes que eu paro de ler, fico meses sem ler.

Nilda: Mas a gente estava falando das Silmarils, elas têm uma outra característica, porque Varda, que é a rainha dos Valar, a rainha de Aman, pegou as joias, que eram tão lindas, e consagrou essas joias. Essas joias são consagradas a ela, porque são joias de luz e a luz é o elemento dela, e ninguém que fosse considerado maligno, ninguém que estivesse com impureza, que tivesse cometido maldades, conseguia tocar essa joia sem se queimar. Não conseguia tocar, não conseguia colocar em um bolso ou coisa assim sem se queimar. E, se vocês se lembram do episódio lá de Beren e Lúthien, o Beren pega a pedra, o cão Carcharoth engole e ele sai disparado de dor, porque ele é um ser considerado maligno e ele não deveria estar tocando aquela pedra, e aquela pedra está dentro dele. Aquela pedra o deixa maluco, porque ele está queimando por dentro. Esse é o efeito da Silmaril. O Morgoth teve que colocar em uma coroa de ferro para que não tocasse diretamente o corpo dele – mais adiante ele pega essas pedras. Mas ela tem todo esse poder de mostrar se você é bom ou mau.

Juliano Yamada: Eu acredito que essa coroa de ferro… porque é descrito que ela é muito pesada por causa do peso das Silmarils. Ela lembra a descrição de como o Frodo descrevia o quão pesado era o anel. E isso provavelmente diminuiu muito a força do Melkor. Provavelmente isso acabou facilitando a derrota dele. Isso é mais a opinião minha, mas dá a entender que aconteceu isso, que ele já estava enfraquecido e por isso que ele acabou sendo pego tão de surpresa. Tão de surpresa não, porque os Valar vieram com tanta força que mudaram o formato do mundo.

Leonardo: Realmente, quando você foi falando essa coisa de ter sido algo consagrado e queimava quem era do mal, foi me passando um pouco a ideia de ser contrário ao Um Anel. Outra que o Um Anel tem muito aquela questão de corromper, mas é muito aquela coisa, é uma joia criada já com um quê maligno. As Silmarils vêm com uma ideia meio contrária; é uma joia também, mas, por ela ter sido consagrada, ela passa essa ideia de ser algo de pureza.

Nilda: Faz todo o sentido. Do mesmo jeito que o Frodo enfraquece junto a algo maligno, o Melkor, que é a maldade em corpo e espírito, enfraquecer estando perto de algo que simboliza a bondade e a beleza e o amor.

Leonardo: É legal pensar que o Fëanor é um elfo e está do lado do bem, não é nenhum que fica do mal nem nada, não vai junto com o Melkor nem nada, mas ele tem todas essas problemáticas dele, e ainda assim ele cria algo que acaba sendo consagrado para o bem. Então, por mais que ele seja orgulhoso, tenha todos esses problemas em si, ele estaria longe de ser alguém que iria para o lado do mal.

Nilda: Por isso o Fëanor é interessante, porque se você, por exemplo, pega O Senhor dos Anéis, você tem muitos elfos bonzinhos, os orcs malvados. É muito preto e branco. O Fëanor não é isso, ele tem vários elementos. Ele ama a esposa dele, ele gosta dos filhos dele, ele tem uma devoção total ao pai, mas ao mesmo tempo ele não gosta dos meios-irmãos, mas ele respeita os Valar. Então ele é um ótimo artífice, mas ele é cabeça dura. Então ele tem muita coisa, ele não é malvado nem… bom, mas ele tem esse gênio forte que, dependendo da pessoa, não vai (bem) [00:30:11]. E é nisso que o Melkor, nessa coisa do orgulho, vai abrindo brechas. O Melkor, quando fica sabendo das Silmarils e ele vê as Silmarils – porque o Fëanor, quando tinha festas em que todo mundo comparecia… regularmente, havia festas em Valinor, em Aman, no Porto dos Cisnes, em vários lugares. Ele ostentava, ele colocava como joia, como colar, as Silmarils dele para mostrar para todo mundo. Se não todas, pelo menos uma. Então ele gostava de ostentar esse trabalho dele, e o Melkor ficou querendo essas pedras para ele. Aí ele intensificou os boatos dele. E aí ele percebeu o seguinte: que os Valar não haviam contado para os elfos que eles não seriam os únicos de Eru e que haveria uma outra raça que iria despertar também, que eram os humanos. Aí ele começou a falar: “Mas os Valar não contaram para vocês? Por que não contaram? E por que os Valar trouxeram vocês para cá? Será que eles querem deixar vocês aqui prisioneiros e deixar a Terra Média toda só para esses outros povos e por isso que vocês estão presos aqui nesse mundo?”. E foi insinuando as coisas. E, nessa época, alguns elfos começam a forjar armas, que é algo que não era comum em Valinor, ninguém tinha. De repente, alguns elfos começam a fabricar armas. O Fëanor também fabrica armas e armaduras, meio que se armando para alguma coisa, que seria algum conflito ou não. E aí o clima começou a azedar muito. Sabe aquela coisa que você vê que tem… você não explica direito o porquê, mas está todo mundo mal-humorado, pessoas começam a andar com armas para cima e para baixo. Eu nunca vi isso, gente, vocês já viram isso em algum lugar?

Juliano Yamada: Também não, nunca vi. A gente vive em um mundo pacífico.

