Papo Lendário #220 – Deuses Ferreiros

Papo Lendário #220 – Deuses Ferreiros

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Nilda Alcarinquë, e Juliano Yamada conversam sobre os deuses artifices e ferreiros.

Ouça mais sobre Hefesto, o mais famoso deus ferreiro.

Entenda as possiveis relações entre as aparências de personagens ferreiros

Conheça o deus do furacão nos mitos maias.

E ouça sobre alguns dos inúmeros deuses artífices nas diversas mitologias, desde Ptah até Varuna

— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada, Nilda Alcarinquë

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. Vamos falar hoje, aqui no Papo Lendário, de uma classe, um tipo, uma profissão, uma habilidade, uma característica de diversos deuses, uma forma de classificar alguns deuses, que a gente encontra em toda e qualquer mitologia. Então a gente vai fazer aquela coisa de falar de vários diferentes, várias mitologias: grega… sei lá quais tem aqui. Várias. É que grega é a mais básica, principalmente pela divindade mais conhecida dessa classe, que, bom, vocês viram aí o título, viram no post: a gente vai falar de deuses artífices ou, então, deuses ferreiros. Na verdade, a gente vai falar melhor como classificar esses deuses. Hoje estou com o Yamada, da equipe…

Juliano Yamada: Olá, vocês.

Leonardo:… e com a Nilda.

Nilda: Olá.

Leonardo: A gente sempre nota os grandes feitos dos heróis, dos semideuses e até dos deuses nas narrativas, mas a gente nunca para para pensar que, entre esses grandes panteões divinos, existem também aqueles que absorvem as funções de artífices e ferreiros; aqueles que, mesmo nunca tendo participado de grandes épicos, estavam sempre presentes ali nas narrativas. Algumas vezes, em alguns exemplos, a gente vai ter isso unindo divindades importantes e com funções de artífices; outras vezes, são divindades mais reclusas ou pelo menos mais deixadas de lado por vários motivos. E até tem algumas relações de motivos históricos, mas mais para a frente a gente fala. Mas é interessante, talvez, a gente já ver essa questão: são deuses ferreiros, artífices. O que seria uma divindade artífice?

Juliano Yamada: Interessante para até fazer um adendo é que o ser humano como a gente conhece hoje começou a avançar como civilização a partir do momento em que a gente começou a fazer trabalhos que durassem mais, em que criássemos objetos que tivessem funções mais complexas. A gente deixou de ser primitivo – que simplesmente pegava um pedaço de pau e, se ele tivesse uma parte mais pesada, a gente usava como porrete; se tivesse uma parte mais afiada, a gente usava como lança – e a gente começou a fabricar essas funções. Provavelmente, acho que os primeiros materiais que a gente chegou a fabricar, que o ser humano começou a fabricar foram com o objetivo de caça ou de trabalho com o material da caça ou da produção de alimentos. No momento em que a gente deixa de utilizar esses materiais somente para utensílios gerais e começa até a cultuar um ponto, quer dizer, a fabricação dele, a existência dele pode ter sido origem de uma divindade ou origem do divino, é que tem esse ponto alto. E é engraçado que, se você pesquisa um pouco, no ponto em que a gente começa a adorar esses seres artesãos, a gente também começa a ter a religião em si no ser humano. É interessante ver isso, mas não tem um ponto específico: “Ah, aqui a gente começou a adorar deuses artesãos; vamos, na sequência, ter religião”. Não, foi meio que paralelo e os dois acabaram se juntando, como se a gente tivesse conhecimento para criar algo, mas a origem desse conhecimento a gente já perdesse. E aí, como a gente não tinha uma origem, a gente atribuiu a divindades.

Leonardo: É, e é interessante que isso, querendo ou não, vai para aquele reflexo que a gente acaba tendo dos panteões e das divindades, esse reflexo humano, onde a gente, fazendo ferramentas, começa a criar algo, a gente não está só puramente dependendo da natureza, e isso se reflete em os deuses serem criadores no geral. Não só como deuses artífices, mas como criadores de tudo, que vão estar criando a natureza, o cosmo e tudo. Mas a gente vai ter os exemplos específicos de deuses que são mais dessa parte de habilidade mesmo, muitas vezes voltados para o fogo e para o metal – e aí normalmente são deuses ferreiros -, mas a gente pode ter de qualquer outro tipo, de qualquer forma de criação em si. Muitas vezes até isso fica amplo. Você pode ver um deus ferreiro – o Hefesto, que a gente vai falar mais para a frente, que seria acho que o exemplo mais conhecido, é muito conhecido como deus ferreiro, mas você pega em algumas narrativas que mostram que ele fez uma rede. É muito essa ideia de ser um deus criador mesmo. Criador, mas não no sentido de criar vida ou coisas da natureza, mas de criar ferramentas. Eu acho que isso que define muito, talvez, os deuses artífices: eles estão criando coisas que não são da natureza em si, não vão fazer esse papel de natureza. Não estão criando uma árvore, não estão criando as montanhas, o sol ou coisa do tipo; ele está criando ferramentas.

Nilda: A gente acaba muitas vezes lembrando apenas do deus ferreiro, porque foi o domínio do ferro foi extremamente importante para a humanidade em vários aspectos, apesar de a gente já dominar outros metais, mas o ferro é um metal que você consegue levar ao fogo para cozinhar várias coisas, por exemplo. Ele é extremamente resistente. Então a gente acaba ligando muito a isso, mas todas as outras habilidades… se você olhar, se não tem um deus específico que criou todas aquelas, tem a história de um deus que, por algum motivo, criou algumas habilidades que são essenciais à vida: fiar, fazer tecidos, fazer potes de barro, o que seja. Tudo isso é considerado divino, porque realmente, se você sabe fazer um pote de barro que vai durar gerações e você vai conseguir guardar comida ali e a comida vai durar meses, isso veio de deus, porque, a hora que você pensa como aquilo é maravilhoso, você acaba ligando a uma divindade, e aí o ferro, o cobre e tudo mais. Tem muito sentido a gente ter esses deuses e ligar isso a deuses.

Leonardo: E aí, como eu falei, tem aí o Hefesto, essa parte do metal e do fogo são exemplos mais claros quando você pensa assim em um deus artífice ou em um deus ferreiro, mas é interessante que isso se liga muito ao fogo. A gente estava falando a questão da criação de utensílios, de ferramentas, não algo natural, mas acho que a parte mais natural, de certa forma, que se liga é com o fogo, e nisso a gente acaba tendo divindades relacionadas ao fogo. O fogo, quando você para para analisá-lo, é algo amplo, porque ele pode vir desde algo relacionado ao sol, algo relacionado às casas, às moradias, porque você tem que pensar que antigamente você precisava ter um fogo para poder esquentar a sua casa. Então a gente tem, nesse caso… não que faça, uma divindade relacionada a isso, necessariamente uma divindade artífice. Por exemplo, a Héstia não seria necessariamente uma deusa dessa profissão, mas ela é uma divindade do fogo. O fogo é um dos domínios dela, porque é esse fogo caseiro; mas, ao mesmo tempo, também o fogo vai estar ligado à forja, ele vai estar ligado à produção de algo. Então o fogo, o elemento fogo é algo amplo, e nisso ele vira algo muito importante para essa classe de divindades que criam ferramentas. Ferreiro é indispensável para isso. Então, nesse caso, a gente tem Héstia como uma divindade do fogo e Hefesto também, sendo que Hefesto sim é um exemplo de deus artífice, um deus ferreiro. Então você vê: deuses bem diferentes, mas os dois ligados ao elemento fogo, porque o fogo em si é algo amplo.

