Papo Lendário #222 – Zoroastrismo

Nesse episódio do Papo Lendário, Leonardo Mitocôndria, Nilda Alcarinquë, Juliano Yamada e Pablo de Assis conversam sobre como o Zoroastrismo.

Conheça mais sobre essa antiga religião.

Ouça sobre Ahura Mazda e seu profeta Zaratrusta.

Entenda se essa religião é o primeiro monoteismo da história.

— EQUIPE —

Pauta, edição: Leonardo Mitôcondria
Locução da abertura: Ira Croft
Host: Leonardo Mitôcondria
Participante: Juliano Yamada, Nilda Alcarinquë, Pablo de Assis

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— Transcrição realizada por Amanda Barreiro (@manda_barreiro)

[00:00:00]

[Vinheta de abertura]: Você está ouvindo Papo Lendário, podcast de mitologias do projeto Mitografias. Quer conhecer sobre mitos, lendas, folclore e muito mais? Acesse: mitografias.com.br.

[Trilha sonora]

Leonardo: Muito bem, ouvintes. Como vocês viram no título do episódio, hoje vamos falar do zoroastrismo – isso é um pouquinho trava-língua -, que é algo que já citamos algumas vezes em episódios anteriores, mas, diferentemente de outras crenças parecidas, como o judaísmo, islamismo e o cristianismo, pelo tamanho mais limitado do zoroastrismo compensa ter um episódio geral dele, diferentemente dessas outras três religiões abraâmicas, as quais o ideal é ter episódios mais focados em alguns conceitos dentro de cada uma, porque elas são muito mais complexas, por tudo que a gente tem de informação. E aí no episódio de hoje a gente está com o Pablo…

Pablo: Olá.

Leonardo: … estamos com a Nilda…

Nilda: Oi, oi.

Leonardo: … e o Yamada.

Juliano Yamada: Olá, vocês.

Leonardo: Os três vão me acompanhar durante o episódio para a gente explicar para vocês, ouvintes, o que é esse tal de zoroastrismo. Que, com certeza, vocês já devem ter ouvido, que é um pouquinho mais desconhecido, mas a gente mesmo já citou algumas vezes. Então a gente vai mostrar os detalhes mais a fundo dessa religião que ainda existe. Como falei, ele não é totalmente desconhecido, ele ainda tem e tudo mais, mas a gente não tem tanta informação dele tão facilmente quanto das outras religiões abraâmicas – essas três que a gente citou: judaísmo, islamismo e cristianismo têm muito mais informação. É comum que as pessoas já tenham ouvido falar, saibam até que é semelhante a essas três religiões monoteístas, mas não saibam muito dos detalhes. Eu mesmo não encontrei não só oficiais em si; no geral também não encontrei tanta coisa em português.

Pablo: Alguma coisa me diz que talvez em persa você ache mais.

Leonardo: Sim, sim, eu imagino que sim. É que aí o meu conhecimento em persa é bem menor. Em inglês eu ainda consegui entender alguma coisa.

Nilda: Talvez você encontre alguma coisa em chinês.

Leonardo: É, também não ajuda muito. Bom, mas então o que afinal de contas é o zoroastrismo? É uma religião bem antiga. É dito que a origem dela é anterior a 600 anos antes da Era Comum. Às vezes é colocado como sendo até quatro mil anos atrás, então seria bem antes dessa data; mas 600 a.C. é certeza que já tinha, mas antes mesmo já se imagina de ter essa religião. Teria nascido ali na região do que atualmente seria o Irã, e aí por isso que é considerada uma religião persa. Obviamente, tem influências ali das crenças locais que estavam ao redor. Nessas influências, inclui-se a Índia. A cultura e a religião da Índia, na época, também influenciaram o zoroastrismo. E acabei comparando aí com as três religiões abraâmicas, porque ela é considerada monoteísta: tem a crença e a adoração ao Ahura Mazda, esse que seria o nome da divindade. Ou Ahura Mazda ou você vai encontrar também como Ahura Mazda, porque tem um H. Eu estou acostumado a chamar de Ahura Mazda, mas tanto faz o que você chamar.

Pablo: Eu pronuncio o H, para mim é Ahura Mazda. Mas aí é uma coisa interessante com relação às traduções, porque, quando você vai traduzir do persa para o latim, porque o (inint) [00:04:12] persa, se não me engano, é escrito inclusive com os caracteres arábicos, que é um silabário, enfim, se escreve diferente. Aí você vai tentar traduzir isso para o alfabeto latino, você acaba tendo que colocar umas letras ali que a gente não está muito acostumado para poder dar o sentido da sonoridade do original. E aí depende de quem vai traduzir também, na verdade. É o que acontece muito, por exemplo, quando você vai traduzir do chinês.

Leonardo: Mas, ouvinte, não se preocupe que essa própria divindade também tem outros nomes, então, se você fica na dúvida de qual chamar, mais para frente a gente vai mostrar outros nomes que você pode chamar essa divindade, que, de certa forma, você pode também chamar simplesmente de deus, porque, por questão de ser monoteísta, é a divindade ali única, mas a gente vai ver melhor isso aí. Então pode chamar também de o deus do zoroastrismo. E, como falei, é teoricamente monoteísta, mas aí tem uns poréns, porque às vezes se encontra falando que não é monoteísta, porque tem um oponente do Ahura Mazda, o chamado Arimã, que também tem diversos outros nomes. E também, quando você pesquisa mais a fundo, você encontra outros seres. Eu acho isso legal para caramba, essa confusão se é um só, se tem vários, se é monoteísta, se não é, e por mim eu acho legal que tenha essa confusão. Mas isso vai gerar muita treta, muitas vezes a pessoa falando: “Não, é sim, porque é um só”, “Não, não tem como ser, porque tem outro ser ali”. Também outras religiões monoteístas, as três religiões monoteístas mais conhecidas também passam por isso, de que quem é ali da religião vai defender que é monoteísta sim, tem um deus único, mas aí quem está às vezes de fora vai falar: “Não é bem monoteísta, não. Esse deus aí, na verdade, se divide em três, então são três”, “Então não é”. Então fica aquela coisa, fica a discussão em si, que aí, no caso do zoroastrismo, tem esse oponente dele, então é equivalente ao deus bondoso? Tem o deus do mal e o deus do bem, então não seriam dois? E aí esses outros seres… mas, espera aí, não são deuses? Então o que são? São deuses menores? Aí fica toda essa discussão. Eu, como estou de fora, simplesmente aproveito e vejo a complexidade que tem.

Pablo: É interessante a gente ver um pouco da história da época, porque, como toda religião monoteísta… a gente pode argumentar que o zoroastrismo é uma religião monoteísta. Ele vai surgir no meio de religiões politeístas, e não no sentido de dizer que “Olha, agora tem um modelo que é melhor que o de vocês, então abandonem o de vocês e acreditem só no meu”, mas sim que “Olha só, o meu modelo está desse jeito, mas o de vocês se adapta também, ele se encaixa no meu modelo” e no sentido de “As divindades de vocês estão erradas ou não devem ser cultuadas”, e aí você tem essa questão dessas várias noções. E aí a noção que você vai dar para a divindade é que é diferente. Porque você chamar de divindade às vezes vai estar colocando no mesmo patamar da sua divindade. Se você quer ser monoteísta, é complicado. Então às vezes você cria uma categoria abaixo para dizer: “Não, não é bem uma divindade. Você é como se fosse um auxiliar, um mensageiro, uma coisa menor ali”.

Leonardo: É um mensageiro, também conhecido como anjo.

Pablo: Conhecido como anjo, exato. Porque muitos anjos, inclusive, dentro da angeologia, fazem referências a divindades de outras religiões. Na verdade, é muito mais comum você demonizar divindades de outras religiões – isso aí o cristianismo… a gente já fez episódios inteiros dedicados a isso, mostrar como Baal, por exemplo, que é considerado um demônio, na verdade era uma divindade de uma religião do Oriente Médio. A mesma coisa acontece nessa religião do Irã, o mesmo exato processo. Na verdade, se não me engano, historicamente acontece primeiro com eles. Primeiro acontece com as religiões ali, com o zoroastrismo, e depois esse mesmo fenômeno vai acontecer com o judaísmo, que aí vai demonizar o Baal. Isso vai vir depois. Então até nisso o judaísmo não é tão original assim.