Nilda: Isso é coisa de ficção, isso não acontece de verdade, não, gente. É mitologia. Aí o Melkor começou a sussurrar. O Fëanor começou a morar em uma terra, em um castelo, em uma vila chamada Formenos. Passou a ser a residência oficial dele, onde ele fazia as coisas, onde ele criava os filhos, e o Melkor começa a sussurrar que o Fingolfin, que é o filho mais velho da Indis, estava querendo usurpar o trono do Finwë e pegar os direitos do Fëanor como herdeiro ou como filho predileto e tudo mais. Fingolfin era orgulhoso, Fëanor também era bem orgulhoso, começaram a andar armados para cima e para baixo. As pessoas olhavam: “É, tem alguma coisa aí”, e começaram a dar credibilidade aos boatos até que o Finwë percebeu: “Gente, está muito ruim isso aí” e chamou para um conselho. Chamou todos os Noldors e tudo mais: “Vamos fazer um conselho, vamos discutir, vamos colocar em pratos limpos essa história”. Aí o Fingolfin chegou primeiro, aí ele começou a falar: “Olha, o Fëanor não respeita ninguém, ele (inint) [00:33:15] todo mundo, ele irrita, ele é muito orgulhoso”, aí, nisso, o Fëanor chegou, viu, escutou o que o Fingolfin estava fazendo, sacou uma espada e ameaçou o irmão. E isso era uma coisa que ninguém nunca tinha feito em Valinor, ameaçar alguém com uma arma. E, por causa disso, o Fëanor foi exilado da cidade de Tirion, das outras cidades élficas, e ele ficou só morando em Formenos, que era o palácio dele, a terra dele, junto com os filhos. E aí o pai dele, que fazia tudo que ele queria, falou: “Não, se o meu filho está exilado, eu também estou. Eu vou morar lá com ele”. E aí quem ficou, digamos, regendo, sendo o príncipe dos Noldor acabou sendo o segundo irmão, que seria o Fingolfin, o filho mais velho da Indis. Então acabou acontecendo aquilo que estava sendo falado por aí, só que os Valar perceberam essa briga, perceberam tudo isso que estava acontecendo: quem está atrás disso aqui é o Melkor. Porque eles começaram a puxar os fios da história, viram que era o Melkor, e mandaram o Tulkas, que é o maior guerreiro deles, atrás do Melkor. Só que, nisso, o Melkor já tinha corrido para o sul e se escondido totalmente e ninguém conseguiu achá-lo. Mas aí os Valar falaram: “Bom, o Melkor não está por aqui, vamos dar um tempo. Passado esse período de exílio, a gente tenta fazer as pazes e retornar a paz aqui”.

Leonardo: Ou seja, também, começou a dar problema ali quando começa a ter a questão das armas, tudo, um certo conflito vai logo para ter problemas com o irmão. Ou seja, é aquela coisa: os problemas sempre começam em casa.

Nilda: E quando você fala de família, que seriam, sei lá, famílias reais ou nobreza, a gente percebe que tem muito isso.

Leonardo: E é um barato que eles brigando pela herança ali, tem que ser o próximo a ter o poder em uma raça que é praticamente imortal. É uma coisa bizarra de você pensar.

Nilda: Acreditar em uma coisa dessas. Porque o Fingolfin não queria poder, só que ele era muito orgulhoso. Ele era o filho mais velho da segunda esposa. Não era o filho mais velho do rei. E teoricamente não teria por que eles estarem brigando. Mas aí também tem gente que fala que um dos problemas era justamente essa imortalidade toda, um monte de príncipe elfo nascendo, um monte de elfo nascendo, eles nunca seriam reis. Isso acabaria talvez dando briga mesmo.

Leonardo: Mas fica claro que começou também por causa da língua do Melkor, de ele ficar lá enchendo a cabeça deles.

Nilda: Tipo, o que era apenas uma coisa: os dois irmãos não se dão muito bem, mas está todo mundo vivendo tranquilo, mas alguém ali incitando. O Fëanor chega a perceber que o Melkor está atrás disso; mas ele percebe, mas é aquela coisa que a gente fala das mentiras, de boatos que ocorrem. Todas elas têm um pezinho na verdade, só que é aquela verdade distorcida. Você pega e distorce a verdade e transforma em outra coisa e você vai corrompendo as pessoas em cima disso.

Juliano Yamada: O próprio Melkor nunca trabalhava com mentiras completas. Até a história dele, como ele criava as coisas, ele não criava, ele corrompia o que existia. Então ele era mestre nisso. Então ele pegava uma verdade que ele estava vendo, pegava uma aspiração, uma ambição que ele via e ele distorcia e, quando Fëanor ia lá tirar satisfação, ele achava provas que acabavam corroborando com o que o Melkor dizia, por mais que o Melkor estivesse mentindo, porque era uma falsa verdade, era uma distorção. É coisa que a gente não vê nos dias de hoje.

Leonardo: Eu acho legal essa imagem que se passa, sabendo-se da vida do Tolkien, das crenças dele. Eu acho legal essa imagem que o Melkor tem bem de ser o demônio, de ser o cara que fica incitando, dando problema. Se o capeta é o senhor das mentiras, o Melkor é o senhor das fofocas, que ele ficou soltando as fofocas para dar problema.

Nilda: É, e não foi por falta de chance. Ele ficou preso um tempo, foi solto de novo, mas aí já faz parte da essência dele, da corrupção dele.

Juliano Yamada: Outra coisa que a gente precisa lembrar do Tolkien é que ele não gostava de fazer analogias religiosas, da religião dele, nos livros. Todas as analogias que ele colocava eram analogias que eram de antes, dos contos da religião dele, dos contos cristãos, contos católicos. Então, como ele fazia toda aquela pesquisa mitológica em cima para fazer a parte de filologia, ele acabava achando esses paralelos e ele usava esses paralelos para alimentar as obras dele, e não a parte dos escritos cristãos.

Nilda: Ele não gostava, ele criticava muito, mas a gente fala, a gente acha muita coisa do cristianismo na obra do Tolkien. Mas o que ele não gostava de fazer é o que ele chamava de alegoria direto. Sabe aquela coisa de Nárnia? O leão é Cristo, sabe? Ele não coloca isso, então você pode interpretar várias passagens dos livros do Tolkien de formas diferentes.

Juliano Yamada: Tanto que ele chegou a ter brigas… por mais que o Tolkien e o C. S. Lewis fossem grandes amigos, eles tinham discussões e chegavam a cada um ir para um lado porque ele não gostava desse lado do C. S. Lewis. O C. S. Lewis enchia de alegorias, e alegorias diretas. Você lia e você identificava de onde ele está bebendo, a fonte. Tem trechos dos livros do C. S. Lewis que, na verdade, são inspirados, quase que escritos diretos do Tolkien. O Tolkien escrevia, era algo que ele não ia utilizar, ele lia naquele encontro de escritores, o C. S. Lewis ouvia e pedia permissão para o Tolkien. Eu não estou desmerecendo o C. S. Lewis; o C. S. Lewis escreve muito bem, mas ele lia esses trechos para o C. S. Lewis nos encontros de escritores, o C. S. Lewis pedia permissão para utilizar e o Tolkien falava: “Toma, tudo bem”, e ele utilizava. Tem muitos trechos nos livros do C. S. Lewis que são, na verdade, inspirados – não copiados, vamos colocar esses pingos, não são copiados. Muita gente desmerece o C. S. Lewis falando que ele copiava Tolkien. Não, ele se inspirava em muitas coisas que o Tolkien também mostrava e se inspirava também.