[Trilha sonora]

Leonardo: Bom, já estamos falando do Hefesto, já vamos entrar nas mitologias, então falar mais a fundo dele. Ele era considerado – que é o que o marca muito – uma divindade feia e muitas vezes considerado o deus mais feio. Pelo menos dos deuses famosos, realmente ele seria o mais feio, porque principalmente divindade grega é sempre aquela coisa marcada de ser algo em beleza. Vai ter os principais, tipo Afrodite e Apolo, que marcam bem isso, mas todos ali… tipo, você é uma divindade grega? Você é bonito. Não tem como escapar disso. O padrão deles é alto já ali, então Ártemis, que não foca tanto na questão da beleza, é mais nas habilidades dela, também seria uma deusa bonita porque é o padrão. Agora, o Hefesto já não. O Hefesto foge desse padrão: ele é uma divindade feia. E não só isso, ou melhor, adicionando a isso, complementando isso de ele ser feio é a questão de ele ser deficiente: ele era coxo. Então aí mostra também aquele aspecto de: os deuses são bonitos e são perfeitos, são simétricos, corpo perfeito e não teriam nenhuma deficiência; o Hefesto foge à regra, ele é feio e deficiente, ele era coxo.

Juliano Yamada: Tem um detalhe importante em relação ao Hefesto, que por mais que ele seja considerado um dos deuses que tem a aparência mais feia, mais destoante em relação aos outros, é interessante ver que o Hefesto está presente em praticamente todas as lendas em relação aos deuses gregos e que ele é requisitado por praticamente todos os deuses do Olimpo. Quer dizer, a importância dele é muito grande, apesar de a aparência dele não ser aquém aos outros deuses. Tanto que, se não me engano, o casamento dele com a Afrodite foi meio que para evitar uma guerra entre os outros deuses do Olimpo, pelo que eu lembro.

Leonardo: Tem uma versão que mostra que não se sabia quem iria ficar com a Afrodite. Eu não sei quem é o autor disso, mas tem um negócio assim. A Afrodite seria uma deusa desejada por todos, então com quem vai ficar? Aí ela fica com o mais feio. Isso tem muito simbolismo, essa ideia de ela ficar com ele. E dentro da narrativa pode entrar essa questão do acordo, mas o simbolismo que isso tem é… alguns autores tentam explicar – isso não é algo firmado – que é meio que aquela ideia complementar. E ele teria muitas habilidades, ele é um deus criador, ele é meio que até astuto em si, nesse aspecto, só que o falta a beleza exterior, falta o complemento, então ele se une à deusa da beleza. Tanto que isso nele é bem forte, porque ele teve outras esposas – agora eu não vou lembrar se é tipo Zeus, que realmente teve várias, ou se são versões das narrativas – que também seriam bonitas. Ele esposou uma das Graças. Ele tinha um puta carisma, de certa forma, se for ver, porque ele seria feio, mas tem um puta xaveco ali, porque ele tem outras esposas bonitas. Então mostra muito aquela ideia: tem bastantes habilidades, mas lhe falta beleza, então ele complementa essa beleza com a companheira dele, e a Afrodite seria o ápice disso, que é a deusa da beleza, porque é a deusa do amor. Em contrapartida, ele também a complementaria. Aí isso eu acho que já força um pouco, mas ok, que seria a ideia de ela só ter a beleza e não ter nenhum conteúdo, então complementaria. Eu não acho que a Afrodite se encaixe exatamente nisso, naquela ideia de ter beleza e não ter mais nada, mas alguns autores fazem isso: um complementa o outro.

Nilda: Ela não é só a deusa da beleza; ela era a deusa do sexo e ela sabia fazer, e isso é uma habilidade.

Leonardo: Sim. Eu acho que resumir a Afrodite só como uma deusa bonita, aquele estereótipo clássico de só ter aparência, eu acho que é muito simplista. Agora, para o Hefesto, faz sentido isso, porque do Hefesto é declarado mesmo que ele tem muita habilidade, mas ele é feio, então isso o marca muito. E o Hefesto – isso que o Yamada falou é bem interessante – aparece em vários mitos bem com essa questão de auxiliar, porque em algum momento ele cria algo. Na mitologia grega, é comum a gente ver a questão das gerações, então Urano, depois Cronos, depois Zeus e, com isso, outros deuses também, em questão de postos: tem o deus do oceano, depois tem o próprio Oceano em si, o deus Oceano, depois, por fim, tem o Poseidon. O Hefesto de certa forma acaba sendo uma continuação dos ciclopes – mais para a frente a gente se aprofunda -, porque os ciclopes tinham essa questão de ser ferreiros e a gente vê também os ciclopes sendo essa questão de auxiliar as divindades, criando arma, criando esses utensílios. Em seguida, depois, vem o Hefesto fazendo isso. Tanto que tem versões que colocam os ciclopes como os que trabalhariam para o Hefesto, algo assim, então colocam o Hefesto como o principal mesmo, e, nisso, para criar as diversas ferramentas e armas, ele aparece em várias narrativas, mas ele em si só é legal que tem já um porquê de ser como é, porque é dito que ou ele nasceu feio ou ele ficou feio – tem essas duas versões. Ou ele nasceu feio e aí o jogaram para longe; e tem outras versões que mostram que ele nasceu normal, ok, sendo filho de Zeus e Hera, e, em uma briga do casal, ele se pôs em defesa de Hera e aí Zeus acabou o atacando, batendo, também o empurrou para longe, sendo expulso e o deixando todo estragado, todo quebrado, todo torto, que é como ele é posto, de ser torto. Então tem essas duas versões, mas de qualquer maneira sempre mantém isso, de ele estar fora. Ele é um dos olimpianos, mas é sempre: ele foi jogado para fora. Na outra versão, na qual ele já nasceu feio, mostra que ele foi realmente jogado fora por ser feio. E aí outra versão também diz que, na verdade, ele não é filho de Zeus e Hera, ele é filho apenas de Hera. E aí é interessante que você encontra que é dito que ele não nasceu do amor, porque Hera ficou puta com Zeus por ele ter tido Atena sozinho, porque tinha engolido a Métis e tudo, e aí depois de um tempo que nasceu a Atena. Então a Atena seria filha só dele, e aí Hera ficou puta com isso, então também quis ter um filho só dela: “Esse filho não vai ser nosso, vai ser meu. Não vai ser nascido do amor”, aí o teve. É uma versão bem agressiva mesmo, você vê que Hera fez por maldade mesmo ali, e nasceu o Hefesto dessa forma e aí foi jogado para longe.

