Mitologia Japonesa: Origens

Por Daniel Silva

Breve Nota sobre a tradução e as fontes

Tratando-se de uma mitologia tão bela e vasta quanto a japonesa, é certamente temerário, da parte de qualquer um, buscar realizar uma tradução, principalmente quando não há acesso aos originais. Portanto, Essa tradução não pode, nem é, totalmente fiel as fontes da mitologia. Elas são, especialmente, o Kojiki, que seria uma espécie de compilação da mitologia japonesa.

Houve momento em que necessitei agir de forma mais ou menos arbitrária, com certos termos, tendo em vista a sua peculiaridade no português: assim, ou invés de augusto, que remete ao império romano e aos deuses clássicos, utilizei “venerável”, “grandioso”, ou, em menor grau, “sacro”. Que me perdoem, mas, sacrifiquei uma fidelidade duvidosa a um texto não original, por uma melhor compreensão. Preservei, porém, o título e a continuidade em “capítulos”, que é útil numa leitura.

A religião Xintoísta – e deteremos-nos apenas para um brevíssimo esboço – é a religião tradicional do Japão, centrada numa fusão de cultos a deuses e a seres da natureza, muito ligada ao ambiente místico dessas ilhas do oriente. E o espírito dessa religião está contido em certas passagens das histórias, assim como os germes da sociedade e cultura japonesa, como a submissão da mulher e a honra, além da aplicação e da disciplina estão, também, presentes na mitologia.

Enfim, o leitor certamente notará certas semelhanças com a mitologia greco-romana, e com outras no decorrer da leitura. Não cabe aqui fazer quaisquer cogitações ou comparações, mas tão somente chamar a atenção para esse fato, por si só digno de um estudo.

Origens do Céu e da Terra

No mais antigo dos tempos, o céu e a terra estavam grudados, como se tivessem sido unidos, ao longo dos séculos, em uma matéria informe. Repentinamente, o silêncio que imperava foi quebrado, com sons estranhos, cuja origem era o movimento das partículas. Assim, a luz e as partículas mais céleres se elevaram, mas nem todas puderam seguir a luz em sua ascensão.

Dessa forma, a luz acumulou-se na parte superior do universo, e abaixo dela as partículas formaram em primeiro lugar as nuvens, depois um paraíso chamado de Takamagahara (fenda do alto firmamento). E muito abaixo as partículas permaneciam em uma massa informe, que foi chamada de terra.

Naqueles tempos, em que nasceram o céu e a terra, surgiram divindades em Takamagahara. Eram chamados: Ame-no-mi-naka-nushi-no-Kami (Senhor do Esplêndido Centro do Céu), Taka-mi-musushi-no-Kami (Divindade da Esplêndida Energia Vital), e Kami-musushi-no-Kami (Deus da Energia Vital). Todas essas três divindades formadas espontaneamente se ocultaram.

De outro lado, enquanto o mundo movia-se como uma medusa, surgiu algo parecido com um broto de bambu: Umashi-ashi-kabi-hikoji-no-kami (Antigo Príncipe do Encantado broto de Bambu) e Ame-no-toko-tachi-no-kami (O Que Se Mantêm Eternamente no Céu). Estas duas divindades, apesar de formadas espontaneamente, também vieram a ocultar-se. Com as outras três mencionadas, formam as “Divindades Celestiais Independente” primordiais.

Os nomes das divindades que se formaram em seguida foram: Kuni-no-toko-tachi-no-kami (O Que Permanece Eternamente Sobre a Terra) e Toyo-kumo-un-no-kami (Senhor Justo). Estas divindades também se ocultaram.

Em seguida, vieram a se formar U-hiji-ni (Senhor do Limo da Terra), e logo sua irmã-esposa, a deusa Su-hiji-ni (Senhora do Limo da Terra); logo o deus Tsunu-guhi (O que Integra as Origens), e sua irmã-esposa Iku-guhi (A que Integra a Vida); e o par seguinte, o deus Ô-to-no-ji (O Ancestral da Grande Região), e sua irmã e consorte Ô-to-no-be (A Ancestral da Grande Região); logo o Deus Omo-Daru (O Perfeitamente Formoso) e sua jovem irmã-esposa, a deusa Aya-kashiko-ne (A Venerável).

E o par O Venerável Izanagi-no-Miko (O primeiro homem, o grande varão) e sua jovem irmã e consorte A Venerável Izanami-no-Mikoto (A grande mulher, a primeira mulher). Esses deuses, desde Kuni-no-koto-tachi, até a Venerável Izanami-no-mikoto são conjuntamente chamadas de sete gerações divinas.