Nilda: Os dois faziam apostas de escrita, os dois eram muito amigos. Eles discutiam, se autoinfluenciavam, um influenciava o outro em várias coisas, mas o Tolkien tinha algumas coisas que ele não aceitava fazer e o C. S. Lewis tinha coisas que ele gostava de fazer. Tanto que um escreveu o obituário do outro antes de morrer. Quando o Tolkien morreu, o C. S. Lewis já tinha falecido, mas foi utilizado o obituário que o C. S. Lewis tinha feito. Quando eles estavam ficando velhinhos, um fez para o outro.

Leonardo: Foi interessante essa comparação com o C. S. Lewis, que esse eu já sabia que realmente faz alegorias diretas em si com a parte cristã; do Tolkien, ele não gostava dessas comparações, dessas alegorias diretas, mas a gente vê elementos que você pode fazer uma certa ligação, e eu acho interessante que, vendo essa forma, a gente vê bem realmente como uma mitologia tolkeniana, como eu gosto de chamar, porque aí você tem a questão de que ele pegava também conceitos que ficavam semelhantes em outras mitologias, de outras culturas. Então é aquele negócio que a gente sempre mostra em vários episódios: as culturas têm coisas semelhantes indo tanto do paganismo, para ser mais claro nos termos, quanto do cristianismo. Você vai ter semelhanças. Então o dele pode ser semelhante, ter elementos semelhantes, mesmo pegando não diretamente do cristianismo, mas pegando de conceitos de outras culturas ali, porque a gente vê muita coisa nórdica que se coloca ali nele, os próprios elfos, anões, coisas assim em geral europeias. Você vai ter coisas que você vai poder puxar para o cristianismo ali, então o dele não precisaria ser necessariamente uma coisa direta, uma alegoria direta para chegar a alguns pontos onde você possa fazer uma ligação.

Nilda: Tenho amigos ligados ao paganismo que falam: “Não, você diz que tem cristianismo aí”, mas, quando a pessoa leu, ela viu todos os elementos pagãos ali e era por isso que ela gostava. Então cada um faz a sua leitura. Continuando a história, passou o tempo do exílio, os Valar chamaram o Fëanor e o Fingolfin – ele e o irmão dele – para fazerem as pazes em uma grande cerimônia, que era uma festa razoavelmente regular. Aparentemente, a cada 12 ou 14 anos eles tinham festas, porque já estavam há tanto tempo lá que já tinham festas regulares e cerimônias regulares. E aí foi marcada essa festa e seria onde eles fariam as pazes. Aí foram feitas as pazes. O Fingolfin ofereceu a mão para o irmão mais velho, eles se deram as mãos. O Fingolfin falou que ele sempre ia seguir o Fëanor, só que o Melkor sabia que haveria essa festa grande, que era uma festa que já acontecia regularmente, e ele sabia do tempo do exílio do Fëanor. O que ele fez? Ele tinha ido para o sul e, ao sul, bem ao sul de Aman, ele entrou em outra terra, onde morava a Ungoliant, que era a aranha monstruosa, mãe de todas as aranhas-monstros. E eles fizeram um acordo entre eles de que ele daria todas as joias e várias coisas para a Ungoliant; a Ungoliant tinha uma fome insaciável. Essa aranha atacou as duas árvores, porque ela chegou através fazendo uma escuridão enorme e sugou a seiva das duas árvores. Nisso, as árvores foram apagando. Deu-se uma escuridão grande em Aman. Quando os Valar perceberam isso, eles correram para as árvores para saber o que estava acontecendo, e os elfos também, todo mundo correu para lá. Foram para Formenos, que era a moradia do Fëanor. O pai do Fëanor estava lá, porque Fëanor estava exilado, ele falou que, enquanto não fosse levantado o exílio, ele não voltaria para a cidade. O exílio ia ser levantado nessa festa, mas não tinha sido levantado ainda. Aí ele estava lá ainda. Aí o Melkor matou o pai do Fëanor, o Finwë, e roubou as Silmarils e fugiu, saiu correndo. Os dois saíram correndo o mais rápido que podiam.

Juliano Yamada: Fëanor não sabia ainda que o pai dele tinha morrido. Quando as árvores morreram, os Valar chegaram para o Fëanor pedindo as Silmarils emprestadas. Emprestadas, não. Pediram para usar as Silmarils para restaurar as árvores, porque, como as Silmarils tinham a luz das árvores engastada, poderiam ser reutilizada essa luz para trazer de volta as árvores, aí as Silmarils seriam destruídas. Aí o Fëanor rejeitou a proposta, acho que ele quebrou a ligação até com os próprios Valars.

Nilda: É, ele falou que ele teria o seu coração partido, que era a obra que ninguém mais poderia refazer e tal e ele falou que, se os Valar o obrigassem a usar as pedras, a quebrar as pedras, os Valar não seriam melhores que o Melkor. Estariam obrigando alguém a fazer o que não queria, e isso era uma coisa que o Melkor fazia. E isso criou a grande cisão. Não foi uma briga grande, mas sabe aquela coisa de o argumento… você fica meio que sem… você não declarou inimizade, mas você vê que você não está mais concordando. Só que aí, nesse ínterim, que estava: “O Fëanor não vai dar aqui, o que a gente vai fazer?”, os Valar perceberam que ainda tinha uma pequena luz nessas árvores, a Nienna foi lá chorar e a Yavanna conseguiu fazer com que elas dessem os dois últimos frutos delas. A árvore de ouro deu um fruto que virou o sol e a árvore de prata deu um outro fruto, que virou a lua. Não foi automaticamente. Eles perceberam isso, aí depois tiveram que verificar como fazer para colocar isso no céu, aquela coisa toda. Só que aí, nesse tempo, chegaram mensageiros da residência do Fëanor falando: “Olha, mataram seu pai. O Melkor matou seu pai e as Silmarils foram roubadas”. Então não tinha mais como, mesmo se ele tivesse se prontificado a entregá-las, não teria mais como recuperar as árvores de qualquer jeito. Mas é aquela coisa, ele já tinha falado palavras que não deveriam ser ditas. Tipo, “Se vocês me obrigarem é porque vocês são iguais ao Melkor” e tal. Então a briga já estava dada ali.