Juliano Yamada: É interessante pensar nisso, também levar em consideração: se essa característica dele fosse a mais aceita, o que se estranha é que o Hefesto dá muito mais atenção aos pedidos de Zeus em relação aos artífices do que à Hera. Ele quase não aparece interagindo com ela. Isso que é até interessante absorver.

Nilda: Uma coisa que é interessante é que, depois de um certo tempo, para os gregos, pelo menos para a elite grega, o trabalho manual não era considerado… era um trabalho vergonhoso. Quem fazia o trabalho manual ou era escravo ou era estrangeiro. E aí você tem um deus que é colocado lá fora, e ele é o deus que está dentro da definição dele que ele faz trabalhos manuais. Os outros podem fazer ou não se quiserem, mas a principal característica dele é ser ferreiro, ser artífice, mexer com as coisas. Então isso eu acho interessante, o fato de ele ter sido colocado fora, e os gregos, a elite grega ter isso com a questão de que, se você é da elite, você vai trabalhar administrando as coisas, fazendo política e fazendo filosofia, ou estudando matemática, o que quer que seja, e não faz trabalho manual. E o Hefesto é o mais feio e é o que não fica no Olimpo – e ele faz trabalho manual.

Juliano Yamada: Tem um ponto importante até para considerar na história humana também: a maioria dos povos humanos que se utilizavam do bronze, na Idade do Bronze, faziam uma liga com uma mistura de arsênio junto. Até estava olhando, acabei encontrando isso. Então os ferreiros, por causa da lida muito constante com metais e a forja, e eles não tinham conhecimento, naquela época, para gases tóxicos – gases tóxicos de longo prazo, porque os de curto prazo eles até tinham uma noção – de longo prazo, que causavam males com constante inalação, mas que você só iria perceber os efeitos muitos anos depois, uma característica importante é que esses ferreiros, naquela época, tinham a tendência a ficarem mais deformados, porque respiravam muitos gases tóxicos, entre eles o arsênio, que acabava sendo liberado na forja do bronze, e também que, por você estar trabalhando com forja, fogo, materiais pesados e tudo mais, a chance de você ficar deformado por acidente, entre eles coxo, porque qualquer acidente vai atingir a sua coxa primeiro, também era muito grande. Então o visual do ferreiro humano é muito mais parecido com o visual com que o Hefesto é apresentado.

Leonardo: Outra coisa que eu já ouvi também dizer, e eu acho que complementa isso, acho que não são excludentes, é que é aquele negócio: se você tem ali principalmente, isso específico, para o homem – tanto é que a gente vê sempre ferreiros, não vê ferreiras ali na questão dos mitos -, você é homem, teoricamente cedo ou tarde você vai ter que entrar para o exército, você vai para a guerra. Mas, se você é coxo, se você tem alguma deficiência, muitas vezes não é útil, você não vai conseguir segurar muito bem a arma e coisa do tipo, então muitas vezes restava a você produzir as armas. Eu já ouvi também essa ideia.

Nilda: É, e só complementando: não só, a pessoa com uma certa deficiência, não pode ir para a guerra, como, dependendo do caso, ela não pode caçar também, que é outra função extremamente importante. Ela tem que fazer outra coisa.

Leonardo: Tanto isso quanto o que o Yamada falou casa também com a apresentação de ferreiros em outras mitologias. Indo rapidamente ali para a nórdica, a gente tem os anões sendo ferreiros, então a gente tem isso aí: a pessoa não é um corpo padrão da sociedade e ela se torna ferreira. Aí, no caso, não é que eles fossem deficientes em si, porque era uma raça específica, mas mostra-se bem que eles não são formato padrão das divindades, nem de elfos, nem de humanos; são algo específico. E, nesse sentido, é o anão de fantasia medieval que a gente conhece, voltados a fazer ferramentas e armas e a viver em grutas, sendo que isso de viver em grutas é muito coisa de ferreiros, porque o próprio Hefesto também tinha isso, porque é o local onde vai fazer a oficina dele. E aí nos nórdicos a gente tem os anões e com várias narrativas. Se você for parar para ver, os anões são o Hefesto ali nos nórdicos, no sentido de serem algo afastado. Eles não necessariamente eram excluídos em si, mas eram afastados. Como eu falei, não são humanos nem divindades, mas ainda assim estavam a serviço dos deuses. Praticamente toda e qualquer joia ou ferramenta ou arma que a gente tem na mitologia nórdica vem dos anões ali forjando, seja a lança de Odin, acho que até aquele anel dele é dos anões. E legal que não fazem só ferramentas comuns ou ferramentas que são fodas na função delas em si. São coisas mágicas: anel que se transformava em vários ou a arma mais famosa nórdica, que é o martelo de Thor. Foram os anões que fizeram e é sempre a pedido dos deuses.

Nilda: E eu acho interessante, porque você fala dos anões dos nórdicos, mas, se você pensar, quem trabalha com mineração, que vai trabalhar desde pequeno com mineração, normalmente tem que ser uma pessoa menor mesmo, mais baixa, anã ou, até pela alimentação e pelas coisas, acabam sendo crianças, pessoas menores, porque, dependendo de onde você vai minerar, você tem que cavar atrás da mineração, entrar em cavernas, entrar em minas. Pessoas muito grandes não servem para trabalhar nesses locais; você tem que ter pessoas menores mesmo. Mesmo que não sejam anãs geneticamente, você tem isso, que você precisa ser uma pessoa mais baixa. Às vezes não é nem uma coisa de ser anão mesmo como a gente conhece. Apenas, para esse trabalho, é um tipo físico bem requisitado, mesmo que não tenha deficiência física.

Leonardo: Então nesse caso, nesse exemplo dos nórdicos a gente sai do quesito divindade, mas a gente mantém todo esse mesmo aspecto. Até agora não estou lembrando de cabeça uma divindade nórdica ferreira. Porque nos nórdicos a gente tinha falado a questão do fogo. Uma divindade do fogo dos nórdicos é o próprio Loki, para você ver como o fogo é algo amplo, e ele não tem nada da questão de ferreiro em si, ele não faz esse papel. Mas os anões é que fazem muito isso aí. Aproveitando que a gente está falando de anão e em um sentido nórdico ou fantasia medieval, e vocês dois conhecem bem, no mundo do Tolkien, do Senhor dos Anéis, na Terra Média, os anões também têm muito esse aspecto mesmo.

Nilda: Sim, apesar de você ter elfos também extremamente habilidosos, que é o caso dos Noldor e do Feanor, mas os que nascem, praticamente da terra, para serem ferreiros são os anões: são criados pelo Aulë.