Nilda: A primeira vez que eu ouvi falar do zoroastrismo, ele era usado como uma explicação para uma das origens do pensamento maniqueísta. O que é maniqueísmo? É você ter o bem e o mal, só isso. Você tem o deus do bem, o deus do mal; o deus bom que combate o mal ou o deus bom que representa toda a bondade e o que está longe dele é o mal. Essa luta do Ahura Mazda e tudo é apontada como a origem disso. Se isso é uma interpretação ocidental em cima da religião original ou não, já é outra discussão, mas é colocado como sendo uma das origens.

Leonardo: Acabei não pondo aqui na pauta, porque também já estava com bastante coisa, mas isso é interessante, porque é bem comum, quando você estuda o zoroastrismo meio por alto, você falar: “Ah, é uma religião maniqueísta”, porque ela é famosa por ter esse negócio da ênfase em ter o lado bom e também ter o contraponto ruim. Ainda que em outros monoteísmos você até encontre também algo assim, o zoroastrismo dá muita ênfase nisso, quando você pesquisa. E aí é comum que você ouça isso: “Ah, então é maniqueísta”. Só que o cara que deu origem ao maniqueísmo foi perseguido pelo pessoal do zoroastrismo porque deturpava um pouco as ideias. O pessoal tentou colocar o zoroastrismo como maniqueísta, comparar, mas eles falaram: “Não, não é” e realmente eu imagino… é que, como eu falei, eu não encontrei nenhum zoroastrista atualmente, mas eu imagino que talvez o pessoal que siga a religião realmente não goste dessa comparação. Se alguém aí for ouvinte e for zoroastrista, se alguém conhecer, me confirme isso, mas eu imagino que não goste, porque o que eu vi mostrou assim: maniqueísmo é isso aqui, que surgiu desse cara, o Manes…

Pablo: Maniqueu.

Leonardo: … Maniqueu. Surgiu disso, mas você reduzir o zoroastrismo a isso, você está fazendo uma comparação muito superficial, forçada, porque o zoroastrismo tem outras características.

Pablo: E aí é interessante olhar essa relação do maniqueísmo com o zoroastrismo para ver como essas informações chegam até a gente, que foi justamente através do pensamento grego. Para o grego, era interessante comparar – e para o pensamento europeu, de uma forma geral – o zoroastrismo ao maniqueísmo, até mesmo porque o zoroastrismo não vai colocar uma única definição, como coloca o cristianismo, que é apenas deus e o resto todo é resto. Você tem ali as divindades, ali é um pouco mais plural nesse sentido. E aí o maniqueísmo é uma boa forma europeia de você compreender esse pensamento de fora, que nem uma discussão que a gente já teve há muito tempo mostrando, por exemplo, que a palavra religião só vai existir na Europa. Mas o que a gente chama de religião em outros países que não falam línguas latinas e europeias vão ser religiões? O taoísmo, por exemplo, é uma religião, uma filosofia? O budismo é uma religião? Já que eles não se chamam assim, porque não tem uma palavra para isso naquele idioma. Então como a gente pode se aproximar? Como a gente pode entender? Então a compreensão do maniqueísmo para olhar o zoroastrismo é uma forma europeia de você olhar para isso, então é dentro da limitação do pensamento europeu, mas não que seja uma forma… eu não quero dizer que é errado ou que é certo, mas é uma forma europeia, própria. E aí, dentro do pensamento do zoroastrismo, ele é bem diferente, obviamente; como você comparar e falar que o budismo é uma religião, e o budista vai falar: “Não, religião é coisa para europeu. Nós aqui vivemos diferentemente, a gente chama de outra coisa”.

Leonardo: E você tinha falado da questão do judaísmo, é legal também mostrar para o ouvinte que fica também uma certa dúvida… eu puxo para o lado do zoroastrismo, mas qual veio primeiro, o zoroastrismo ou judaísmo, qual é a religião monoteísta mais antiga. O judaísmo defende que eles são os mais antigos, mas tem essa ideia de o zoroastrismo ser antes. Eu imagino que o zoroastrismo seria antes. Eu acho.

Pablo: Aí é a mesma briga entre Santos Dumont e os irmãos Wright para ver quem inventou o avião, porque é toda uma questão técnica. Os irmãos Wright vão ser, de fato, os primeiros a construir e fazer uma patente do avião, só que a patente do avião que eles fazem ninguém compra, ninguém paga, e fica engavetada, e basicamente é um grande foda-se para o mundo, porque ninguém está a fim dessa patente. E aí, quando Santos Dumont faz o primeiro avião e coloca em domínio público o projeto, aí todo mundo se interessa. Santos Dumont é de uma família rica, ele não precisava viver de patente; os irmãos Wright eram americanos, eles precisavam ganhar dinheiro a todo custo.

Leonardo: Mesmo se já tivessem dinheiro ou não, porque eram americanos.

Pablo: Não importa, é americano, quer ganhar dinheiro. Não está nem aí. Vide, por exemplo, o Edson, que também é a mesma coisa, ele só faz patente, não inventou nada. E aí a questão de quem inventou o avião primeiro… bom, obviamente que, se a gente for ser bem estrito, foram os irmãos Wright, porque eles foram os que primeiro patentearam o projeto, mas ninguém estava a fim do projeto deles. Então o projeto que primeiro foi utilizado de fato como sendo avião foi o do Santos Dumont, e aí ele ganha essa popularidade também. Na questão do zoroastrismo e do judaísmo entra a mesma questão, porque, se a gente olhar para qual é a primeira religião monoteísta, entra muito na definição do que seria monoteísmo. Até porque eles vão ser mais ou menos contemporâneos, o zoroastrismo e o início do judaísmo, só que, quando o judaísmo surge, ele nasce dentro de uma base não necessariamente monoteísta, mas monolátrica. Ou seja, de todos esses deuses, a gente vai adorar apenas um. Mas eles não negam necessariamente outros deuses, então será que essa monolatria do início é considerada já um monoteísmo ou não? Não sabemos. Nessa mesma época, você tem o zoroastro, que vai propor, então, que existem esses dois grandes deuses, Arimã e Ahura Mazda, e que a gente precisa, então, cultuar Ahura Mazda para que ele vença, porque, se a gente cultua Arimã, ele que vai vencer e aí vai ser ruim para todo mundo. Ali ele também está defendendo a existência de duas divindades, mas a adoração a só uma. Seria um monoteísmo ou uma monolatria também? E aí, quando você começa a ter o avanço disso, você começa a ter um desenho diferente, e aí é que está a grande confusão de qual foi o primeiro. Eu acho que até mesmo historicamente, e até mesmo como uma organização de uma religião, o zoroastrismo veio primeiro, porque o judaísmo vai se desenvolver ao longo de muito tempo não como uma religião, mas como uma identidade étnica do povo hebreu.

Leonardo: Até hoje ainda tem isso.

Pablo: Sim. Aí você tem essa questão. Se você é judeu, não é porque você acredita e professa uma determinada religião, mas sim porque você tem essa identidade étnica. Durante muito tempo, o judaísmo era isso, uma identidade étnica. Então você tinha a adoração a uma divindade específica para eles dentro desse culto maior de vários outros deuses. Então o primeiro que veio com modelo diferente e falou: “Olha, vamos esquecer tudo isso, vamos entender que o mundo espiritual, por assim dizer, funciona desse jeito” e vai propor uma organização própria foi, de fato, o zoroastrismo.