Leonardo: E só um parêntese, mais uma vez aquela imagem de criação de sol e lua com o conceito dourado e prateado. A gente falou isso aí nos episódios anteriores. E aí a gente vê: a de prata, que faz a lua, e é a que veio primeiro.

Nilda: Só tinha as estrelas.

Leonardo: Estava com a luz das estrelas. Mas aí a lua veio primeiro e aí depois que vem o sol. É interessante isso.

Juliano Yamada: Quando os elfos acordaram, eles viram somente as estrelas. O Tolkien utilizava a noite – ele não usava a escuridão em si. Ele usava a escuridão como algo maligno, mas a noite não era algo maligno, era algo belo, tanto que os elfos se apaixonaram pela noite estrelada. Aproveitando sobre o sol – a sol, porque, para o Tolkien, sol é feminino. Para o mundo do Tolkien, para o mundo dos elfos e até para os outros povos, o sol é um elemento feminino. Se não me engano… como é o nome da Maiar que cuida do sol? Arien?

Nilda: Isso, Arien.

Juliano Yamada: Arien é legal que ela é uma Maiar de fogo e é dito que ela era tão poderosa que o Melkor não conseguiu corrompê-la. Corrompeu vários outros Maiars de fogo, que viraram os Balrogs, menos ela. Ela era poderosa e ela foi escolhida para conduzir a barca dourada que virava o fruto dourado, que virou a sol.

[Trilha sonora]

Nilda: Continuando na história do Fëanor, quando ele soube de tudo isso, ele chamou o Melkor de Morgoth, o inimigo do mundo, e agora ele era o rei dos Noldor. Aí ele fez um discurso enorme, um dos mais apaixonados já feitos, inspirou o povo dele. Ele falou muito mal do Morgoth, falou que tinha que todo mundo ir combater o Morgoth, ir para onde ele tinha ido, e aí ele culpou os Valar também pelo ato do Morgoth. Nunca deveriam tê-lo soltado…

Leonardo: Concordo.

Nilda: … e tudo mais, então que os Valar também tinham culpa nisso, e que eles tinham que abandonar Aman e voltar para a Terra Média, que é a terra onde eles tinham surgido. E aí ele convenceu a maioria do povo dele, não todos, mas a maioria do povo dele. A esposa dele não se convenceu, a esposa dele ficou lá. Dizem que ela já estava de saco cheio dele já fazia muito tempo, arrumou só uma desculpa para ficar longe.

Leonardo: Faz sentido.

Nilda: Ela já sabia como ele era, falou assim: “Isso vai dar ruim”. E aí eles fizeram um juramento, que é o juramento dos Noldor, que é um juramento que ninguém deveria fazer, porque eles colocaram até o nome de Eru, que é o criador do mundo, neste juramento, e era um juramento que determinava que ninguém do povo dele ou dos filhos dele que vissem as Silmarils poderia sossegar enquanto não devolvesse para ele ou para os filhos deles, que eram os verdadeiros donos. Ninguém deveria ter. E esse juramento é muito pesado. Eles falam que quem se enreda no juramento das Silmarils, na história das Silmarils, é enredado por esse juramento, e ele é considerado um juramento muito pesado, muito ruim. Aí a maioria dos Noldor decidiu segui-lo e os dois irmãos dele também foram seguindo-o. Fingolfin não concordava muito, mas ele tinha jurado que ia seguir o irmão, ele tinha jurado naquele dia mesmo, naquela festa mesmo.

Leonardo: Se arrependeu. Deve ter se arrependido.

Nilda: O Finarfin era muito chegado ao irmão, falou: “Olha, vou te acompanhar. Não vou te deixar sozinho nessa história, nessa roubada. Vou te acompanhar”. Aí o que o Fëanor fez? No litoral desse mundo era onde moravam os elfos Teleri, os elfos que mais gostavam do mar, e eles tinham um porto chamado Porto dos Cisnes, e é onde eles viviam. Eles tinham os melhores navios, os navios mais potentes e tudo mais. Eles chegaram e falaram: “Olha, aconteceu isso e isso”, ele fez um outro discurso, só que os elfos olharam e falaram: “Olha, não, nós não vamos com você”. E eles se recusaram a ir, e mais ainda: o Fëanor pediu os navios. Eles falaram: “Não, do mesmo jeito que as Silmarils são as suas obras-primas, você não quis ceder para ninguém, a gente também não vai ceder nossos navios, porque eles são as nossas obras-primas”. Aí aconteceu o que se chama de massacre de Alqualondë – elfo contra elfo lutando. Os elfos ligados a Fëanor mataram vários elfos Sindar, desse local, do Porto dos Cisnes, para roubar os navios, e roubaram os navios deles. Tem discussão se os outros irmãos chegaram a participar. O Finarfin parece que não chegou a participar, ele acabou indo depois, acabou não participando desse massacre, mas todo povo do Fëanor foi, parte do povo do Fingolfin também estava nessa história. Eles entraram nos navios, todos eles, e foram embora.

Leonardo: Isso aí teria sido o primeiro embate entre elfos?

Nilda: Sim, pelo menos registrado, o primeiro embate de elfo contra elfo, elfo matando em uma guerra, em uma batalha de elfo contra elfo.

Leonardo: Aí já mostrando como a coisa estava ficando feia já, porque, tudo bem, estava todo mundo contra o Morgoth, que não era nem mais o Melkor agora, já com nome de Morgoth, só que aí chegou ao nível de já estarem eles se virando contra eles mesmos. Porque uma coisa é você ter rixa com o seu irmão; outra coisa é ir alguém ali da sua própria raça, que não teria o porquê de batalhar, e matar.