Juliano Yamada: É curiosa a forma como ele cria os anões, porque ele meio que está com pressa para ver como a criação dos filhos de Ilúvatar: ele acaba criando algo que ele imaginava que seria parecido, então ele não tinha noção nenhuma de como seriam, tanto que, se não me engano, acho que nos primeiros escritos mostrava que as mulheres anãs também tinham barba, porque ele não sabia a diferença entre homens e mulheres. Então quando ele fez um, não fez diferença. E aí, quando Eru descobriu, olhou aquela criação dele e repreendeu Aulë: pegou um martelo e estava pronto a destruir a criação dele, só que Ilúvatar impediu e falou: “Não, você acabou de dar a chama eterna da vida para eles, só que eles não vão acordar agora; eles vão acordar quando for propício”, e aí Ilúvatar acabou levando os anões embora.

Nilda: A principal habilidade dele era de criar montanhas, criar metais, criar a terra. Ele era casado com a Valar, que criava a vida: criava árvores, plantas e animais, e ele criava a terra, as montanhas, as cavernas, o ouro. Tudo isso era criação dele. Ele moldou a terra. Os seres criados por ele têm habilidades com isso, com o que vem da terra.

Leonardo: Eles são uma extensão dele, mantêm esse aspecto. E é interessante ver essa origem deles, que dá a entender que eles seriam realmente seres incompletos, não são aquela coisa muito bem-feitas em si, não estão 100% ok, passando um pouco a ideia de que não estão na sua forma perfeita.

Nilda: E mesmo assim merecem existir.

[Trilha sonora]

[Bloco de recados]

Leonardo: Bom, e aí a gente agora vai para os egípcios. Querendo ou não, é muito comum ir para essas três mitologias – apesar de que mais para a frente a gente vai falar aí de um bem importante na relação de metais. Mas agora nos egípcios a gente tem o Ptah, que é considerado o deus dos construtores. Isso eu achei bem interessante. Quando a gente está na questão dos artífices nos nórdicos ou nos gregos, a gente vai muito para esse lado do ferreiro, mas agora, para os egípcios, a gente vai para essa ideia de construção – não fica especificamente em metal. Na verdade, até o Ptah está mais associado a obras com pedra. Querendo ou não, no Egito a gente tem algumas construções bem famosas em pedra.

Nilda: Mas aí é aquela coisa: a civilização egípcia surgiu bem antes do domínio do ferro. Eu não sei se eles já tinham domínio do cobre e do bronze, mas na história egípcia fala, se não me engano: os hicsos foram um povo que dominou o Egito, porque, quando eles chegaram lá, eles chegaram com o domínio do ferro, que os egípcios não tinham.

Juliano Yamada: Os egípcios usaram quase toda a cultura deles mais antiga, que é daquele do Alto Egito – eu não lembro se era Alto ou Baixo Egito…

Leonardo: Alto Egito é o que fica embaixo e o Baixo Egito é o que fica no alto, perto da Grécia.

Juliano Yamada: É que eu sempre confundo: fica ao norte, que era a civilização mais comercial, que tinha mais contato com outras civilizações.

Leonardo: É o Baixo.

Juliano Yamada: É o Baixo, e ela era mais antiga. Toda aquela cultura de pedra, toda aquela cultura de artífice deles foi baseada em cima de ferramentas de bronze. As ferramentas de bronze se desgastavam a tal ponto que muitos artesãos (inint) [00:29:55] cinco, seis ferramentas idênticas, porque eles sabiam que, durante todo aquele trabalho, eles iam perder várias ferramentas.

Nilda: Porque é mole.

Juliano Yamada: O bronze tem uma dureza mais baixa, então, para construir em cima do arenito, em cima do calcário, ele vai se desgastando mais que o ferro. O ferro também se desgasta. Ele aguenta mais, mas ele também se desgasta, é só você olhar ponteiras de gente que trabalha com cantaria. Cantaria, para quem não sabe, é a técnica que é usada até hoje para fazer aqueles paralelepípedos de calçada, que usam a mesma técnica de corte que se usa há milhares de anos. Para quem já viu um vídeo de gente construindo cantaria e vai comparar com técnicas que arqueólogos descobrem em culturas mais antigas, vai ver que são muito parecidas: ainda usam os mesmos procedimentos e ferramentas muito parecidas.

Nilda: É, porque o básico para você trabalhar com pedra é você saber em qual ângulo você tem que bater para ela quebrar do jeito que você quer, então você tem que conhecer pedra a pedra: você bate de que jeito para ela cortar do jeito que você quer. E esse é um conhecimento muito antigo na humanidade. Os incas construíram no Peru, em toda a Cordilheira dos Andes. Eles não tinham ferro, mas eles conheciam pedra e sabiam onde cortar, onde eles tinham que bater para construir, para poder fazer os blocos para construir. Isso tem que observar. Isso é observação, tentativa e erro. A hora que você achou o jeito certo, você vai, e aí só vai passando conhecimento para a frente.

Juliano Yamada: Então como os egípcios tinham toda a tecnologia deles baseada no bronze, quando culturas que eram baseadas no ferro, que eram raras, mas existiam – o ferro era um metal mais difícil de ser trabalhado, então ele era mais caro de se produzir e tudo mais -, começaram a invadir os egípcios, eram armas de ferro, flechas, lanças, espadas que conseguiam transpassar o bronze com muita facilidade. Mas como eram armas mais caras, eles não tinham uma quantidade para formar exércitos que conseguissem suplantar os egípcios. Deu trabalho para eles, eram armas diferentes, mas, como era uma técnica mais difícil de ser trabalhada, você não tem aquela popularização, tanto que se sabe que a popularização do ferro é mais de base moderna do que antiga.

Nilda: Sabe uma maneira que os egípcios conseguiram trabalhar com mais ferro, e foi por isso que eles conseguiram retomar o domínio no reino? Quando esse conhecimento chegou ao sul, mais perto da nascente do Nilo, e os povos ali dos reinos de Axum e outros reinos que tinha ali ao sul viram: “Mas esse metal tem aqui” – você tem na África Subsaariana algumas minas de ferro -, e aí eles conseguiram fazer. Mesmo assim, o ouro era mais abundante que o ferro, mas, quando chegou a metalurgia do ferro na África Subsaariana, ela foi bem difundida, porque você tinha mais metal de ferro ali do que você tinha no norte da África, que tinha mais areia do que mineração. Tanto que, quando os egípcios retomam o reino dos Hicsos, o pessoal fala: “Os Hicsos eram mais claros, aí retornaram os faraós mais negros ou morenos”, tem essa questão até da cor.