Leonardo: É, o zoroastrismo, eu fiquei imaginando de ter vindo primeiro como monoteísta muito pelo que eu fui pesquisando dele, as características, eu fui vendo que isso aí também está muito ligado com o que eu não conheço do judaísmo. Então estou falando sem conhecimento a fundo do judaísmo, mas, ao meu ver, o zoroastrismo passa muito a ideia de bem uma coisa de transição. Ele foi monoteísta, mas, por ter sido o primeiro, parece que carrega muito mais conceitos politeístas ali da região do que o judaísmo. O judaísmo, por mais que tenha a questão da monolatria, é muito mais focado em um; agora, o próprio zoroastrismo já fica essa coisa dual. Aí fica aquela coisa: “Ah, mas estão em pé de igualdade os dois seres ou não?”. Essas indagações me passam mais uma imagem de uma coisa que está transicionando. Se de repente a gente considerasse o judaísmo como o primeiro monoteísta, a gente chamaria o zoroastrismo de monoteísmo ponto zero, meio que um pouquinho antes, porque ele ainda traria muita coisa do politeísmo. Por isso que fica bem complexo, fica até confuso como definir o que é a divindade ali ou não, porque, para mim, é muito essa imagem de transição entre o tipo de crença.

Nilda: Só para acrescentar alguma coisa a esse caldo cultural todo, essa região do norte da Pérsia era uma região que fazia parte do que nós chamamos de Rota da Seda. No caso, ia tanto para a Índia quanto para a China. Você tem todo esse caldo de cultura – por isso que a gente fala que tem zoroastrismo na Índia, mas isso também chegou à Grécia. O local onde ficava isso fazia parte de uma das rotas de comércio mais antigas que existiram e que existem, em uma área que realmente é propícia para passar. São pontos de passagem para você passar ali através dos desertos e das cadeias montanhosas. Então toda essa crença… pode ter acontecido sabe aquele fenômeno do telefone sem fio? O que chegou ao Ocidente ou o que chegou à Índia não era o que era praticado na região original, porque foi passando através de anos, através de comerciantes, através de caravanas e chegando à história dessa crença.

Leonardo: É, e a Rota da Seda é a rota para transportar produtos, sedas e deuses solares.

Nilda: Muito do budismo também foi da Índia para a China através da Rota da Seda, através dessas rotas comerciais que haviam ali. A gente chama de Rota da Seda, mas também havia rotas marítimas ali em outras regiões. Então era toda uma região comercial que a gente, hoje em dia, às vezes não se dá conta, mas ela já existia bem uns 600 ou mil anos antes de Cristo, já existiam essas rotas, porque você ia indo de entreposto em entreposto, de cidade em cidade. Isso fazia uma coisa sair da China, a seda sair da China e ir parar no império do Mali, na África. Então tem muita coisa assim que a gente às vezes não tem essa percepção. E, do jeito que a seda saía de um lugar para o outro, a ideia também ia.

[Trilha sonora]

[Bloco de recados]

Leonardo: Bom, e como uma boa religião monoteísta, a gente tem o profeta dessa religião, que, no caso, é o Zaratustra ou também chamado de Zoroastro. Zoroastro porque ele fundou a religião, então daí que vem zoroastrismo, mas Zoroastro é a versão grega do nome Zaratustra. Ele nasceu na região ali do Azerbaijão, que na época seria o norte da Pérsia. A data em si que ele nasceu é meio desconhecida, mas dizem que seria pelo século sétimo antes da Era Comum, e a própria localização também é meio incerta. Durante a vida, ele recebeu uma visão do Ahura Mazda sobre o que ocorre no mundo, e aí ele foi avisado sobre uma guerra que aproximava e como as pessoas deveriam viver no mundo perante essa guerra, e diversas outras verdades instruídas pelo deus para ele. E aí ele foi escolhido para informar o mundo sobre isso. Depois disso, ele passou o resto da vida dele espalhando lá a palavra do Ahura Mazda pelo Império Persa. Ele teria se tornado sacerdote, antes de ser convertido pelo Ahura Mazda, lá pelos 15 anos, as aí foi aos 30 que ele teve a revelação, durante um festival de primavera. E aí um ser de luz chamado Vohu Manah, que ensinou as coisas sobre o deus, então foi um outro ser ali que mostrou para ele, não foi nem a divindade em si. Foi daí que ele ficou sabendo como era, do Ahura Mazda, do embate que tem com o Arimã, todas as verdades. E aí ele começou a ensinar as pessoas para seguirem esse caminho. Essas coisas que ele ia passando para as pessoas foram registradas nos Ghatas e no Avestá, que são os textos – seria o livro sagrado com os ensinamentos e tudo. Tem como deve se portar, a parte histórica em si da revelação, todas essas coisas. A gente vai acabar comparando com a Bíblia, nesse sentido, que é o livro sagrado da religião.

Pablo: Conhecia esse livro como Zendavestá.

Juliano Yamada: Tem um negócio interessante em relação ao zoroastrismo que é mais em relação aos ensinamentos ou pilares deles. Olha como é diferente: tem o tríplice caminho de Asha, que é o (inint) [00:22:36], que significa Bons Pensamentos, Boas Palavras e Boas Ações. Eles priorizavam a caridade para manter a alma limpa e alinhada com Asha, e outra prioridade era espalhar a felicidade, e que existia uma igualdade espiritual e dever dos gêneros. E, por último, eles não tinham a esperança de recompensa, mas que a pessoa deveria ser boa pela bondade interior dela. E é interessante, porque parece muito os pilares tanto do cristianismo, que vai surgir mais para frente, como de outras religiões mais do proletariado ou das pessoas mais pobres, que não investiam tanto na riqueza material como se a sua riqueza material fosse uma recompensa divina.

Leonardo: Tem todos esses ensinamentos nos livros, no Avestá, só que logo de início não foram aceitos. Óbvio, é comum. O pessoal vem querer mudar ali, o pessoal não aceitou muito bem logo de cara, mas principalmente por essa questão que estaria ligada à ideia do monoteísmo, porque com isso ele rebaixou outros deuses como seres malignos. Mais para frente a gente vai falar desses seres, mas ele acabou meio que dividindo alguns dos seres, que eram os deuses que tinha como que podem ter adoração, mas muitos ali são malignos e não deveriam ter adoração. E nisso o pessoal ficou puto. Depois de muito tempo que foi conseguindo, mas logo de cara ele não conseguiu, tanto que ele saiu do local. Aí tem-se uma narrativa – aí você vê que já é dentro da parte religiosa em si, algo histórico mesmo – que ele saiu da casa dele, saiu do local e aí, em um país, um rei chamado Vishtaspa e a rainha estavam ouvindo o Zoroastra falando com os líderes religiosos ali do local, só que aí eles decidiram aceitar as ideia dele colocando como uma religião oficial ali do reino depois que o Zoroastro curou o cavalo do rei. Então é uma narrativa para mostrar que o Zoroastro convenceu o rei e conseguiu fazer um certo milagre em si. Curou – curar não precisaria ser um milagre, mas nesse caso mostra que foi uma coisa sobrenatural.

Pablo: Interessante ver que os convencimentos do poder, da realidade da divindade, se dão pela demonstração do poder da divindade. De todos esses deuses, por que eu tenho que acreditar no seu e não posso acreditar em outro? Geralmente é porque o meu deus é mais verdadeiro ou mais poderoso, e aí você mostra isso através da demonstração dos poderes de determinada divindade.

Leonardo: “Mas o meu deus cura cavalos”.

Pablo: “E o seu faz o quê?” E não é muito diferente do que se faz hoje em dia, por exemplo, com relação a propaganda política, porque você acaba escolhendo o candidato que faz mais promessas ou que faz mais coisas, e não necessariamente aquele que tem uma proposta melhor ou que racionalmente vai produzir alguma coisa melhor, mas sim aquele que consegue demonstrar alguma coisa do seu poder, e aí é claro que você vai escolher aquele que demonstra mais poder.

Leonardo: De certa forma, você iria escolher o deus que entrega mais cestas básicas.

Pablo: Sim, mas é bem isso, ou dentadura, ou qualquer coisa assim. Não é muito diferente, esse processo de convencimento religioso, historicamente, do processo de convencimento político que é feito hoje em dia, porque inclusive a mesma base de falta de criticidade é a mesma. Ninguém para para entender o que está acontecendo. Por que eu devo seguir por esse caminho? Por que eu devo assumir essa religião? Ou por que eu devo escolher determinado partido ou candidato político? Ninguém para para pensar, só estão pensando naquilo que…

Juliano Yamada: Na promessa.