Nilda: É, então, eles mataram. Aí eles entraram nos navios, foram embora, só que a Maiar dos mares, a Uinen, que cuidava das ondas, viu tudo aquilo, diz que começou a chorar e provocou uma tempestade. Provavelmente chamou o marido dela, que também ajudava com as tempestades, que afundou muitas das embarcações, mas mesmo assim muitos elfos sobreviveram e eles foram parar em um local chamado Araman, que seria uma terra árida, uma praia bem árida que ficava entre o mar e essas montanhas que erguiam as terras de Aman. Só que aí lá eles perceberam que não iam conseguir, todos eles, ficar dentro do navio. Só que tem uma outra coisa. Durante esse período que eles estavam no barco, quando eles chegaram lá, eles viram uma figura escura no alto da montanha e que todos juraram que era o Valar Mandos, que cuidava dos mortos e tudo mais. E ele tinha o dom da profecia, ele sabia das coisas, só que ele não podia falar tudo, mas aí ele falou. E ele lançou uma maldição, que é chamada A Condenação dos Noldor, que alguns chamam de maldição e outros, previsão. Tipo, é uma advertência. E aí ele falou que, se eles seguissem, continuassem naquele caminho, todo mundo que fosse da casa de Fëanor e todo mundo que o seguisse ia ter um final muito doloroso e que o juramento deles nunca ia se cumprir. Eles nunca iam conseguir cumprir plenamente o juramento deles. Aí, neste momento, o Fëanor (inint) [00:53:29], que é o mais novo, se arrependeu, voltou com parte do povo dele, abandonou toda essa causa e voltou para junto dos Valar. Pediu ajuda, voltou, e aí ele governou os elfos Noldor que permaneceram lá em Aman, e aí só os dois irmãos mais velhos prosseguiram o caminho.

Leonardo: É, nesse ponto, dá a entender muito que o Fëanor estava indo atrás porque ele criou as Silmarils, então o orgulho e tudo, do que qualquer questão da utilidade de usá-las para voltar a questão das árvores. Nesse momento, não sei se o sol e a lua já estavam criados, mas vendo, sabendo como o Fëanor é, dá muito a entender que ele foi mesmo por questão de orgulho. Tipo, pegou, é uma criação minha, então eu vou lá e tenho que resgatá-las. Todo o problema que o Melkor causou. Não porque “Ah, está escuridão e precisa consertar”.

Nilda: E tem a questão do assassinato do pai dele.

Leonardo: É, como vingança também. Muito a questão de vingança e orgulho…

Nilda: Como vingança.

Leonardo: … estava movendo-o.

Nilda: Isso é um pouco da questão da fala do Mandos. Tudo que é guiado por vingança e por orgulho não poderia dar certo. Ia dar ruim, não tinha como dar certo. E você já vê que vai dar certo isso, por quê? Porque, bom, o irmão mais novo decidiu voltar com o pessoal. Foi andando pela praia, caminharam, mas chegaram de novo a Aman. Não ia caber todo mundo nos barcos, quem sobreviveu, porque os barcos quebraram, mas muita gente chegou às praias nadando, agarrando em destroços, o que fosse. Aí o que ele fez? Ele colocou os filhos dele, o povo dele no barco e falou para o Fingolfin, quando viu, disse: “Não, vou levar esse povo. Depois a gente volta e pega vocês”. Aí beleza, o Fingolfin ficou lá esperando; o Fëanor foi. Só que, quando o Fëanor chegou ao local mais a oeste lá da Terra Média, um local chamado Losgar, todo mundo desceu e ele falou: “Bota fogo nos navios que eu não vou buscar mais ninguém, porque o meu irmão qualquer hora pode me trair e eu não vou buscar ninguém. Quem veio, veio; quem não veio, não veio”.

Leonardo: Caraca.

Nilda: E tacou fogo nos navios.

Leonardo: Que babaca.

Nilda: É, gente finíssima. Por isso que eu digo assim, a história dele é muito interessante, porque ele… não é uma coisinha que fez, é toda uma sucessão de coisas que vão levando. Aí o incêndio foi tão intenso, e esse local era mais a oeste, que o Fingolfin chegou a ver as chamas, aquela coisa das chamas. Só que o momento de voltar já tinha passado, eles voltaram com o irmão mais novo dele. Aí eles falaram: “Não, nós vamos chegar à Terra Média”. E havia um jeito de chegar, só que era um jeito muito doloroso, muito difícil, que era continuar caminhando até o norte por essa terra árida, até chegar bem ao norte, que chegaria a um local de gelo, que era chamado de Helcaraxë, que teria uma passagem que ligaria a terra de Aman com a Terra Média. Seria como a travessia do Estreito de Bering, sabe? Que a gente conta que boa parte da população dos humanos que chegaram ao continente americano veio por aquela travessia, por aquele local fazendo a travessia. Seria algo nesse estilo, atravessando ali. Vários morreram. A esposa do Fingolfin morreu nessa história, nessa travessia, mas eles conseguiram chegar.

Juliano Yamada: Para falar a verdade, seria uma travessia pior ainda, porque vamos pensar um pouco na geografia da Terra Média e tentar encaixar no nosso mundo. A Terra Média encaixa na Europa inteira, mas, antes da derrocada do Melkor, o mundo era diferente. Então mais ou menos eles atravessaram o que hoje seria o círculo ártico, e o círculo ártico não é um mundo que nem o círculo antártico, que tem um continente embaixo. Ali é só uma placa de gelo e o oceano embaixo. Então seres humanos que tentavam atravessar aquela região, a cada 50, três, quatro sobreviviam atravessando a pé, porque era uma região muito difícil, com muito gelo, placas quebrando, rachaduras que te levavam para o fundo do mar. Então imagine um mundo assim – era mais ou menos isso que os elfos sofreram quando atravessaram aquele gelo todo.

Leonardo: É isso até que eu ia perguntar, se muitos morreram e tudo aí, seria muito por essa questão de o local ser algo difícil. Não é que haveria, sei lá, Balrogs, haveria monstros lá; seria puramente a questão da natureza extrema. É interessante pensar nisso, porque a gente tem a ideia de elfo viver mais, ter mais habilidades e tudo mais, então, se ele chega a um nível que a natureza está sendo problemática para eles, é porque o negócio é realmente tenso.