Leonardo: Bom, e aqui, para fechar, então, sobre essa divindade, o Ptah, que é o nome mais conhecido dele – também tem outros nomes, que são Tatenen, Tanen, (inint) [00:33:52], são todos os nomes dele -, é considerado o criador e o patrono de Mênfis, uma das cidades ali do Egito. Aí também tem a questão de juntá-lo com outras divindades, com uma outra que também seria um deus construtor ali, que é o Seker – aquela bagunça clássica dos egípcios. Tanto que é dito também que ele seria o criador de Rá, que normalmente você vê como uma divindade suprema, entre aspas, ali ou divindade criadora, tudo; você tem às vezes colocando Ptah como criador de Rá. Eu não duvido. Não sei agora, não parei para pesquisar, mas não duvido de isso vir de Mênfis, já que Mênfis era o local de onde ele era o patrono, então o coloca mais acima nesse local. Foi casado com a Sekhmet – a Sekhmet é a deusa leoa. Por ser a Sekhmet, que está relacionada com a Bastet, então às vezes altera qual versão, qual esposa é a dele, se é a Bastet ou a Sekhmet, porque às vezes é a mesma, então tem essas misturas. Ouvinte, se você não percebeu pelo nome, Ptah é um que é uma múmia. Ele é representado como uma múmia, normalmente acho que de perfil e segurando ali o cetro, com o ankh. Não confundir com Osíris, que muitas vezes é representado assim, como múmia, mas o Ptah também é assim.

Nilda: É interessante ele estar segurando ankh e djed e ser também representado como uma múmia, porque são todas artes. Ou seja, é um deus realmente das artes práticas, que servem para o dia a dia.

Leonardo: E ele teve essas esposas, e um dos filhos dele é o Imhotep – muita gente já conhece esse nome.

Juliano Yamada: Imhotep, para quem não conhece exatamente esse nome, por mais que ele seja mais popularizado pelos filmes do Brendan Fraser, ele é a quem é atribuído o projeto das pirâmides. As pirâmides, entre aspas, modernas, que têm a construção piramidal mais com tecnologia mais precisa e tudo mais, ele foi um dos primeiros que idealizou e popularizou o uso das pirâmides. A Pirâmide de Saqqara – para quem não sabe qual é a pirâmide de Saqqara, é uma pirâmide que tem seis degraus, ela é em degraus, gigante, acho que tem mais de 60 metros, e ela está de pé até hoje. Ela tem uma tecnologia tão boa quanto as três principais pirâmides.

Leonardo: É um barato que você fala assim: “As pirâmides mais modernas”. Há quantos mil anos?

Nilda: As mais modernas de quatro mil anos atrás. É isso, três a quatro mil anos atrás. Não, depois ele acabou virando também ligado à medicina. “Ah, você fez as pirâmides, você virou deus, vai virar deus da medicina também para ficar bem contemplado entre os deuses”.

Leonardo: E nisso aí você vê: é um deus ferreiro, um artífice, é um deus construtor. Então mostra que são seres, são divindades que têm habilidades, têm várias habilidades. Então é isso que acho que é o que torna todos eles em comum: tem seres que têm várias habilidades. Por exemplo, até você vê, na mitologia hindu, o Varuna. Ele é um deus arquiteto e ferreiro. Ele tinha um conhecimento infinito. Ele arquitetou muitas coisas ali da natureza em si, ele organizou o ciclo do sol, os rios, colocou-os no local certo, as fases da lua. Ele que foi moldando tudo ali, a criação. E o Varuna é bem importante. Se considerar principalmente que em mitologia hindu tem 300 milhões de deus, Varuna é bem famoso, é bem conhecido, é bem importante.

Nilda: E ele deve estar bravo, porque ele é encarregado de nunca deixar o oceano ficar cheio demais. A humanidade está aí abusando do meio ambiente, ele falou: “Ah, é? Eu vou deixar vocês fazerem do jeito que vocês estão” e agora estamos aí com os oceanos subindo e ilhas desaparecendo.

Leonardo: Olha só.

Nilda: É, deve ser vingança de Varuna. Quase certeza.

Leonardo: E aí, nesse caso, isso que é interessante. Aí a gente já começa a ver as diferenças das culturas: o Hefesto, por mais que apareça em diversas narrativas, é um deus deixado de lado, digamos assim. Ele trabalha para os deuses. O Varuna não, o Varuna já tem importância mesmo, ele se tornou o rei dos deuses. Isso, claro, se você for pegar uma tradição. Ele que cuidava do destino dos homens. Era a questão de ser o principal. E aí, em uma das narrativas do Varuna, é dito que houve um monstro que desafiou os deuses – muitas vezes você vai encontrar como demônio hindu, que é comum, isso, mas é a raça que sempre desafia ali os deuses, os antagonistas. Me fugiu agora o nome da raça em si. E aí ele desafiou os deuses e, consequentemente, desafiou o Varuna. Porém, era dito que… uma profecia mostrava que o Varuna não iria conseguir vencê-lo. O único que seria capaz de vencê-lo seria uma outra divindade, que era o Indra, que ainda estava para nascer, e, depois de vencê-lo, iria pegar o lugar do Varuna. Aí o Varuna tentou impedir o nascimento do Indra, mas não conseguiu. Aí o jovem deus nasceu e, tendo poder sobre os raios e tempestades, venceu o monstro e se tornou o novo rei dos deuses. Tem um quê de mitologia grega aí, não é? De impedir para nascer, aí nasce, aí pega o lugar, isso meio que está distante, mas não tanto. E aí o Varuna acabou se tornando o rei dos oceanos e o senhor da noite; aí que ele dividiu o céu com o Suria, que é o deus do dia. Um da noite e o outro do dia.

Nilda: Se você pensar que toda a maior saga hindu é toda a questão de um povo guerreando com o outro para dominar, e aí você pode ver nisso também a questão de um povo sendo subjugado pelo outro, mas é subjugado, mas não é extinto. Então o deus continua existindo, mas o deus do outro povo é que é o superior, que isso que acontece muito em muitos lugares. Aí um deus perde o atributo dele por algum motivo e, normalmente, a explicação é que o povo dele não é mais o que domina.

Leonardo: E aí a gente também tem, para os hindus, o que é considerado o primeiro ferreiro, que é chamado de Brahmanaspati – ele que forjaria o mundo. Só isso, só forjou o mundo. Meio semelhante até à própria questão do Varuna, que foi criando o mundo em si, foi ajeitando tudo ali. Isso é interessante. Mais uma vez, vendo essa comparação com outras culturas, nos gregos a gente tem também criação das coisas em si, vai ajeitando o mundo mesmo, mas a gente não coloca o ferreiro fazendo esse papel, porque é aquilo que a gente falou: para os gregos, o trabalho braçal não era algo digno em si, então você não vai dar ênfase em alguém que faz isso. Já no dos hindus, eles mostram que ele forjou o mundo, dá ênfase nisso. Ele não só criou, ele foi forjando. É a questão do valor que se dá a determinada habilidade.

[Trilha sonora]

Leonardo: Mudando agora de mitologia, a gente vai para os celtas, e aí a gente tem o deus céltico do martelo. A gente o chama assim, o deus do martelo, porque ele não tem um nome registrado. No caso, ele é um deus gaulês e tem algumas imagens dele, mas não tem o nome em si dizendo quem seria.