A criação do Arquipélago e o par primordial

Então os deuses se reuniram e deliberaram longamente sobre a terra, que continuava sendo a mera mescla de águas e terras, informe e plana. Decidiram por enviar um par deles para organizar a terra, e assim O Venerável Izanagi e a Venerável Izanami receberam um Grande Mandamento, que dizia: “Regulai e consolidai a terra em movimento”. Assim ordenando, foi a eles confiada a ordem e a lança celestial, Ama-no-Nukobo, que estava coberta de pedras preciosas; então as divindades, estando sobre a ponte flutuante do céu – talvez um arco-íris – desceram a lança lentamente, e, girando-a, coalharam a água salgada, quando subiram a lança havia uma ilha, que foi chamada de Onogoro (espontaneamente coagulada).

Descendo, então, do céu, e indo para a ilha, em pouco tempo erigiram um Sagrado Altar, Yashidono, uma Sacra Coluna, Ama-no-mi-hashira, o Sagrado Pilar do Céu, e um Salão Santo, com oito braças.

Então questionou o Venerável Izanagi a sua irmã: “De que modo formou-se seu corpo?”, ao que ela respondeu: meu corpo está completamente formado, mas há uma parte que não cresceu e está selada. E disse o Venerável Izanagi: “Também o meu corpo está totalmente formado, mas há uma parte que cresceu em excesso. Logo, se inserirmos a parte que me cresceu em demasia e criaremos terras”.”Que solução melhor do que procriar?” A Venerável Izanami retorquiu: “Certamente está bem assim”. E O Venerável Izanagi disse: “Andemos em volta dessa Sagrada Coluna Celeste, e quando encontramo-nos do outro lado, haveremos de nos unir”.

Assim falaram, e entraram em acordo. Ele disse: “Tu para me encontrar, deves ir pela direita; eu, para encontrar-te, irei pela esquerda”. Quando deram a volta, tal como tinha combinado, a Venerável Izanami foi a primeira a exclamar: “Oh, na verdade tu és um jovem belo e amável!” E logo o Venerável Izanagi “Oh, mas que jovem bela e amável!”. E depois de falarem, ele disse a sua companheira: “Não está bem que seja a mulher a primeiro falar”.

Não obstante, uniu-se em um leito e tiveram um filho, Hiru-ko, (menino sanguessuga). Eles o depositaram em uma canoa de juncos, para que a correnteza o levasse, pois era grotesco. Depois, nasceu Awa Shima, a ilha da espuma, que sequer contaram como descendente. Disse O Venerável Izanagi:

“Os filhos que até esse momento nós tivemos não são bons. Devemos subir ao céu, e questionar as grandes divindades o motivo do acontecimento. Essas disseram, reunidas em Grande Oráculo:” Como a mulher falou primeiro, as coisas não vão bem”. Então eles partiram de novo, e na Sagrada Coluna do Céu repetiram o processo anterior, mas dessa vez foi O Venerável Izanagi a falar primeiro. De sua união, nasceu à ilha de Awaji, o caminho da espuma”.

Da mesma maneira, as demais ilhas do arquipélago, Honshu, Shikoku, Kyushu, as ilhas gêmeas de Oki e Sado, e, finalmente, a ilha de Iki. Logo também conceberam uma série de deuses e deusas, entre os quais os do vento, das montanhas, e das árvores.

Morte de A Venerável Izanami e a ida de O Venerável Izanagi ao país dos mortos

Por uma desgraça, Kagutsuchi, o deus do fogo – também chamado de Homusubi -, o filho caçula de Izanami, ao nascer, vitimou sua mãe com terríveis queimaduras e ficou enferma, vindo a morrer de terríveis febres. Apesar disso, A Venerável Izanami seguiu dando origem a outras divindades em plena agonia, nas fezes, na urina e no vômito; a última a nascer foi Mizuhame-no-mikoto, que marca o surgimento da dor e da morte no mundo. O Venerável Izanagi, desesperado, geme em volta do cadáver, e de suas lágrimas nascem outras divindades, entre eles a deusa do Arroio Aflito.

Nesse momento, a tristeza de O Venerável Izanagi converte-se em uma cólera fria, e ele mata o deus do fogo, despedaçando o seu corpo, pela culpa que tinha na morte de sua mãe, a amada esposa de O Venerável Izanagi. O sangue e os membros do matricida consertem-se em uma série de novos deuses, que simbolizam várias montanhas. Então, O Venerável Izanagi desce ao País das Trevas, em busca de A Venerável Izanami.