Nilda: E eles podem caminhar em cima da neve sem deixar muitas pegadas, mas tem limite. Travessia para a qual você não estava preparado para ir… e isso fez com que o Fingolfin e o povo dele desenvolvessem um ressentimento muito grande contra o Fëanor e seus filhos. E isso vai, mais tarde, muito mais à frente, fazer com que eles tenham dificuldades de ter aliança com os filhos do Fëanor, porque eles são um povo que veio, mas os filhos do Fingolfin não conseguiam se aliar. Mesmo apesar de já estarem enredados nessa luta, eles não conseguiam morar juntos ou morar nos mesmos reinos. Tinha todo esse ressentimento acumulado. Mas independentemente disso, quando eles chegaram lá, eles ainda acabaram sob as estrelas e fizeram uma batalha com o Melkor. O sol e a lua ainda não tinham surgido em si. Você tinha toda essa história do nascimento, mas os Valar ainda estavam preparando tudo. Mas os Noldor chegaram, o Morgoth percebeu, que ele tinha espiões e tudo mais, e ele avançou, convocou o exército e avançou contra o Fëanor, mas o Fëanor e os seus filhos venceram o Morgoth. Aí o que acontece? Ao invés de eles se reunirem, se reagruparem, “Vamos pensar de novo”, o Fëanor falou: “Não, vou continuar seguindo-os” e foi perseguindo o exército do Morgoth até a fortaleza, que é o Angband. Aí os filhos dele foram atrás dele, mas nisso o Fëanor já estava bem à frente. E aí, nisso, o Morgoth tinha conseguido chamar os Balrogs e o Fëanor lutou contra Balrogs, contra o capitão dos Balrogs, que é o Gothmog. Aí logo depois os filhos dele chegaram e deram prosseguimento à batalha, mas aí ele ficou muito ferido. Se eu não me engano, ele acaba matando… eu não sei se ele mata o capitão dos Balrogs ou não, mas ele fica muito ferido. Os filhos dele, quando chegaram, também lutaram com os Balrogs e conseguiram expulsá-los do campo de batalha e resgataram o Fëanor, mas o Fëanor estava muito ferido. E aí, quando ele estava sendo tirado do campo de batalha e realmente eles foram se reagrupar para pensar, para fazer toda essa batalha… os Balrogs dessa época… é dito que vários deles eram Maiars de fogo, não eram qualquer coisa de se lutar e se matar.

Leonardo: É, uma coisa que eu fico pensando é que, querendo ou não, ele se feriu bastante, mas ele enfrentou não só um, enfrentou vários Balrogs. E aí, sempre quando eu ouço essa questão de ele enfrentar os Balrogs, eu fico lembrando do Gandalf, que enfrentou também o Balrog lá e praticamente matou o Balrog, mas também praticamente morreu, porque ele meio que renasce ali.

Juliano Yamada: Para se ter uma ideia, o Balrog que o Gandalf enfrenta é um Balrog menor, ele é um soldado raso em comparação aos grandes Balrogs dos dias antigos e do início da Primeira Era.

Leonardo: Eu fico assim, isso é muito para um… sei lá, eu achava muito para um elfo ali, sei lá. Não sei, porque o Gandalf era um Maiar e enfrenta um Balrog e acaba morrendo, entre aspas, com isso; agora, o outro enfrentou um monte. Nossa.

Nilda: É que a questão, por exemplo, o Gandalf, o Saruman e todos os outros eram chamados de magos. O fato de eles estarem em um corpo físico era uma forma de reter o poder deles. Eles não podiam usar o poder deles completamente, era a condição para eles estarem ali. O Gandalf não estava usando todo o poder dele. Eu acho que, para derrotar o Balrog, ele teve que liberar o poder dele, e aí por isso que ele morre, mas depois acaba voltando. Aí é aquela coisa: o Fëanor era chamado de espírito de fogo, porque ele realmente parecia ser quase que um ser de fogo. Então talvez isso tenha o ajudado nessa batalha, e, quando ele estava para morrer, ele, de novo, falou para os filhos dele manterem o juramento, para vingarem o pai, para não darem sossego para o Melkor, para recuperarem as Silmarils. Aí ele morreu e um espírito de fogo consumiu o corpo dele e ele se reduziu a cinzas.

Leonardo: Mas aí ele iria lá para onde vão todos os elfos, que aí estão mortos, mas não estão mortos?

Nilda: Sim, sim.

Leonardo: Não deixou de existir, não, não é?

Nilda: Não, não. O que parece que faz parte da condenação dele é que ele não poderia reencarnar novamente, e aí ele morre desse jeito. Só que aí o que acontece? Os filhos dele ainda estavam vinculados ao juramento de recuperar as Silmarils, e isso determina todos os eventos da Terra Média durante essa Primeira Era.

[Trilha sonora]

Nilda: Logo depois disso, há o surgimento da primeira lua e o primeiro nascer do sol, e é dito que isso marcou o surgimento dos seres humanos na Terra. E isso se liga ao que eu falei lá atrás, que o Melkor tinha contado para os elfos: “Não, vão surgir os humanos lá na Terra, como vocês não estão sabendo?” e tal. Então ele acabou criando condições para que os primeiros humanos despertassem e surgissem, porque eles surgiriam quando teve o sol e a lua, por isso que eles são seres que gostam… dizem que eles nasceram no primeiro nascer do sol. Quando o sol nasceu, o primeiro dia, foi quando eles começaram a surgir, quando eles despertaram. Não exatamente do mesmo jeito que os elfos, mas foi quando os seres humanos surgiram, com o surgimento do sol. Então toda essa história, quando o Melkor ficou falando: “Vão surgir os humanos”, acabou surgindo os humanos por causa dessa maldade, de toda essa trama.

Leonardo: E nisso ainda não tinham recuperado as joias.