Nilda: A gente sabe que termina em -ix, porque é gaulês. O nome deve terminar em -ix. Mas, fora isso…

Leonardo: E a aparência dele: é um homem de barba, só que não é algo assustador nem nada ali, não seria necessariamente feio em si, mas ele carrega um martelo. Também é uma ferramenta básica de ferreiros.

Juliano Yamada: A parte de o nome dele ter se perdido era uma característica interessante em relação aos celtas em si, porque eles não tinham o costume – apesar de que alguns faziam, mas não era padrão – de fazer registros escritos. Como boa parte da cultura deles era passada verbalmente, o que sobreviveu da cultura céltica é basicamente quase que inteiro o que os romanos registraram da cultura deles, tanto que, se não me engano, acho que até o nome dele, que é Sucellus, é um nome romano – o nome do deus do martelo pelo qual era conhecido pelos romanos.

Leonardo: Então ele teria só epítetos, teria formas de chamá-lo, mas não saberia realmente quem é. Eles acabam fazendo uma identificação com algumas outras divindades, como Dagda, que é uma divindade já celta também bem conhecida, mas pelo menos tem-se os registros dele, a imagem, iconografia, tudo.

Juliano Yamada: Engraçado que aquele martelo que ele carrega, que é chamado de malho, por mais que você olhe e pense que é um martelo de guerra, aquele é um martelo mais alto, pelo que dá para ver. Ele tem um cabo mais comprido, mas ele não era feito exatamente para utilização na guerra, mas sim na própria forja. Os japoneses usavam muito um martelo parecido, que facilitava o golpe e a forja porque ele afastava o ferreiro do calor intenso. Ele é um pouquinho mais comprido, dava uma distância melhor para o ferreiro e não dava tanto problema na hora da forja.

Nilda: O malho é um tipo de martelo grande até hoje utilizado para trabalho pesado. Sei lá, você precisa afundar madeira no solo, você usa às vezes malho ou coisas desse tipo para o trabalho bem pesado, mesmo que não seja na forja. Você precisa daquilo para fazer a base ou a fundação de alguma coisa quando tem que ser manual.

Leonardo: Bom, indo para uma outra mitologia, a gente vai agora para os maias, onde a gente tem o Huracán, que é um dos três principais deuses da mitologia maia – então aí mais uma vez indo para uma que dá bastante ênfase nessa divindade -, mas ele não era só um deus ferreiro, e sim ele era considerado o deus dos ventos, das tempestades e do fogo. E aí, com isso, ele está relacionado à construção e destruição vinda da natureza, porque querendo ou não são elementos destrutivos. O próprio vento e a tempestade, isso dá para você relacionar com o fogo. Com isso, era um deus poderoso e bem temido.

Nilda: Não à toa deu origem ao nome furacão. Inclusive, naquele filme 1492 é muito interessante, porque conta que, na segunda viagem de Colombo, se eu não me engano, de repente os indígenas da ilha de São Domingos começam a fugir – eles olham o céu e começam a fugir -, eles não entendem o que está acontecendo e aí chega um furacão ali e os espanhóis se ferram todos. Não morrem todos, mas eles passam um perrengue, que eles não estavam acostumados a saber que estava chegando para (ver) [00:45:35]. E aí, quando perguntavam o que era aquilo: “É Huracán”.

Juliano Yamada: É interessante que o Huracán é associado ao Grande Dilúvio dos maias. Ele estava insatisfeito. Na verdade, ele foi mais específico: na lenda maia, o Grande Dilúvio matou todos os humanos sem deixar nenhum ser vivo e a criação foi refeita do zero, basicamente porque o Huracán ficou insatisfeito com a primeira criação. Ele era já mais conciso, ele deu um format C: mais decente.

Leonardo: Começou do zero, não manteve nada.

Juliano Yamada: Não manteve backup, formatou tudo.

Nilda: É por isso que ele não é só da destruição, ele é da destruição e da construção também. Aí a gente só lembra dele por causa do nome furacão, mas ele também era da construção e da reconstrução.

Juliano Yamada: Ele foi quem repassou o conhecimento do corte das pedras para os maias. Quando refez a criação, ele ensinou ao povo: “Olha, vocês vão ter que construir desse jeito, então eu ensino as formas como vocês devem utilizar para construir”. Então os templos e tudo mais eram construídos baseados nos ensinamentos deles.

Leonardo: Então aquilo que a gente falou anteriormente de eles saberem como cortar certinho a pedra e tudo vem dele?

Nilda: Faz todo o sentido, se ele está reconstruindo e falou: “É para vocês aguentarem, se tiver outro furacão”.

Leonardo: “Senão vou rebootar tudo de novo”. Bom, o próximo que a gente vai falar, já que a gente está falando de ferro, de ferreiro, de metalurgia, a gente tinha que falar de Ogum, e esse é bem conhecido aqui por ser de origem iorubá.

Nilda: O Ogum é o orixá ferreiro por excelência, e ele é descrito como sendo ferreiro mesmo, não é descrito como sendo oleiro ou alguma outra coisa. E ele que ensinou aos homens o segredo da forja, o segredo de conseguir mexer com os metais – o ferro principalmente. Ele é um deus guerreiro, um deus conquistador, mas aqui no Brasil principalmente ele é muito mais lembrado como esse deus da forja, que ensinou a fazer não só a espada, mas ele ensinou a fazer o facão, ensinou a fazer a enxada, o machado, todos esses equipamentos para melhorar a agricultura e para melhorar a vida das pessoas. Então tem várias histórias. É engraçado, porque as histórias dele de conquista falam que ele é um conquistador, ele formou exército; com o exército dele, conquistou, aquela coisa toda. Mas as histórias dele como ferreiro, normalmente, as principais, são uma cidade ou um orixá, alguém estava precisando aumentar a produção de alimentos por qualquer motivo que seja, e aí vão, acabam indo conversar com Ogum e Ogum os ensina a fazer alguma ferramenta. Em uma das primeiras histórias, Ogum vai com o facão dele de ferro. Os outros orixás tentam cortar com os facões que eles tinham de cobre e tudo mais e, quando ele chega com o facão dele de ferro, ele limpa um terreno enorme que permitiu plantar mais alimentos, e aí ele ensina a usar o ferro. Em outras histórias, tem reis de cidades precisando aumentar a produção de alimentos, eles fazem oferenda a Ogum ou chamam Ogum até a sua cidade e ele ensina, ele faz as outras ferramentas que tem que fazer. Então ele é considerado um orixá realmente ferreiro, e ferreiro que faz as coisas para melhorar a vida das pessoas, não é apenas o ferro utilizado para a guerra ou para resolver rixas entre pessoas; é para melhorar a vida das pessoas.

Leonardo: E eu achei interessante essa questão de ensinar. Ele está ali não só criando, ele não é só a questão de criar uma ferramenta, mas é muito a questão da habilidade mesmo. Ele não só estalou o dedo e criou ali as ferramentas. Não, ele forjou a ferramenta e ensinou a humanidade a usar. E também não é aquela coisa assim: ele fez a agricultura. Não, não é isso, ele fez a ferramenta para as pessoas utilizarem melhor. Então é bem a ideia de ter melhorado.