O Venerável Izanagi, desejando ver sua jovem esposa A Venerável Izanami, seguiu-a até Yomi-tsu-kuni, o país das trevas, e quando ela vem abrir a porta do palácio, saindo para encontrar com seu esposo, O Venerável Izanagi, que disse:

– Oh, minha esposa, jovem e encantadora irmã! Os países que criamos ainda não estão concluídos! É preciso que retorne! Mas a sua esposa e irmãs respondeu: “é triste que não tenha vindo antes, pois já comi do fruto do País das Trevas! Sem dúvida, oh meu encantador marido e irmão mais velho, que eu gostaria de voltar, e vou consultar-me com as divindades do País das Trevas. De modo algum deve me ver!” – E assim dizendo entrou no palácio. Com o tempo, O Venerável Izanagi cansou-se de esperar, e foi em busca de sua esposa; e entrou no país, apenas para descobrir que sua esposa, A Venerável Izanami, era agora um cadáver putrefato, coberto de vermes. Estava dando a luz aos oito deuses do trovão.

Então, quando O Venerável Izanagi, aterrorizado com esta visão, corria, sua jovem irmã gritou-lhe, cobriu-se de vergonha – e ordenou que as terríveis mulheres do país das trevas perseguissem seu esposo. De modo que, O Venerável Izanagi, tomando nas mão uma grinalda da flor kazura, que estava em seus cabelos, jogou-a ao chão, e ela converteu-se em um ramo de uvas silvestres. Enquanto elas comiam, ele desatou a correr, mas elas seguiam na perseguição. Por isso, jogou ao chão um pente que prendia seus cabelos, e dele nasceram brotos de bambu, que as horrendas mulheres voltaram a comer, e ele corria.

Vendo essa situação, A Venerável Izanami lançou contra seu irmão os oitos deuses do trovão, e mil e quinhentos guerreiros. Todos levavam espadas com dez palmos de altura, e teriam matado A Venerável Izanami se ele não corresse com ainda maior velocidade. Estavam quase alcançando O Venerável Izanagi quando ele chegou a Yomi-no-horakaza, um declive que desce desde a terra dos vivos, até a terra dos mortos, onde há uma árvore. Dela O Venerável Izanagi tomou três pêssegos, com os quais golpeou os inimigos e os matou. Disse o venerável O Venerável Izanagi, solenemente, aos pêssegos: “Do mesmo modo que me socorreram, irão de socorrer todos os que moram na Planície dos Juncos”. Depois de pronunciar essas palavras, deu ao fruto o título de “Venerável Fruto Divino”.

Por fim, sua jovem irmã, A Venerável Izanami, lançou-se, pessoalmente, em sua perseguição. Ao que ele ergueu uma rocha que mil homens não poderiam ter a esperança de sequer arrastar, e bloqueou o declive entre o mundo dos vivos e dos mortos, separando para sempre a vida da morte; e lá disseram adeus. Falou a Venerável Izanami: “oh, meu amado e encantador irmão mais velho, se ti comportas assim, estrangularei e trarei para este país, em apenas um dia, um milhar de homens de sua terra!” Ao que retrucou o Venerável Izanagi: “oh, minha amada e encantadora irmã menor, se o fizer, erguerei, num só dia, cinco mil casas de parto. Assim, num só dia, um milhar de homens morrerá; mas mil e quinhentos irão nascer!”.

Por esse motivo, a Venerável Izanami é chamada de Grande Divindade do País das Trevas, e como ela perseguiu e alcançou, é também chamada de grande divindade que chega a rota. A rocha que bloqueou as duas terras é chamada de Grande Divindade que bloqueia a porta do país das trevas; e o declive que ligava os dois mundos é chamado de Declive de Ifuya, no país de Izumo.

O Venerável Izanagi e a última geração

Depois de escapar dos horrores da terra dos mortos, O Venerável Izanagi teve de limpar-se da imundice e impurezas que o sujavam, e o faz com um banho. Chegou a um riacho em Hyuga, a leste de Kyushu, chamado de Tachibana-no-Odo, e despe-se, banhando-se nas águas. De seu cajado, das diversas partes de seu traje, de seus braceletes, nascem doze divindades; e outras mais nas diversas partes de seu banho.

Mas foi quando ele limpou seu rosto que as principais divindades do Xintoísmo vieram a nascer: do olho esquerdo, a deusa suprema do xintoísmo, Amaterasu-no-Mikoto, Venerável Divindade do Sol; do olho esquerdo, Tsuki-Yomi-no-Mikoto, o Venerável Deus da Lua; e de seu nariz, Take-Haya-Susano-no-Mikoto, O Augusto, venerável e célere, irado e valente. A essas três divindades – o último dos quais converteu-se em deus da tempestade – foram investidos, por O Venerável Izanagi, como governantes do universo.