Pablo: … na promessa ou no que o outro pode fazer por você. Ou, no caso, é até uma questão interessante, porque – na religião e na política também não é muito diferente – você acaba escolhendo um muitas vezes por medo também. Então eu acho que até uma tática interessante de convencimento do zoroastrismo é mostrar: “Olha, você tem que aceitar e adorar Ahura Mazda, porque senão Arimã vence”; “Se não for esse aqui, o outro vai vencer, então esse aqui é o único candidato possível que tem voz suficiente para poder derrotar o inimigo, e a gente não pode deixar que o inimigo vença”. É a mesma lógica que as pessoas usam.

Leonardo: Você tem que adorar o Ahura Mazda porque o Arimã é comunista.

Pablo: É comunista, é ruim, não pode, esse ser humano barbudo aí não pode nunca, o nove-dedos… enfim, você cria toda uma mística para poder justificar por que tem que ser o seu deus.

Leonardo: E a parte da idolatria também não está muito longe…

Pablo: É.

Leonardo: … que se tem com as figuras.

Pablo: É, são movimentos bastante conhecidos.

Nilda: Você acha que é novidade, “Eles estão inventando agora de criar inimigos”. Não, querido, estão pegando aquela tática antiga, lá da Pérsia, porque dá certo; porque, se não desse certo, ninguém usava.

Leonardo: Bom, e no caso do Zoroastro deu certo. Depois de um tempinho, mas deu certo. Na época que teve o Império Aquemênida, já se acreditava que o zoroastrismo já estava ali bem estabelecido, mas com o crescimento desse império – foi na época do Ciro, o Grande, o zoroastrismo acabou se expandindo.

Pablo: As relações políticas são coincidências.

Leonardo: E aí os imperadores que vieram depois de Ciro, o Grande reconheceram a religião de forma oficial, então ali o zoroastrismo chegou para ficar mesmo.

Nilda:Sabe qual influência que Ciro também tem? Em relação ao judaísmo. Na história dos judeus, eles foram aprisionados e levados de escravos para a Babilônia, e o grande imperador que os liberou foi o Ciro. E depois disso é que o judaísmo realmente se estabelece como uma religião com muitos mais regras e até muito mais rígida do que era antes.

Pablo: É nessa época, inclusive, que o judaísmo se estabelece como religião, se você tem a questão de uma etnia. Aí é que vem a ideia da religião, porque aí nesse momento que você precisa escrever um livro, porque antes era tudo tradição oral, é aí que você precisa relatar a história, porque antes era tudo tradição oral. E é justamente nessa época, e coincide. Por isso que tem essa questão de como a gente vai dizer qual foi o primeiro. Nessa época do Ciro a gente pode dizer claramente: “Os dois são duas religiões monoteístas”, mas qual veio primeiro como religião monoteísta, aí é disputável mesmo, aí vai muito do que você vai definir.

Nilda: É um grande caldo cultural acontecendo ali, gente, aí fica difícil você separar o que vem, o que acontece ali.

Pablo: Inclusive, vários historiadores vão dizer que muito da organização do judaísmo nessa época vai se dar influenciada por vários sacerdotes do zoroastrismo, de como a gente vai poder organizar uma religião, de como a gente vai ter, então, o culto, de como vai ser a questão do reconhecimento da divindade. Veio do zoroastrismo para o judaísmo e depois vai acabar influenciando também o cristianismo mais à frente, muito mais o cristianismo depois.

Leonardo: É, como até o Yamada falou, tem coisas que lembram ali tudo, são bem próximas. Então você vê que não dá para distanciar; realmente, um vai influenciando o outro. Só que não dá para se aprofundar muito na parte histórica em si, mas, querendo ou não, esse foi o crescimento do zoroastrismo, e toda religião ou império, que seja, que cresce, uma hora pode acabar caindo. No zoroastrismo, teve uma certa diminuição, na época do Alexandre, o Grande, porque ele colocou crenças e culturas helenísticas, mas não foi realmente o fim. Na verdade, nenhum caso aí foi o fim mesmo, porque o zoroastrismo ainda tem, mas não foi tanto uma queda tão grande quanto a que viria depois, que essa sim realmente desestabilizou bastante, que foi a chegada dos muçulmanos. Então, ou seja, um bom tempo depois. Aí, com a chegada do islamismo, os muçulmanos ali na área acabaram pondo para fora os seguidores do zoroastrismo e muitos foram para a Índia, por isso que na Índia você encontra um bom tanto. Acho que na Índia é o local que mais tem seguidores do zoroastrismo; depois é o Irã, mesmo eles tendo saído, ainda ficou gente ali. E é um grupo, acho que são os parta ou parse, agora não vou lembrar de cabeça o nome, mas é um grupo – tem o nome do grupo – do pessoal que saiu do Irã, da Pérsia, para a Índia levando o zoroastrismo.

Pablo: Parses são um grupo étnico-religioso que migrou do subcontinente indiano, da Pérsia, durante a conquista muçulmana. (Inint) [00:32:05] pronuncia parsian ou, na língua persa, parsi. Significa persa. Mas também pode ser chamado de farsi, com F, que é uma forma arabizada de se falar parsi, porque no árabe não existe o P.

Nilda: Eu já vi menções de que tem um povo, que é o povo Yazidi, que tem uma religião muito parecida com o zoroastrismo, mas não é exatamente o zoroastrismo, mas remete ao culto a Mitra, apesar de eles acabarem sendo meio que cristãos, porque eles se batizam, mas a religião deles é muito diferente. Não é muçulmana, não é cristã. Eles têm essa coisa de dualidade do deus, do bem e do mal também. Então eu já vi gente falando que eles são remanescentes do zoroastrismo, apesar de a religião deles não ser considerada zoroastrismo. São um povo muito antigo nessa região. Atualmente, eles convivem muito com o povo curdo. Quando o ISIS atacou o norte do Iraque ali, a região da Síria, eles foram muito afetados. Foi quando eu ouvi falar, e aí diz que eles têm uma religião que é considerada muito antiga que remete ao zoroastrismo e ao culto a Mitra, apesar de, por causa dos milhares de anos e influências, eles até inclusive se batizarem, mas é um batizado deles e da religião deles.

Leonardo: Bom, fechando essa parte do Zaratustra, ou do Zoroastro, que começou a religião e tudo, uma coisa que eu achei interessante – pode ser por falta de fontes, de encontrar, em si, conteúdos mesmo -: mesmo tendo toda essa história, ele sendo profeta, ser algo bem antigo e tendo uma data e local incertos de onde ele nasceu, pouquíssimas vezes eu vi em algum lugar pondo que seria algo lendário, de ter aquela dúvida de se realmente existiu ou não. Muitas vezes mostra: “Não, está ali, existiu mesmo”, independentemente da religião existir ou não em si, não vi muito. E isso a gente tem até a questão de Cristo, colocando se existiu ou não em si; do Zoroastro, não. Isso me chamou atenção. Como eu falei, pode ser também porque você não encontra tanta fonte em si.

