Escuridão – Capítulo 7

Capítulo 6

Autora: Monica Ferreira

Após os eventos festivos, a rotina do submundo continuou a mesma, com suas almas a vagar, os rios a correr, as Erínias a perturbar os mortais e as Moiras a fiar os destinos de todos. Hades, cada vez mais satisfeito com as sentenças de Nêmesis, esquecera-se da ideia de selecionar algumas almas para auxiliá-lo nos julgamentos, contando apenas com a sua querida esposa.

Mentes, ao saber da notícia, ficou exultante, pois já imaginava que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, mesmo com todas as negativas de Nêmesis. Planejando reencontrar-se com Hades, permaneceu reclusa em sua floresta, esperando apenas o momento certo em que agiria para reconquistar o seu amor.

Hermes era somente elogios aos dois, o que impressionou a jovem. Como Zeus não se pronunciou sobre o assunto, seu filho mensageiro não seria louco de se opor às decisões do tio, tanto que a ele restou apenas aceitar.

No dia em que completara três meses de estadia no mundo inferior, Hades propôs a deusa um passeio pela Hélade.

– Sei que deve sentir falta do sol, do ar fresco, por isso estou lhe convidando a darmos uma volta pela superfície. Podemos ir onde você quiser. – Convidou o deus.

– Claro! Vamos aproveitar os últimos dias de outono! Será maravilhoso. – Comentou a moça.

No final da tarde, como previsto, o casal seguiu em direção a saída. Nêmesis ficou um pouco receosa em ter de passar novamente por Cérbero, mas Hades acalmou-a.

– Ele não vai te atacar, não se preocupe.

Ao atravessar os portões de ferro, o rei dos mortos passou tranquilamente pela gruta do monstro, e acenou para a esposa. Assim que ela fechou o portão atrás de si e deu alguns passos na direção do marido, o cão saltou em sua direção. Desviando-se num reflexo, a deusa girou seu corpo no próprio eixo e caiu sentada na terra escura.

– Cérbero!!! – Gritou Hades, em posição de comando. – Aquiete-se! Agora!

A criatura, ao reconhecer seu dono, acalmou-se e fechou suas três bocas, sentando-se sobre as patas traseiras, com a cauda de serpente enrolou-se em si mesma. Nêmesis tremia da cabeça aos pés, sua face estava pálida como a de um cadáver, devido ao susto.

– Aproxime-se, querida. Está mais do que na hora de se conhecerem.

O deus ajudou a jovem a levantar-se e levou-a para que Cérbero reconhecesse seu cheiro. As três cabeças aproximaram-se, fungando uma por vez, e depois de reconhecê-la, novamente sentou-se.

– Q-que susto que me deu, Cérbero. Espero não passar por isso de novo. – Disse a moça sorrindo, nervosa diante do monstro.

– Em breve, passearemos os três, para se conhecerem melhor. Cérbero, volte a sua gruta. Tome conta de tudo por aqui, viu?

Hades afagou as três cabeças e o animal, obediente, voltou a sua morada. A moça, agora mais calma, apenas sorriu para o monstro, e de mãos dadas com o esposo, partiram em direção ao Aqueronte. O deus não conteve o riso e soltou-se, assim como ela, lembrando-se do que ocorrera há pouco. Gargalharam por um bom tempo e, ao se acalmarem, trocaram olhares de cumplicidade.

– Espero não encontrar nada desagradável lá em cima. – Comentou a jovem, ansiosa, antecipando um antigo temor adormecido em seu peito.

– Não vai encontrar nada. Será apenas um passeio, como tantos outros que fizemos por aqui. Agora você está comigo, nada vai acontecer.

E esperaram Caronte à beira do rio.

***

O barqueiro ficou honrado em ter novamente em sua embarcação a deusa piedosa que lhe dera a moeda de ouro. Logo tornou-se um sujeito falante, ignorando até mesmo a presença de seu senhor e o peso das divindades, que fazia o bote oscilar ao sabor da corrente.

Ao chegar à entrada, as almas insepultas nem se arriscaram a aproximar-se de Caronte, com medo da presença de Hades (que dispensava apresentações) e de sua bela esposa, que lhes era um tanto familiar. O casal pouco se importou com os olhares espantados sobre os dois, tanto que ignorou a todos ao subir as escadarias rumo ao mundo externo da Hélade adorada.

Nêmesis respirou fundo o ar fresco da tarde que caía sob a floresta. Fechando os olhos, imaginou-se voando pelo céu, o vento batendo em seus cabelos e asas, sendo livre para ir e voltar à sua cidade, recompensar e castigar quem merecia.

Hades fitou encantado para a jovem ao seu lado. Agradeceu em pensamento às Moiras por terem feito seus destinos se cruzarem, mesmo sob uma circunstância horrível. De mãos dadas, andaram pela floresta, até chegar a uma clareira, onde havia uma carruagem feita de ébano, puxada por dois cavalos negros.

– Para onde quer ir? – Perguntou o deus, subindo e tomando as rédeas.

– Há uma região campestre que gostaria de rever. Passei por ela uma vez e achei lindo ver aquela relva tão verdejante, algo raro nesta terra pouco produtiva. Sei que nesta época deve estar tudo seco, mas mesmo assim, adoraria andar novamente por lá.

Permanecendo ao lado do esposo na biga, partiram em direção aos campos de sua lembrança. O carro cruzava os céus, veloz como uma flecha, deixando como rastro apenas o som das patas dos animais.

Logo a jovem avistou a região. Era um descampado de relevo incerto que se estendia numa encosta de montanha. Pousaram no centro da relva amarelada pela estação. O sol já se escondera entre as nuvens e ventos cada vez mais fortes sopravam pela campina.

Ambos olharam-se receosos para a tempestade que se aproximava, desconfiados de ser obra de Zeus e sua fúria, mas não permitiriam que isso estragasse o dia. O casal desceu rapidamente do carro e andou pela campina, rindo despreocupadamente, curtindo um ao outro e a paisagem outonal.

Capítulo 8