A investidura das três deiades

Nesse instante, o Venerável Izanagi se ergueu de forma altiva e disse: “Eu, dando origem filho após filho só na última geração obtive resultados louváveis. Logo depois, sacudindo a gargantilha de jóias que formava seu colar, cedeu-o a sua filha, Amaterasu-no-mikoto, dizendo”:

“Que tu governe a planície dos altos céus”. E este colar era chamado de deus da tabela da grande câmara dos tesouros. A Tsuki-yomi-no-mikoto:

“Que sua venerável pessoa governe o reino da noite”. E assim, a ele foi outorgado esse cargo. Por fim, disse a Susano-No-mikoto: Que sua venerável pessoa governe as planícies das águas.

Amaterasu e Tsuki-Yomi aceitaram suas tarefas de forma obediente, tomando posse de seus respectivos domínios. Susano, no entanto, põe-se a chorar, e lamentar e gritar. Seu pai, Izanagi, pergunta o que há de errado, e Susano responde que não deseja governar as águas, mas sim a terra onde viveu sua mãe, a Venerável Izanami. Irado, Izanagi desterra seu filho e se retira, tendo findado a sua missão. Conta-se que viveu no “palácio do sol mais jovem”, ou que estaria enterrado em Taga. Enquanto isso, Susano ergueu-se, após se despedir de sua irmã Amaterasu, aos céus em grande fúria, espalhando confusão por toda a natureza.

O desafio das deiades irmãs:

Então, Amaterasu, alarmada por esse alvoroço, disse: “A razão pela qual ele ascendeu dessa forma não procede com um bom coração. Certamente quererá arrebatar meu reino. Ao mesmo tempo, enrolou um cordão cheio de magatama, de oito pés de altura, e com quinhentas jóias, nos esquerdo e direito, como também em seu toucado e igualmente em seu braço esquerdo e direito. Em suas espáduas, duas aljavas, uma com mil flechas, e outra com quinhentas.

Brandiu sua espada e susteve seu arco, cuja parte superior tremia. Depois, batendo com o pé, ergue-se até o céu e postaram-se, pernas abertas como um homem, à frente. E disse, com altivez: “porque subiu até aqui?”.

O que parece é que vai ocorrer uma grande batalha. Susano não olvida em garantir a sua irmã que não tem intenções más, e por isso propõe-se a realizar um juramento. O texto não é muito claro, mas parece indicar que Susano propõe, em seu juramento, um acordo: um concurso de reprodução, segundo o qual aquele que engredar mais divindades masculinas, o bem o que engredasse mais divindades. Se Susano vencesse sua irmã deveria admitir a pureza de suas intenções.

As divindades, separadas por Amanogawa, (o rio do céu) trocaram as palavras de compromisso e iniciaram a competição. Para começar, Amaterasu pediu a seu irmão a espada; quebrou-a em três fragmentos e deles criou três belas deusas. Por sua vez, Susano pegou as grandes fileiras da Magatama que Amaterasu levava em volta dos ombros, e da joia criou cinco deuses, inclusive Oshi-Omini.

Amaterasu, logo, expressa sua vontade de estabelecer quais dos deuses, segundo a sua origem, eram filhos de uns e outros. Susano se proclama vencedor, com cinco. Mas Amaterasu indica que os varões de Susano deveriam ser considerados como seus, pois foram criados com seus pertences! Logo, era ela a vencedora. Susano, naturalmente, nega-se a aceitar essa decisão, e, furioso, desencadeia mil catástrofes.

Deus Susanoo

As devastações de Susano

Então Susano espalhou o caos sobre o mundo, e atacou as obras de sua irmã: destruiu a divisão entre os arrozais divinos, obstruiu os canais, e, ademais, verteu sobre o palácio de sua irmã nojentas secreções, bem na sala em que ela degustava o Venerável Alimento. E apesar desse comportamento, Amaterasu apenas disse: “isto, que parecem ser excrementos, deve ser algo que meu venerável irmão maior vomitou em sua embriaguez. E Susano prosseguiu, violento ao extremo”.

Quando estava Amaterasu sentada em sua sala, usando seu sacro tear, Susano perfurou o teto, e por ele fez escorregar para a sala um corcel celestial. Vendo o animal, as fiandeiras que a ajudavam ficaram chocadas, e enterraram fundo em seus corpos as lançadeiras; Amaterasu ficou tão chocada que se escondeu, cerrando a porta de Ama-no-iwato, a caverna das rocas celestiais, e recusou-se a sair.