Pablo: Uma das questões para a gente poder questionar a historicidade são as discordâncias das fontes. Se a gente pega os evangelhos primeiros, os que não são canônicos, inclusive, os evangelhos gnósticos, os primeiros escritos sobre quem foi Jesus, ali tem um monte de discordância a respeito da fonte, de quem é Jesus. Um vai dizer uma coisa, outro vai dizer outra, e aí a gente não tem como saber de fato qual é, entre aspas, a história oficial. Então a gente pode questionar inclusive a historicidade. É o que acontece, por exemplo, com Moisés. Eu sempre vou trazer esse exemplo. Quando a gente olha, a principal fonte da história de Moisés é a Bíblia. Ok, a Bíblia não necessariamente vai contradizer a história de Moisés; talvez a maior contradição seja: Moisés escreveu esse livro, mas ele contou sobre a própria morte. Opa, então ele não escreveu esse livro. No máximo, é isso. Mas de resto você tem inferências históricas – o nome só não é referências, são inferências, do tipo: o faraó. Qual faraó? Não importa, o faraó. Só que, quando a gente vai estudar história do Egito, já que é faraó, a gente encontra evidências de vários faraós, mas a gente não encontra evidência de escravização de hebreus. Então como fica? Então vamos ver ali. Na Bíblia, eles passaram 40 anos no deserto. Vamos ver se eles deixaram uma bituca de cigarro no deserto. Nada. Então não tem tanta evidência histórica. Aí a gente vai questionar a historicidade. E aí eu posso levantar duas hipóteses sobre isso. Uma delas: ou de fato você tem consistência histórica nas evidências sobre o Zoroastro, então você tem diferentes fontes que vão trazer relatos consistentes, ou você não tem fontes suficientes, aí você não tem como levantar essa dúvida e você simplesmente aceita, porque as fontes que são apresentadas são suficientes para você contar uma determinada história. Mas você não vai necessariamente ter fontes suficientes para trazer histórias discordantes. Às vezes pode ser isso também. E aí eu não faço ideia qual é, mas são duas hipóteses que eu levanto aqui para poder até a gente não questionar a historicidade.

Leonardo: Eu imagino que seja essa questão de não ter muita coisa, mas é interessante ver o motivo de nenhuma parte questionar em si.

[Trilha sonora]

Leonardo: A gente falou do profeta do zoroastrismo, mas agora então vamos falar dos deuses ou do deus em si. Vamos falar dos seres relacionados a essa religião. Bom, em primeiro lugar a gente tem aí o deus supremo, criador, o Ahura Mazda, ou um outro nome que ele tem é Ormuz – eu falei que ele tem outros nomes, um deles é esse. O Ahura Mazda significa senhor da sabedoria, (inint) [00:37:09] o ahura seria o senhor; Mazda, sabedoria. É a ideia de que ele sempre existiu ali, foi ele que criou o mundo e tudo de bom no mundo. Então é fácil de descrever: ele sempre existiu, criou o mundo e criou as coisas boas. Por que dá ênfase em criar as coisas boas? Porque a gente tem o contraponto dele, que é o Arimã, que aí também ele é chamado de Angra Mainiu, e aí ele seria quem criou as coisas ruins: doença, morte e tudo que tem de ruim no mundo, ele que criou. Ele é maligno e é o oponente do Ahura Mazda.

Pablo: Ele teria criado a caixa de Pandora, no caso.

Leonardo: Sim, sim. É interessante que nesse ponto eles colocam bem que o que é ruim, do que você reclama, o que você fica assim: “Pô, deus, se você é todo poderoso, por que existe o mal? Por que existe isso?”, aqui eles põem, eles explicam que é porque tem o Arimã, está tendo a batalha dos dois. Então é a explicação do mal, da origem do mal. Não fica aquela coisa que você pode pôr muitas vezes: “Morte é algo ruim, mas é algo necessário, então deus faz aquilo lá porque precisa mesmo. Então a gente tem que entender, tem que aceitar a morte”, não, a morte é ruim mesmo. Ela existe, você vai ter que aceitar, porque não tem o que fazer, mas ela está ali porque o Arimã colocou. Ele que estragou o que o Ahura Mazda fez. Mas, se fossem só esses dois, ficaria simples, mas tem outros seres, que são os Amesha Spenta – esse nome, eu acho bem estranho, mas ok. São sete entidades, e aí é dito que são emanações do Ahura Mazda. Aí que vai também ficar aquela dúvida assim: “Não, mas espera aí, são outros seres?”, não, são emanações dele, então ele ainda é um só. E aí cada um representaria uma qualidade que as pessoas devem seguir. Às vezes são chamados também de Spenta Mainyu, sendo que esse nome, Spenta Mainyu, também é definido como uma das emanações dele, por isso que às vezes você vê como sendo seis ou sete emanações – quando são sete, colocam esse Spenta Mainyu como uma das emanações, que muitas vezes o pessoal compara como sendo o espírito santo.

Pablo: Eu acho até mais fácil comparar com a questão da trindade, porque o espírito santo, dentro da teologia cristã aceita, não é uma emanação de deus, é deus, ponto. Não é uma forma… porque a gente fala de emanação… vamos pensar que pessoas têm emanações: um arroto, uma flatulência é uma emanação de um corpo, é alguma coisa que sai. O espírito santo não é uma coisa que sai de deus; o espírito santo é deus. Aí eu acho que é mais fácil entender os Amesha Spenta como sete em um.

Nilda: É, se você considera que normalmente as divindades são consideradas seres superiores, de existência que um ser humano não consegue aprender totalmente, quer dizer que ele se divide em várias coisas menores… se divide não, mas ele se apresenta com facetas diferentes para você conseguir entendê-lo melhor, faz um certo sentido em termos religiosos. Em um pensamento religioso: olha, eu não consigo ver o deus completamente, então eu tenho que vê-lo fragmentadinho para eu começar a conseguir entender cada vez uma parte dele, porque senão tudo, para mim, eu não consigo aprender.

Leonardo: É, tanto que aquele que eu esqueci o nome, que se mostrou para o Zaratustra, o Vohu Manah, seria uma dessas emanações. E ali ele fez um papel meio tipo de um anjo também. Você poderia colocar como algo assim: um anjo foi lá e avisou – se colocasse para as outras religiões. Mas ele é um desses Amesha.

Nilda: É, essa coisa do mensageiro dos deuses era uma coisa – que é a questão dos anjos, o mensageiro das divindades boas ou más, o que seja – muito presente na cultura daquela região ali do Irã e da Mesopotâmia. Se a gente começar a reparar, Ahura tem muito a ver com Azura, com alguns termos hindus. Não exatamente o mesmo significado, porque mais para frente a gente vai ter Daeva, que pode lembrar Deva, só que são seres diferentes, mas os nomes são muito parecidos e é algo sobrenatural que não é o deus em si, mas é algo sobrenatural.

Leonardo: É, foi interessante, você já citou os Ahuras e os Daevas, que a gente tem essas sete emanações, que isso está bem relacionado ao Ahura Mazda, mas a gente tem outros seres. Então não acabou por aí. A gente tem os Ahuras e os Daevas, e aí forma realmente dois grupos, ou seja, mais uma característica dual. Os Ahuras são os que podem receber adoração, eles devem ser adorados; e os Daevas são os que devem ser rejeitados. Lembra, ouvinte, quando eu falei que o Zaratustra falou: “Olha, tais deuses aqui não são para serem adorados”, por isso que muita gente caiu em cima dele, não aceitou? São esses Daevas, que, para alguém transformar isso em anjo e demônio é fácil, porque você tem os que são do lado de deus e outros, que são os oponentes, porque até os Daevas estariam juntos com Arimã. E aí a gente vê, nessa questão de estarem juntos, o Ahura Mazda junto com um tal Mitra – então já chegou aí a vez do Mitra, vindo ali da Índia – e um outro chamado Apam Napat. Eles seriam três Ahuras que estariam juntos com Ahura Mazda. Teoricamente, teria vários, mas é muito comum ver representação desses três de uma forma meio que junto ali, fazendo uma trindade de repente. Então a gente tem esses três. O Mitra a gente já falou várias vezes ali, tem um episódio sobre ele, que veio da Índia, passou pelo Irã, foi para Roma. É um deus peregrino, que fica andando ali. E o Apam Napat aparece como criador da humanidade. Aquela questão que eu falei de que o Zoroastro passa um quê meio de meio termo, de que está saindo de um politeísmo, indo para um monoteísmo… por exemplo, esse Apam Napat é um ser que criou a humanidade, onde, em um monoteísmo, você vai imaginar: “Pô, foi o Ahura Mazda, foi o deus, o deus supremo ali, o deus criador”. É chamado de deus criador também. Mas não, em certos locais, você vai ter um outro ser, que aí ele que é o criador da humanidade. Se fosse em um politeísmo, seria tranquilo. No politeísmo tem vários deuses, um pode ser o supremo, quem pode ser criado a humanidade pode ser outro, quem fez não sei o que com a humanidade, ser outro. É mais fácil se espalhar, mas aí você vê um ser específico como criador da humanidade. Não encontrei nada muito a fundo nisso aí, mas eu imagino que isso não deva ser algo em todo local; atualmente, nem deva ter mais isso. Talvez, atualmente, eu imagino que o Ahura Mazda que leve toda a fama de que criou tudo mesmo, mas são também, da mesma forma que as emanações, que os Ameshas, seres ou divindades que estão juntos com Ahura Mazda e o auxiliam. Nilda: Eu pensei… é um conceito que é meio estranho para quem é cristão, mas é o fato de que talvez, para esse povo, a humanidade não tenha sido o centro da criação do deus. Outro ser poderoso pode ter criado a humanidade, porque a humanidade não é o centro da criação ou da vida ou da existência. Eu peguei esse conceito inclusive de uma fala do Ailton Krenak contando uma história de um deus que o deus criador voltou à humanidade e viu o mundo e tal. Aí um humano perguntou: “O que você achou?”; “É, vocês são mais ou menos” e foi embora. Tipo, um dia ele lembrou: “Ah, eu lembrei que eu criei os humanos, deixe-me ver como eles estão. É, vocês são mais ou menos. Evoluíram mais ou menos. Vocês não são o centro do mundo”.