Nilda: Não, aí eles não tinham recuperado as joias. Aí o que acontece? Se mantiveram unidos, os irmãos, e eles se reestabeleceram na Terra Média, fundaram um reino, se aliaram a outros elfos. Se aliaram ou pelo menos, vamos dizer assim, começaram a conviver com outros elfos que já moravam lá. Os outros elfos, quando ficaram sabendo da história do massacre do porto de Alqualondë: “Como assim teve elfo matando elfo?”. E boa parte dos elfos Sindarin, que é a mesma etnia dos que foram mortos lá, eram os que tinham ficado na Terra Média. Eles falaram: “Você matou nossos parentes, você matou nossos irmãos”. Então eles não eram muito bem-vistos por todos. É dito que a Galadriel foi parar na terra do Elu Thingol, porque ela era aparentada dele, mas por isso que a aceitaram. Mas, mesmo assim, muita gente olhava feio para ela porque ela era daquele povo que veio de Aman para cá, e mesmo se falasse que ela não participou do massacre, não interessa, ela fez parte daquele povo que fugiu de lá nessa época dessa guerra, dessa grande desgraça. Então eles não eram tão bem-vistos assim, mas viveram lá um tempo. O irmão do Fëanor, o Fingolfin, desafiou o Melkor para a batalha. Foi para a frente lá e falou: “Olha, você é homem para lutar comigo ou não?”. É uma das cenas mais épicas do Silmarillion, quando ele chega lá e fala: “Vai lutar comigo ou não vai? Você tem coragem ou não tem?”, sabe? Esse tipo de coisa. É claro que com uma linguagem muito mais poética, mas é uma grande batalha que tem. Mas é basicamente isso. Porque o Melkor era o único dos Valar que tinha medo, só que, quando o cara chegou lá e o desafiou na frente de todo o exército, ele não podia correr. Aí eles tiveram uma batalha e, nisso, o Fingolfin morreu, porque, por mais que ele tenha lutado com o Melkor, o Melkor era muito mais forte que ele. Só que a história vai ficando… tem toda a Primeira Era, tudo vai andando, e as Silmarils estão lá com o Melkor. Tem várias batalhas, eles nunca conseguem recuperar e tal, até que o Beren e a Lúthien recuperam uma das joias.

Leonardo: Sim, isso na narrativa do Beren e Lúthien.

Nilda: Aí o que acontece? Eles recuperam, todo mundo entende que é direito deles, mas os filhos do Fëanor falam: “Não, essa joia é nossa por direito” e tal. Mas a história era tão cativante, do Beren e Lúthien, e como eles se transformaram em humanos, quando eles morreram, eles deixaram com o filho deles, que era o Dior. Os filhos do Fëanor, alguns deles, se uniram e invadiram. O Dior também acabou sendo herdeiro do reino de Doriath, que era do avô dele e da avó dele, e os elfos invadiram Doriath para tentar recuperar a Silmaril. Nisso, já tinha anão envolvido na história, porque os anões também tinham manuseado a Silmaril – essa Silmaril específica -, e causou mais um massacre entre os reinos élficos, de novo causando mais coisa. Nisso, vai ter várias lutas para fazer. As duas que permaneceram com Morgoth foram recuperadas por dois dos filhos do Fëanor, o Maedhros e o Maglor. Quando eles recuperaram, eram os dois últimos filhos que ainda estavam vivos. Só que todas essas guerras que eles tinham causado, toda essa desgraça que eles tinham causado na Terra Média já tinha os transformado em seres considerados seres corrompidos. E aí, quando eles recuperaram as Silmarils, eles não conseguiam tocar nas Silmarils, eles sentiam dores, eles não conseguiam lidar com as pedras mais.

Juliano Yamada: É, se você não estivesse corrompido, qualquer criatura – não era nem elfo – que não estivesse corrompida, a Silmaril não iria machucar. Isso aconteceu com o Beren, e o Beren não era nem um alto humano, ele era um humano simples. Só que ele tinha virtudes, e virtudes que até os próprios elfos admiravam.

Nilda: E aí tem o final das Silmarils, que é o seguinte: o Maedhros ficou com uma das joias e ele ficou tão transtornado que ele se jogou e jogou a Silmaril dele em um abismo de fogo, provavelmente algum vulcão ou área vulcânica. O Maglor lançou a Silmaril dele no mar, e aí tem duas versões para o fim dele: tem uma versão de que ele passou a eternidade vagando pela costa lamentando o destino dele e outra de que ele também se jogou junto com a pedra no mar. Aí nós vemos dois elementos: um foi para a terra o outro para a água. E a Silmaril que o Beren recuperou ficou com a família deles até o final. A neta deles conseguiu manter. Ela se casou com o Eärendil, o marinheiro, que aí ele fez um navio para chegar até a terra de Valinor para tentar fazer as pazes e pedir para os Valar ajudarem e tudo mais. E aí o que acontece? Como ele era um grande marinheiro, ele navega o céu. Então ele coloca essa luz, coloca essa joia na testa e navega o céu e traz a estrela da luz da manhã, ou a estrela d’alva. É a questão poética, porque uma, a que era purificada, a que foi recuperada não pelos filhos do Fëanor, mas sim por duas pessoas consideradas muito boas, que eram o Beren e a Lúthien, essa uma teve esse fim, que todo mundo vê. Os Valar consagraram o navio dele, então todo dia ele sai e faz essa viagem de navio da estrela da manhã. As outras, que foram pelos filhos do Fëanor, as duas se corromperam. Uma foi para o fogo e outra para a terra. Ou seja, são três elementos aí: ar, terra e fogo, que acabaram dando os destinos finais das Silmarils.

Leonardo: Olha só, bem mítico isso.

Nilda: Aí você tem o fim da guerra pelas Silmarils.

Leonardo: Mas também é aquela questão: a que caiu no fogo e a que foi para o mar não se diz que tenham se destruído; simplesmente estariam perdidas.

Juliano Yamada: Elas sumiram. Era até o medo do que poderia ter acontecido com o Um Anel. Se o Um Anel tivesse ido para o mar, ele estaria perdido, ele não estaria destruído, mas ele estaria além do alcance de todo mundo, até do próprio Sauron. Se ele foi para o vulcão… é porque não é contado se um vulcão tinha capacidade de destruir uma Silmaril, mas provavelmente ela foi entregue ao elemento terra e lá ficou, fora do alcance de qualquer ser da Terra Média.

Nilda: Tem a questão de que, quando o Eärendil busca ajuda dos Valars, os Valars vão para guerrear e aprisionam novamente o Melkor. Só que, nisso, eles se separam dos humanos e a Terra, que até esse ponto era plana, se transforma em uma Terra redonda, esférica. E aí, para você chegar na terra dos Valar, você tem que conhecer o caminho mágico que leva até lá, senão você não chega.

Juliano Yamada: A linha direta ou caminho vertical.