A crise divina

Imediatamente, Takamagahara estava desaparecida na mais completa obscuridade, e o mesmo veio a ocorrer com o país central da planície dos juncos, e por causa disso, reinou a noite eterna. Ali, no alto, com o ruído de dez mil deuses inquietos, dez mil calamidades surgiram simultaneamente. Por isso, as divindades se reuniram em uma assembléia divina, no leito seco de Amanogawa para discutir uma forma de Amaterasu retirar-se da caverna.

O sábio deus Omoi-kane-no-kami, o que acumula pensamento, filho de uma das divindades primordiais, Taka-mi-musushi, propôs uma solução: reuniram as aves que cantavam ao fim da noite e as fizeram cantar. Como dali não sobreveio solução, concebeu um complicado estratagema: tomaram duas rochas do rio Amagonawa, e ferro das celestes montanhas de metal, e convocaram o ferreiro Ama-tsu-ma-ra; encarregaram o venerável Ihi-kore-dome que fabricasse, desses materiais, um espelho; encarregaram o venerável Tama-no-ya que fabricasse um colar de jóias com quinhentas magatama a uma altura de oito pés; mandaram chamar o venerável Ameno-koyane, e o venerável Futo-tama, e ordenaram-lhes arrancar as omoplatas de um gamo do celeste monte Kagu, e extrair a cortiça das árvores do celeste monte Kagu, para praticar um adivinharão; arrancaram a raiz da árvore sakaki do mesmo monte, e colocaram nos ramos superiores os colares de quinhentas magatama, sobre os ramos intermediários o espelho de oito pés, e sobre os inferiores sedosas oferendas nas cores brancas e azuis.

O venerável Futo-Tama tomou e guardou tudo aquilo com grandes oferendas, e o augusto Ame-no-koyame pronunciou com ardor algumas palavras rituais, enquanto o deus Ama-no-tachikara-wo (Varão de fortes mãos) mantinha-se oculto próximo à porta de Ama-no-Iwato; então, a deusa Ame-no-uzume (mulher terrível do céu) fez uma grinalda de flores para sua cabeça, e de algumas folhas de bambus anões do monte Kagu fez um ramalhete para suas mãos, subiu sobre um tambor, e desatou a pisar, até que ele retumbasse; e como se possuída, deixou seus seios a mostra, logo depois deixando cordão de sua faixa a deslizar pela cintura.

Então, todos os deuses riram ao mesmo tempo, e Takamagahara tremeu. Ao escutar, surpresa, Amaterasu vai abrir a porta, e diz: “pensei que, devido ao meu retiro, Takamagahara quedaria em escuridão, e o país da Planície dos juncos estaria, também, obscurecido. Como é possível, então, que Uzume se regozije e que, ademais, essa miríade de deuses riam?” Uzume retrucou, então: “Estamos alegre e nos regozijamos porque a uma divindade mais brilhante do que Sua Venerável Pessoa”.

Enquanto ela falava dessa maneira, Ame-no-koyane e Furo-tama dirigiram o espelho para a porta que jazia entreaberta, e Amaterasu, surpresa com o que ocorria, saiu um pouco, e enquanto mirava-se intensamente no espelho, quedou deslumbrada, por um instante. Ama-no-tachikara-wo, que permanecia oculto tomou-a pela mão e obrigou-a a sair; então, Futo-tama pegou uma corda de fibra de arroz e colocou as costas de Amaterasu, dizendo “não retroceda desse ponto!” E assim, quando Amaterasu saiu, Takamagahara e o Pais Central da Planície dos Juncos voltaram a ser iluminados com seu brilho, e retornaram a normalidade; uma vez fora da cova, Amaterasu concedeu em voltar ao seu palácio, se Susano fosse desterrado.

A expulsão de Susano

Ali no alto, os deuses, reunidos em conselho, impuseram a Susano um castigo que consistia em entregar mil tabuas de oferendas, e depois disso, cortaram a barba, arrancaram as unhas dos dedos das mãos e dos pés, e mediante um divino mandato o expulsaram.

Assim perseguido, Susano buscou ajuda com a deusa Ogetsu-hime-no-kami, deusa dos alimentos, que saca da boca, do nariz, e do reto todo o tipo de comidas estranhas para oferecer. Indignado pelo insulto, Susano mata a deusa, mas a morte tem efeitos benéficos; do cadáver da vítima nascem os “cinco cereais”, isto é, os alimentos básicos que seguem dando subsistência aos japoneses até hoje: de seus olhos, nasceram sementes de arroz, de suas orelhas, milho, de seus genitais, trigo, de seu nariz feijões e de seu reto, soja. O deus Kami-musubi mandou recolher e semear estas sementes, para o bem dos mortais.