Leonardo: Está sendo bonzinho até. Até foi elogioso. No caso do zoroastrismo, a gente vê: eles criaram a gente para ter voto. A gente estava comparando com a questão de política e tudo, mas do Ahura Mazda é bem assim. Eles nos criaram para terem voto, porque realmente a gente tem… voltando à questão de conceitos, o Yamada tinha falado já de alguns conceitos, um outro conceito bem importante no zoroastrismo é o livre-arbítrio. Isso é uma coisa que é bem forte, é mostrado bastante isso aí, que aí como tem esses dois lados, a gente vai escolher. E também não tem nada relacionado a uma culpa, um pecado original, nada assim, então a gente está neutro. A gente nasce neutro e aí a gente tem esses dois lados para escolher. Aí você vai para a sua tendência boa ou má, e aí o Ahura Mazda quer que a gente vá para o lado bom para ele ganhar. Então é bem coisa de votos: quer ter 50% mais um, aí o Ahura Mazda ganha. Seria isso. E já que a gente está falando da gente, então vamos chegar agora à nossa criação. Tem essa do Apam Napat ter criado a humanidade, mas tem uma outra narrativa ali que mostra a nossa criação, que aí o Ahura Mazda cria um ser chamado Gayomart, que é um ser sem gênero definido. Às vezes mostra que ele seria um ser humano, e ele adorava o Ahura Mazda, mas às vezes dá a entender também de ser um monstro. Tem algumas representações… representações não, mas algumas descrições. E aí, beleza, criou esse ser, e aí o Arimã envia um outro ser chamado Jahi, que às vezes também a encontra sendo descrita como uma demônia da luxúria. Dá ênfase de ser feminina. Ela mata o Gayomart e do cadáver dele surgem as árvores e as sementes e os ramos dão origem à vida. E aí, dentre essas vidas, está o primeiro casal de humanos. Então a gente veio de um cadáver de um ser sem gênero definido, é isso. E a Jahi, que o Arimã tinha criado, também é a responsável pela menstruação.

Nilda: Ah, agora eu entendi por que ela é chamada de demônio.

Leonardo: Quando eu estava pesquisando isso, eu estava conhecendo essa narrativa, isso me lembrou de Ishtar e o… agora esqueci o nome dele. O Enkidu. Porque aí vem, independentemente da questão bom ou mau, tudo aí, mas um ser meio indefinido – tudo bem, o Enkidu mostrava ser homem e tudo mais, mas tinha a questão selvagem lá e tudo -, e aí vem a Ishtar, transa com ele e tudo. Foi me lembrando disso, sabe?

Nilda: Educa-o.

Leonardo: É, sabe? Foi me lembrando.

Pablo: De repente veio de aí.

Leonardo: Porque você vê que nesse daqui, da Jahi, ela mata o Gaymart, mas eles dão ênfase que ela é relacionada à luxúria. Para ela matá-lo, não precisaria estar falando que é da luxúria. Então vai ver do que ela matou.

Nilda: É, e tem que ver o que, disso, quando chegou para a gente, acabou chegando, tipo, uma pessoa do mal, da luxúria – você está ligando a luxúria a uma coisa que talvez não seja boa.

Leonardo: É, e principalmente quando fala demônia da luxúria, então já está pondo… você vê que já é uma descrição posterior, põe como demônia, então já está realmente pondo como errado. Mas ela, dentro do zoroastrismo, seria ruim, porque ela veio do Arimã, ela é a mando dele. Bom, e também falando aí de nós, já que, se você for seguir o Zoroastro, você tem que saber como vai para o além, tem que já estar preparado. A pessoa é julgada, tem um julgamento, tem um juízo final – a gente vai falar daqui a pouquinho -, tem um julgamento da pessoa e isso ocorre em uma ponte. Aí você, zoroastrista, vai lá, vai cruzar a ponte.

Nilda: Responde três perguntas.

Leonardo: E aí, se você foi uma boa pessoa, uma bela mulher cheirosa o conduz; se você foi ruim, uma velha fedorenta que vai conduzi-lo pela ponte. Se for a mulher cheirosa, se você foi uma boa pessoa – é muito estranho isso, mas é assim -, a mulher vai te conduzir. Beleza, você vai ali só aguardar o juízo final. A velha fedida que vai conduzir você, se você foi uma má pessoa, vai te conduzir por um caminho da ponte onde vai ficando cada vez mais estreito, até você cair no abismo. E também tem um local neutro, que aí é coisa clássica: crianças, que não teriam como ser julgadas se foram boas ou más, vão para esse local neutro ali. Mas, mesmo se você foi mal e você está lá no abismo sofrendo, levando chicotada lá da horda do Arimã, as suas punições são temporárias. Não se preocupe que não é uma punição eterna, então uma hora vai acabar. E uma hora realmente vai acabar, porque vai chegar o juízo final. Depois de uma luta de três mil anos, o sol e a lua vão escurecer, o inverno vai tomar o mundo e, desses seres que trabalham para o Arimã, o mais terrível deles vai se libertar, que é o chamado de Azi Dahaka, ou Zahhak, ou Dahak. Mas aí vai vir o salvador do mundo, que vai nascer de uma virgem. Ele vai ressuscitar os mortos. Os impuros, o pessoal que estava ali apanhando no abismo, vão ser purificados, então vai limpar todos os pecados, o nome vai ficar limpo, não vai ter mais dívida nenhuma…

Pablo: De novo, a relação política não é proposital.

Leonardo: … e aí, como vai ter mais gente do lado do Ahura Mazda, o bem vai vencer o mal e os humanos se tornarão imortais.

Nilda: Só fazer um comentário anterior a essa questão do juízo final, que é a questão de existir um lugar neutro, aí você vê que a questão do purgatório, que existia no catolicismo, mas que não existe mais, não saiu do nada, não é um conceito que inventaram na Idade Média. Quer dizer, é um conceito que já existia. Talvez não fosse usado, talvez tenha sido relembrado por algum motivo, mas é um conceito (inint) [00:52:00].

Pablo: Inclusive, o pós-morte judaico é mais ou menos assim: você simplesmente fica lá esperando.

Leonardo: Fica aguardando.

Pablo: É, aguardando. Você não tem um…

Leonardo: Cara, já é uma boa tortura.

Pablo: Não, mas não é, porque é que nem como se você estivesse dormindo. Quando você fecha os olhos e apaga…

Leonardo:Ah, então de boa.

Pablo: … e você só acorda depois, é mais ou menos assim. Então a morte seria uma coisa, tipo, você fica lá esperando deus decidir o que vai fazer depois.

Leonardo: Porque se fosse ficar esperando em tipo uma sala de espera com a senha, aí seria tortura mesmo.

Pablo: É, não, mas não tem senha, não. É só ficar lá esperando.

Nilda: Esperar com a senha é o inferno.

Leonardo: É, então.