Nilda: É o caminho plano, que eles falam, para levar. Então os elfos sabem como fazer esse caminho e eu acho que o Frodo, o Bilbo e o Sam também chegaram lá perto dessa terra.

Leonardo: Mas é interessante. Mais uma vez, eu estou vendo realmente a Silmaril como um equivalente e oposto ao Um Anel. Elas estão voltadas para o lado bem, tanto que queimam quem está corrompido; e elas não são destruídas, elas são perdidas, enquanto que o Um Anel precisava ser destruído; e, quem vai até elas são os elfos para resgatá-la, e não o Sauron, que quer de volta o Um Anel. Então eu vejo um equivalente, mas oposto. Enquanto um está do lado de quem é bom, o outro é do lado corrompido.

Juliano Yamada: Tanto que tem uma parte da luz das Silmarils – até aparece no Senhor dos Anéis -: o frasco que a Galadriel entrega para o Frodo tem um pouco da luz da estrela de Eärendil, que é a Silmaril. Uma das Silmarils. E é a luz que tanto o Frodo e o Sam usam para conseguir entrar em Mordor.

Nilda: E a luz desse frasco queima a Laracna, que é a aranha que é descendente daquela aranha que destruiu as árvores.

Juliano Yamada: É, não fica claro, mas dá a entender que ela é a última filha da Ungoliant. Ela é a filha mais nova e é a última filha dela.

Nilda: No Senhor dos Anéis tem uma parte que o Sam fala: “Nossa, parece essas histórias antigas e parece que a gente está continuando as histórias”, e realmente eles estão…

Leonardo: E realmente estariam.

Nilda: … continuando. Tem elementos dessas histórias superantigas que eles conheciam como lendas que eles estão participando, que é: estão usando uma luz que vem dessa pedra chamada Silmaril e lutam com uma aranha que é descendente dessa aranha ancestral, dessa mãe dos monstros.

Juliano Yamada: Até o próprio Sauron é uma continuação das histórias antigas. O Sauron era o vassalo do Melkor.

Leonardo: Acho legal essa continuidade que vai tendo, que, em parte, parece que vai ficando cada vez mais fraca. Uma questão de: é a próxima geração. E isso, em mitologia, a gente encontra em algumas mitologias algo desse tipo. Então a gente vê outras gerações ali criando uma nova narrativa épica. Isso acho bem interessante. Bom, já que o episódio é do Fëanor, queria falar dele. Não sei o que vocês acham dele, se vocês gostam ou não, mas eu realmente o acho um babaca. Eu entendo toda a questão da coragem dele, de ele ser fodão e tudo mais, mas, para mim, eu o acho um babaca. Gosto do personagem dele, mas, dentro da narrativa, eu o acho um babaca, porque muita coisa ele causou por ele. Por isso também eu acho legal de o final dele não ser aquela coisa: “Ah, fui lá, enfrentei e recuperei as Silmarils e está tudo ok”. Não, ele enfrenta tudo aquilo lá, mas ele se ferra. Ele acaba morrendo com isso aí, as Silmarils não são recuperadas ali por ele, é algo que vai além da narrativa dele. Então isso eu acho bem interessante. Mas ele é muito chato.

Juliano Yamada: Na minha opinião, ele é um esquentado. Desculpe a piada. Ele é pilha errada, ele vai, ele acha que pode dar certo, ele acha que vai conseguir fazer tudo sozinho, mas ele não consegue.

Nilda: Ele é muito filho mimado, com cabeça quente junto com orgulho, e que o Melkor percebeu: “Esse aqui é o que eu posso jogar a pilha errada, que, se eu der a pilha errada, ele vai seguir, que é o que o Melkor faz o tempo todo lá em Valinor, fica não sussurrando diretamente no ouvido dele, mas jogando ali em volta só para fermentar a maldade.

Juliano Yamada: Fëanor era muito talentoso, isso não dá para negar. Ele era tão talentoso que acho que ele foi o primeiro a conseguir trabalhar com mithril, pelo que eu me lembro. Se não me engano, acho que ele foi o primeiro a trabalhar com a prata verdadeira. E muitos dos artífices que ele fez de parte de armas, armaduras, era o que deixava os anões admirados. E boa parte dos anões, em tentativa de criar uma arte tão próxima da do Fëanor, criou as armas, as armaduras, as ferramentas e os artífices deles. Os anões dão uma continuidade à parte mais metalúrgica do Fëanor.

Nilda: Tanto que a guerra final lá pela Silmaril do Beren, uma das coisas que causou é que o Elu Thingol, pai da Lúthien, pediu para os anões fazerem, encrustarem a Silmaril em um colar. Eles encrustaram, mas eles não quiseram devolver depois o colar. Eles acreditavam que toda arte pertencia a eles; o máximo que a outra pessoa poderia fazer seria um empréstimo dessa arte.

Leonardo: Essa é uma consciência de classe.

Nilda: Tudo que o anão produz pertence ao anão. Nossa senhora, conseguimos colocar Marx em um episódio sobre o Fëanor. Deus do céu.

Leonardo: Alguma consideração final?

Nilda: Quem for muito fã da obra – eu espero que gostem dessa maneira como a gente contou e conversou sobre o Fëanor. Muita coisa foi tirada. Se você quiser ter a história completa, você tem que ler no Silmarillion. Tem muito mais nomes, muito mais gente envolvida nessa história. Essa é, digamos assim, a história resumida, como você consegue colocá-la pegando apenas o Fëanor como principal mesmo para colocando, mas mesmo assim a gente acabou mencionando vários nomes e várias teses ligadas a ele. Mas, infelizmente, não dá para abordar tudo. É um dos personagens mais estudados da obra de Tolkien, justamente pelo fato dessa complexidade e esse monte de coisa que acaba gerando desde o surgimento do sol e da lua, de guerras e outras coisas, e até da estrela d’alva, que têm origem na história dele. Então, apesar de ele ser um personagem que muita gente detesta, ele é um personagem que move a história também.

Leonardo: Bom, ouvinte, espero que tenha gostado do episódio. Esse é um daqueles que é voltado para a mitologia tolkeniana; esse, no caso, mas especificamente voltado para o personagem. Então espero que vocês tenham gostado do episódio e é isso. Então até mais.

[Trilha sonora]

[01:20:10]

(FIM)