Nilda: Isso é uma coisa muito interessante, você tem no candomblé e na umbanda, que sempre tem um complementando o outro. Então de repente ele casa, em uma época, com Iansã – ou Oyá -, porque ela é a orixá dos ventos, então ela ajuda a aumentar o fogo da forja com os ventos dela, tem isso. Aí ele vai com outro orixá e ensina a abrir o mato para se plantar e ter mais inhame, e ter mais outras coisas. Aí aquele orixá mais ligado à agricultura fica grato a ele por causa disso. Então você tem todas as histórias com isso, e isso é muito interessante. Lendo sobre candomblé e escutando, os orixás têm muito isso. Eles também têm brigas entre eles, mas eles têm muito também essa da cooperação: um orixá ligado ao outro, tanto que dificilmente você tem uma festa para um orixá… você tem a festa para aquele orixá, mas às vezes você faz uma oferenda para os orixás que são mais próximos a ele naquela festa, que são mais chegados e tal. É bem interessante. E Ogum é muito isso, ele é conquistador, mas, mais do que isso, principalmente as histórias que ficam no Brasil são as histórias de ensinar como fazer para não passar fome, que, se você pensar como os africanos chegaram ao Brasil, foram trazidos para cá, você cultuar um orixá que não te deixa passar fome é muito forte.

Leonardo: É interessante ver esses dois lados. Não são opostos, acabam se complementando: ele ser guerreiro, está tudo relacionado ali com o ferro e com ferramenta, que, querendo ou não, ferramenta para se tornar uma arma em si, então é algo próximo mesmo. Não é distante. Mas, se você comparar com outros, às vezes em outras culturas, em outros panteões você vai encontrar uma divindade da guerra e só ali, em si. Vai ter armas, mas ele não necessariamente é quem faz as armas. Nesse caso, você tem esse lado conquistador. Isso é interessante também, eu sempre ouço ele não só como guerreiro, não só como um orixá da guerra, mas como um orixá guerreiro e conquistador. Eu vejo dar muita ênfase nessa questão de ser conquistador, mas aí para cá tem essa ideia de ele ser relacionado às ferramentas, ao ferro em si.

Nilda: Então, ele conquista várias cidades e, aparentemente, conforme foi conquistando, ele foi levando conhecimento também. Nas histórias dele, ele conquista cidades, mas, na verdade, no final, ele não fica como rei de nenhuma cidade. Ele vai levando, meio que passando aquele furacão, levando conhecimento e levando as coisas dele. Ele é muito briguento, ele é meio difícil de domar, mas, quando ele pega: “Não, você me agradou”, ele ensina tudo.

Leonardo: Em geral, eu vejo: ele é um orixá bem famoso e bem importante, eu vejo dar-se muita ênfase a ele. Então, ouvinte, como a gente sabe que questões de origem africana têm muitas variedades, principalmente vindo aqui para o Brasil, se você conhecer alguma característica mais específica, mais diferente relacionada a Ogum, fale aí, porque a gente sabe como, quando veio para cá, foi mudando algumas coisas, foi crescendo, foi ampliando mais. Fique à vontade de falar também, se você é da religião.

Nilda: Todas as vezes que eu li, nunca se tira esse lado conquistador e briguento dele, mas é o que eu falei: aqui no Brasil, você conta essas histórias, mas normalmente o povo de santo gosta mais de ressaltar a questão dele como o que traz a ferramenta que ajuda a produzir mais alimentos, mas pode ser uma característica ou pelo menos uma característica de onde eu li as coisas.

[Trilha sonora]

Leonardo: E, ouvinte, a gente falou de algumas divindades, mas essa é uma classe de divindade que é extensa, é muito extensa pelas características que a gente falou no início, por estar muito relacionada com o fogo. Se você for pesquisar alguma lista de deuses ferreiros ou deuses artífices – só deuses ferreiros, que aí vai ser mais focado nessa parte de metalurgia, já tem muito, já tem bastante mesmo. E muitas vezes você vai encontrar também que determinada divindade é também uma divindade do fogo. Isso vai ser bem comum. Porque é uma coisa que eu sempre defendo: você não pode pegar os panteões e colocar como se fosse panteão de rpg, de D&D: “Esse é o deus disso, aquele é o deus daquilo e cada um com uma profissãozinha”. Na verdade, são habilidades, são as características, então a gente vai ter a deusa Bastet, que é a deusa egípcia que a gente falou lá que era esposa do Ptah – uma versão a mostra como esposa do Ptah -, ela também às vezes é posta como uma deusa relacionada a esse domínio, de ser uma deusa ferreira. A gente vai ter vários. Nesse sentido, até o Loki, que a gente tinha falado que não tem muito assim, por ele ter a questão do fogo, às vezes se relaciona a isso. Então aqui no episódio a gente fez questão de mostrar os exemplos mais óbvios, os exemplos que mais passam isso aí, então a gente falou do Hefesto – desde o Hefesto até o Ogum, que, ao meu ver, são os exemplos mais claros disso.

Nilda: Eu falei do Ogum, sobre a questão de ele criar os instrumentos. Uma coisa que a gente tem que ver com deuses artífices, que às vezes não é muito falada, a gente só fala de grandes instrumentos ou grandes construções, mas a invenção de instrumentos simples como panelas de ferro, caldeirões de ferro ou de bronze, que você tem o cobre e tudo, isso são grandes avanços para a sociedade. Poder garantir uma comida de qualidade ou melhor cozida, isso para a humanidade é uma grande coisa. E esses deuses, ao ensinarem a humanidade a mexer com metal, acabam trazendo esse tipo de coisa também. Então, como eu falei do Ogum, da questão da agricultura, mas a questão de qualquer instrumento que você vá usar no dia a dia. E aí eu falo de cozinha, porque às vezes a gente esquece disso, mas você ter o fogo na cozinha, você ter essas panelas iniciais, que vão ser duras, que não são de barro, que não quebram, que você pode passar de mãe para filha, que às vezes viravam herança entre mulheres, de uma mãe para outra passando esses caldeirões, isso permite para a humanidade uma garantia de sobrevivência maior, de você ter um alimento cozido que não te mate. Tem esses deuses que inventam e te ensinam a mexer com isso e você aprende a fazer instrumentos simples.

Leonardo: Bom, a gente falou de deuses com essas funções de mexer nos metais, mas os próprios metais em si são já importantes. Quando a gente volta, separa o elemento em si, os metais, e não só as divindades, a gente já vai para um lado até mais para o da própria alquimia. A alquimia é voltada muito para isso, mexer com as propriedades dos elementos, então procura produzir ouro. Então cada elemento, cada metal já tem seu simbolismo. O ouro, bem já conhecido e muito o foco da alquimia, mas ele está muito relacionado com a questão – além daquela imagem clássica de riqueza e tudo – do sol.