[Trilha sonora]

Leonardo: A gente falou dessa questão da criação dos humanos, falou mais ou menos como é o Ahura Mazda em si, mas aí tem uma vertente, que essa é bem específica. Ozoroastrismo, ouvinte, você muitas vezes pode encontrá-lo como masdeísmo, porque é Ahura Mazda, masdeísmo. Quando se fala do masdeísmo, é esse que a gente foi falando agora, são essas descrições aí. Mas a gente tem um que é chamado de zoroastrismo zurvanita ou zurvanismo. Essa vertente ganhou adeptos na época do Império Sassânida, e ela muda algumas coisas, ela fica até muito mais dual que o zoroastrismo em si ou que o masdeísmo, por assim dizer, porque ela coloca o Ahura Mazda e o Arimã realmente como irmãos gêmeos. Aí realmente eles estariam ali equivalentes. E no início haveria Zurvã, que seria uma divindade andrógena, então o Ahura Mazda não é o primeiro; ele ou ela queria ter descendentes para que criassem o mundo. Ele não ia criar o mundo, ele queria que alguém criasse. E aí ele teve Ormuz e o Arimã, e aí disse que quem ia ser o soberano ia ser o primogênito. Aí o Arimã ouviu isso dentro da barriga dela… dele/dela, o Arimã ouviu isso e se antecipou. Rasgou o útero e já quis nascer. Aí o deus teve que fazer isso, o deus/deusa teve que conceder a liderança para o Arimã, só que ele percebeu a maldade que o Arimã teve nisso, então ele limitou o poder do Arimã por nove mil anos, e aí depois o Ormuz que iria reinar para sempre. Aí que está, essa que é a ideia de que agora a gente está em um momento ruim, que a gente estaria nessa época de nove mil anos liderada pelo Arimã, mas o Ahura Mazda, o Ormuz – no zurvanita, eu vejo sempre como Ormuz – que ia trazer a gente para o lado dele, que aí, quando ele trouxer, quando acabar esses nove mil anos, ele vai vencer. Com a nossa ajuda, vai vencer e vai ficar de boa para sempre, tudo vai ficar bem. E esse Zurvã, muitas vezes é dito que ele é o tempo, e aí, com isso, passando ali pelos gregos vem a comparação de ele ser o Chronos – o Chronos com CH -, que é o Chronos voltado já para o tempo.

Juliano Yamada: É interessante ver sobre o zurvanismo, que ele é um ramo extinto do zoroastrismo. O zurvanismo surgiu, ele ficou meio que restrito e acabou desaparecendo. Até hoje, isso é uma discussão entre estudiosos da área para saber o porquê ele teria sumido, se eles foram rechaçados pela entrada das culturas mais gregas e babilônicas ou se foram também rechaçados pela cultura islâmica que estava entrando na região. Sabe-se que o zurvanismo era mais regional, então provavelmente algum povo entrou lá e subjugou os zurvanistas. Provavelmente tenha acontecido isso, mas isso ainda não é muito bem definido. Sabe-se que essa dualidade, que as divindades eram gêmeas, foi praticamente extinta dentro do zoroastrismo. Surgiu e depois desapareceu.

Leonardo: Eu imagino, essas outras, por serem algo localizado que acabou extinguindo ali, vindo com outras religiões, mas eu imagino que o próprio masdeísmo, que seria o zoroastrismo mais padrão, que estaria vindo até hoje, não aceite, então de repente também trava, mesmo que de repente não extinga o zurvanismo, mas ele não vai aceitar, então vai manter muito localizado mesmo, porque, por mais que ainda use os mesmos seres, você equipar… porque, realmente, o zurvanismo vai estar comparando os dois. Os dois estão em pé de igualdade, é algo forte. Esse sim é o dualismo que, quando você pesquisa o zoroastrismo de forma superficial, você ouve: “Ah, é uma religião dualista, que tem dois deuses, um bom e um mau”. O zurvanismo vai bem nessa pegada. O masdeísmo, que tem até hoje aí, já não; ele vai ter essa dualidade, mas mostra que não, o que é bom mesmo, o que é poderoso é o Ahura Mazda. O Arimã é só um mais abaixo ali que está causando problema. Bom, como a gente falou, é uma religião extremamente antiga, mas ainda tem, ainda existe. Eu não encontrei nada mostrando que tenha algo aqui no Brasil. Se alguém conhecer algo, mostre aí, que é legal. Se alguém for zoroastrista aí, fale, legal, porque eu não encontrei nada aqui. Como eu falei, o que mais se tem é na Índia, no Irã, tem nos Estados Unidos, tem em alguns outros locais lá. Eu vi uma proporção ali, mas os que mais você encontra mesmo são em média de 70 mil atualmente na Índia…

Nilda: Que é nada.

Leonardo: … mas porque no geral mesmo também é dito que não tem mais do que 200 mil seguidores do Zoroastro. Mas aí você tem no Irã e nos Estados Unidos; tem alguns outros países, mas cada vez menos. É bem pouco.

Pablo: Logo, a gente vê quem anda vencendo, que não é Ahura Mazda. Arimã está vencendo.

Leonardo: É só esperar acabar os nove mil anos que aí vence. Se for por essa versão, é só esperar os nove mil anos. Se for pela versão mais tradicional, aí a gente realmente tem que ir para o lado do Ahura Mazda para dar voto para ele.

Nilda: Dos nove mil anos da revelação, não se passaram nem três mil direito ainda.

Pablo: Então isso quer dizer que dá tempo para virar o jogo?

Nilda: Não sei se eles contam o número de seguidores da religião como… se você não segue a religião, o restante, todo mundo adoro o Arimã. Talvez não, talvez você esteja na outra religião por desconhecimento, mas você, sendo bom, está do lado de Ahura. Não sei, tem que verificar isso.

Pablo: Porque dentro da lógica deles, inclusive, dentro desse desenvolvimento do zoroastrismo, quando você tem a criação do conceito de Devas, você acaba encaixando ali dentro dos Devas todas as outras divindades das outras religiões. Consequentemente, se você adora algum Deva, ou seja, se você adora alguma divindade de alguma outra religião, você está do lado de Arimã. Pergunto-me se Yahweh, Jesus ou Alah ou qualquer uma outra divindade monoteísta, estaria em qual lado dentro dessa classificação do zoroastrismo. Seriam manifestações de Ahura Mazda ou seriam Devas? E aí a gente já pode ver qual lado tem mais seguidores.

Nilda: Eu não sei, porque, como diz, o deus do Antigo Testamento é complicado. Muito complicado. O do Novo Testamento é um pouquinho mais bonzinho, mas o do Antigo Testamento é…

Leonardo: É, eu, como estou neutro nessas questões, então eu estou mais do lado do Ahura Mazda. Não acredito, mas eu estou do lado dele. O plano de governo dele é mais claro do que o do Arimã. O do Arimã só falou que ele faz o mal; o do Ahura Mazda foi mais definido. Então os meus votos estão para o Ahura Mazda. Pessoas, considerações finais?

Nilda: É uma religião que a gente não conhece tanto aqui no Ocidente, é uma religião muito pequena, mas as ideias corretamente ou, digamos assim, sendo mal interpretadas influenciaram a humanidade, influenciam a humanidade até hoje. Essa questão da luta do bem contra o mal; apesar de não ser apenas isso a religião deles, essa ideia ficou muito forte no mundo, principalmente no mundo ocidental. Então é uma religião que nos influencia apesar de talvez a parte que nos influenciou seja a parte mais importante da religião, mas é uma coisa que nos influencia ainda.

Juliano Yamada: Tem um negócio interessante, que é mais como curiosidade: é que a gente tem uma influência que muita gente viu sobre o zoroastrismo, mas nem percebeu que em Game of Thrones tinha lá o deus da luz ou senhor da luz, da chama. Aquilo ali é bebido diretamente do zoroastrismo, para quem não sabe. O zoroastrismo tem o fogo como…

Leonardo: Sim, sim.

Juliano Yamada: … elemento principal. A gente acabou nem falando: os dois elementos principais do zoroastrismo são água e fogo – a água no começo, o fogo no final, mas os dois representam a vida. E no Game of Thrones o fogo em si, o deus da chama, o senhor da luz, era ligado a uma figura chamada Azor Ahai, que acabou nem sendo apresentada na série. Apesar que a série foi uma bagunça, mas isso não vem (inint) [01:02:09]. O Azor Ahai teoricamente carregaria a Luminífera, que é a espada renascida de chamas e que a usaria para expulsar as trevas. Até a gente ficou empolgado quando viu isso. Realmente quem era fã de Game of Thrones ficou empolgado, ficou esperando isso, e acabou no final nem tendo.

Leonardo: Não deu em nada.

Juliano Yamada: Não deu em nada. Mas Ahura Mazda serviu muito de inspiração para o senhor da luz que é mostrado em Game of Thrones. Os dois são praticamente a mesma entidade, só que a gente nem percebeu, porque realmente pouco da cultura pop o explorou e muito menos a gente conhece.

Pablo: Mas, por falar em manifestações culturais, tem duas, uma especificamente que sempre me incomoda, que eu acho que tem a ver. Existe uma marca de carro japonesa chamada Mazda, e eu me questiono: “Será que existe uma relação?”. Eu sempre me perguntei se tinha essa relação. Era uma marca muito mais popular, nunca veio para o Brasil, mas era muito popular, aparecia em alguns filmes, inclusive, nos anos 80; aí acabou perdendo espaço. Eu acho que ainda existe, mas não é tão conhecida.

Juliano Yamada: Ela existe no Japão. Por incrível que pareça, a sede é em Hiroshima. O nome realmente vem do Ahura Mazda.

Leonardo: É, estou vendo agora. Olha só. Pelo menos segundo a Wikipédia. Se você for ver o símbolo dela, pelo menos um dos símbolos tem umas asinhas aqui, e o símbolo principal do zoroastrismo tem duas asas, que é o principal símbolo. Tem um nome aquele símbolo.

Juliano Yamada: Nota oficial da empresa – apesar de que o nome surgiu antes da nota oficial, porque Mazda veio por causa de um dos primeiros caminhões da empresa -: “O nome também foi associado a Ahura Mazda, deus da luz, com a esperança de que iluminaria a imagem desses veículos compactos”. É mais ou menos uma propaganda, mas acho que eles viram o som, ficou com uma sonoridade boa e assumiram.

Leonardo: Essa empresa precisa crescer, ter mais coisas, para o Ahura Mazda começar a ganhar mais aí. Eu não sei como está…

Juliano Yamada: A Mazda era muito popular por aqueles compactos. Foram os famosos compactos que entraram nos Estados Unidos e acabaram com aquela indústria do muscle car, que existia na região norte-americana, e meio que deu um grande problema nas indústrias automobilísticas de lá e criou aquele cinturão, rusted belt, cinturão enferrujado, que é ali perto de Chicago. A Mazda tem grande participação no que aconteceu naquela região, porque, pensa, os Estados Unidos têm um carro que cada pisada no acelerador vai um galão de gasolina; de repente, chega ao mercado um que você dá uma gotinha de gasolina, você trabalha o mês inteiro.

Leonardo: Eu fiquei curioso para ver qual seria a empresa concorrente da Mazda. A gente já sabe que é do Arimã.

Nilda: É a Ford, a Chevrolet, todas essas que estão gastando gasolina demais, poluindo o ar…

Leonardo: Faz sentido.

Nilda: … e um carro que gasta menos gasolina e polui menos o ar está do lado do bem. Faz todo sentido. Para mim, a história é essa. Não quero nem saber mais.

Pablo: Enfim, essa é uma das referências da cultura, que eu conheço. E uma outra referência até interessante, não sei se vocês sabiam, mas os pais do Fred Mercury eram zoroastristas. O Fred Mercury nasceu na Tanzânia, mas, na época, eles eram refugiados da Índia, que era colônia inglesa, e aí eles foram para a Tanzânia, onde o Fred nasceu, mas eles trouxeram de lá.

Leonardo: Eu descobri que o zoroastrismo ainda existia – isso há muito tempo – por isso. Já conhecia o zoroastrismo, sabia dessa questão da religião antiga, mas aí uma vez eu ouvi isso aí da família dele ser. Ué, mas espera aí, então quer dizer que tem hoje? Aí que eu fiquei sabendo de ser uma religião que continua até hoje aí. Porque também são as únicas pessoas relacionadas a alguém famoso que seriam dessa religião, porque eu não conheço, não me lembro de ouvir falar em mais ninguém.

Nilda: Se você (tem) [01:06:40] uma religião, a sua religião está meio problemática, vá para a Índia, porque lá tem tanta religião que mais uma religião não costuma causar muito problema. Ainda mais se não for tão grande assim e tal, normalmente dá para viver de boa, porque tem muita religião lá. Tem até um cristianismo lá que é totalmente diferente do cristianismo do Ocidente. Chegaram cristãos lá e fundaram um cristianismo que não seguiu nenhuma lógica da Europa.

Leonardo: Gostei.

Pablo: Acabei de encontrar uma referência do ritual fúnebre do zoroastrismo, que é uma coisa bem interessante, que é assim: era prática comum você enterrar ou você queimar as pessoas. No zoroastrismo, você tem uma outra prática fúnebre, que é você construir torres altas e deixar as pessoas, os corpos, no alto dessas torres para serem comidos pelos urubus. Os urubus eram vistos justamente como quem ia dar conta dos corpos, como uma forma de você não contaminar a terra. Essas torres servem para isso.

Leonardo: Foi bom ter explicado a questão das torres, porque eu tinha visto isso aí de não enterrar ali para não contaminar, então o que eu tinha visto falava: “Então eles deixavam os corpos”, aí eu fiquei: “Caramba, deixavam o negócio largado”, mas deixam em um local próprio.

Pablo: Em um local próprio, aí os urubus iam lá e comiam, que é uma forma de você inclusive… é até bastante higiênica, diria eu, tirando o fato de que às vezes, tipo, o urubu pegava um pedaço e saía voando com o pedaço na boca e esse pedaço caía no meio da rua. Aí de repente caía uma mão de alguém: “O que é isso?”. Caía da boca do urubu, e aí começou a ser problema. Aí, recentemente, por uma questão também para evitar esse tipo de problema, eles começaram a adotar a prática de cremação. Mas as torres do silêncio eram umas práticas bem comuns durante muito tempo.

Leonardo: Bem interessante. Então, ouvinte, espero que tenha gostado do episódio, de ter conhecido mais o zoroastrismo. Essa religião é algo que compensa pesquisar mais a fundo, ainda que tenha pouca coisa em português. Eu peguei pouquíssimo em português para montar essa pauta, mas vale a pena para ver a nuance que tem dessa transição entre os sistemas de crença ali da época, indo do politeísmo para o monoteísmo. Isso me marcou bastante quando eu estava estudando, eu o vejo bem como essa questão dessa transição. Isso, na verdade, para mim, falando bem até, sabe? Porque mostra muita complexidade, muitos elementos ali da região e da época. Isso eu acho bem legal. Isso deixa bem confuso, então, para entender bem, você tem que delimitar ali a região e a época nas quais você está analisando o zoroastrismo, porque a gente mostrou que tem uma vertente; atualmente já muda um pouco. Porque é bem antiga, então tem que ver: “Ah, estou estudando isso em tal época – tal época era grande, pegou todo o Império Persa e tudo, foi mudando com o tempo. E aí o zoroastrismo, a gente vê que não é apenas uma religião monoteísta no meio de uma região politeísta; para mim, eu a vejo bem como resultado de mistura de crenças ali dos locais, dos diversos deuses, porque vai desde o Irã até a Índia. A gente tem Mitra vindo da Índia, passa por ali; outros seres da região acabam sendo agregados, e ainda sim ela se põe como monoteísta, porque vai ter o ser supremo e os outros como emanações, como o que quer que sejam, que também é bem parecido com outras religiões monoteístas. Mas é interessante a gente focar em uma religião monoteísta que foge da trindade abraâmica. É legal ver outra que muitas vezes pode ter sido até anterior a elas. E é isso.

[Trilha sonora]

[01:11:30]

(FIM)