Juliano Yamada: É engraçado até pensar em relação ao ouro como um metal solar. É que tanto a parte dos gregos utilizam-no como uma evocação do sol, como as culturas pré-colombianas americanas também se utilizavam do ouro como um representante da coroa solar, mesmo elas estando distantes um oceano. As características de um foram combinadas com outras, mas não porque elas tiveram uma comunicação em si. É interessante ver esse ponto.

Leonardo: É bom deixar isso claro.

Juliano Yamada: Não estamos evocando alienígenas do passado.

Leonardo: É, e isso traz todo esse simbolismo do ouro, de questão de realeza, de grandiosidade, nobreza, o sol, iluminação, isso tudo traz – o ouro e o dourado, a própria cor dourada vai trazer essa imagem. Só o ouro em si, só esse aspecto já renderia um episódio, já daria para se aprofundar. Ele por si só tem esse aspecto importante em toda a história da humanidade. Até hoje o ouro tem isso aí. Não é por nada que o primeiro lugar sempre é o ouro que você ganha.

Juliano Yamada: É, levando em consideração Jesus, quando foi visitado pelos três reis magos, um deles entregou ouro. É que sempre quando a gente vê essa parte da história de Jesus, a gente sempre lembra do ouro como a importância, mas a gente não levava em consideração que, naquela época, os outros dois presentes também tinham grande valor: mirra e incenso representavam presentes dos outros reis magos e eram presentes caros para a época, por mais que você assista na Vida de Brian que a mãe do Brian só aceitou o ouro, não aceitou os outros.

Leonardo: Atualmente fica uma piada pronto isso aí, porque é o único que você veria algum valor aos olhos atuais. Parece muito aquela coisa também: o cara não sabia o que dar de presente e deu dinheiro, então levou o ouro.

Nilda: É, o ouro tem todo esse simbolismo dourado, mas entre os chineses o dourado, o amarelo dourado não é exatamente o mais importante; seria o branco e o prateado.

Juliano Yamada: Os chineses consideram a lua uma divindade muito mais importante que o sol, então, por causa disso, qualquer metal que refletisse uma característica parecida com a prata, com a lua, seria considerado sagrado. Então a prata e o ouro branco acabaram entrando nisso.

Leonardo: E isso é interessante, que aí a gente vê o ouro, dependendo da importância, muito mais relacionado com o sol, enquanto a prata se relaciona com a lua. E a gente faz essa relação: sol, lua se relacionam na mitologia grega a Apolo e Ártemis, irmãos. Então prata e ouro estariam andando juntos nesse sentido, no sentido de simbolismo.

Juliano Yamada: É interessante ver quer até Tolkien se aproveitou disso. Enquanto o dourado representava o sol, o prateado representava a lua, então ele colocou isso dentro da mitologia com as lâmpadas, depois com as árvores, depois com o sol e a lua – o sol sendo uma flor dourada e a lua como sendo um fruto prateado.

Nilda: Tem uma coisa referente: esses metais, tanto o ouro e a prata, serem tão considerados, tem a questão dos egípcios, que os deuses são feitos de ouro e prata: ossos de prata, carne feita de ouro. São metais realmente valiosos, tanto que os próprios deuses são feitos deles.

Leonardo: E é interessante quando você vê tanto ouro quanto prata, mas principalmente ouro, porque a gente vê muito ouro e prata com essa questão do valor, mas eles são metais que servem como ferramentas não necessariamente de valor. Então, quando você vê algo que se usa ali ouro, é por causa da utilidade que vai ter, então é interessante esse dualismo que tem: ao mesmo tempo é uma ferramenta, ao mesmo tempo é algo puramente de aparência e dinheiro e valor.

Nilda: Isso é simbólico mesmo, você estabelece que aquilo ali é o padrão. Os astecas utilizavam semente de cacau. Você estabelece alguma coisa como a moeda, isso é muito simbólico, isso é muito um símbolo que você tem. Não quer dizer que as coisas não sejam utilizadas para outras coisas.

Leonardo: Que essa questão de símbolos você dá um status. O ouro é algo que tem um status – o ouro e a prata – e ao mesmo tempo tem a sua utilidade, assim como o bronze também, mas o bronze… a gente falou: o ouro é primeiro lugar, prata, segundo lugar, e o bronze, terceiro lugar. Mas aí o bronze, pelo menos para mim, quando eu ouço falar disso, me remete muito à questão da Idade do Bronze por questão… é realmente mais utilitário, pelo menos para mim, que eu estou ligado mais por estudo de história em si.

Juliano Yamada: O interessante do bronze, diferentemente tanto do ouro quanto da prata: o bronze não é um metal puro, ele é uma liga metálica, uma liga de cobre com estanho e outros metais. Dependendo da proporção, também dependendo da civilização que você vê, ele pode ter um pouco de zinco, alumínio, fósforo, até chumbo misturado, porque são aqueles minerais mais comuns.

Leonardo: Em Roma tinha chumbo, com certeza, porque em Roma tudo tinha chumbo.

Juliano Yamada: Em Roma você respirava, você respirava chumbo; você apertava a mão de alguém, você apertava a mão de alguém cheio de chumbo, por isso que os romanos eram todos loucos. Como fala, bem nessa hora, na produção do bronze, você acaba soltando muitos gases, então quem mexia com bronze não ficava muito bem da cabeça, não, ficava meio louco, com a aparência meio feia. Então a chance de eles ficarem mais feios, parecidos com o Hefesto, era grande. E é engraçado que isso me remete também a parte da infância: a primeira vez que eu peguei uma tabela periódica, a primeira coisa que eu fui procurar nela foi o metal bronze e eu não achei, e eu levei anos para descobrir que bronze – que na época a gente não tinha enciclopédia tão facilmente – era um parente do cobre, tanto que em alguns escritos tanto o cobre quanto o bronze aparecem como sinônimos, mas que o bronze não era um metal puro, que é um metal fabricado. E é interessante ver que ele é um metal tão antigo e você tinha até técnicas para você criar os metais que constituíam o bronze de forma separada, tinha como fazer estanho puro, você tinha como fazer cobre puro, mas eles davam preferência a fazer a liga metálica.

Leonardo: Bom, beleza, então, ouvinte. Espero que tenha gostado do episódio. A gente passou por algumas divindades, mas, como tinha falado anteriormente, não dá para falar de todas referentes ao ferro, a ferreiros, a metais, que é bastante coisa. É fácil você pesquisar umas listas de deuses relacionados a isso, tem bastante, porque muitos são próximos ao fogo, mas a gente também quis falar de alguns metais pelo menos para mostrar esse simbolismo. E é legal isso, que da mesma forma que a gente tem em diversos panteões um deus do sol, do céu, da terra, coisas naturais, a gente vai ter desses elementos, que, ok, metal é natural sim, mas a questão da habilidade de ser um ferreiro, de ser um artífice, também é algo que a gente vai ter em vários locais com as suas diferenças e suas semelhanças, mas a gente tem pelo mundo todo. Mas aí não chega a ser algo já mais natural em si, já é uma habilidade.

[01:06:54]

(FIM)