Panteão Egípcio

Por Daniel Silva

A mitologia egípcia pode ser divida em dois grandes grupos de mitos, mais ou menos relacionados entre si. Tal divisão existia devido as divergências sobre os diversos papeis e poderes dos deuses, prováveis resquícios da época em que o Egito era uma grande nação tribal, com cada Deus sendo adorado como criador e Deus Supremo nessa e naquela tribo. Assim, apresentamos os Deuses dentro do conceito desses grupos, que chamaremos de Mito Menfita e Mito Tebano, tendo em vista os mitos de criação do universo. Vários deuses eram conhecidos por ambos os mitos. Esse último, por ser menos organizado e claro, abrange todo o Vale e sul do Egito.

Mito Heliopolitano: Aqui temos a Enéade, a família das nove divindades principais do Egito Antigo, segundo o mito de Heliópolis, que é composto por sua vez pelo ciclo solar de Rá, e pelo ciclo de Osíris. Eram deidades muito famosas, sendo adoradas em toda a história do Egito, apesar do auge de seu culto ter sido no período mais arcaico da história egípcia. Heliópolis também era chamada de Iunu.

(Aton, Ré, Kepri, Amom-Rá): Grande pai dos Deuses, foi o criador do mundo a partir do Num. Foi, por séculos, a mais poderosa divindade cultuada pelos egípcios, em especial como Deus Sol, onde ele tinha suas formas: Kepri, o sol nascente, na forma da bola de excrementos que o escaravelho rola pelas dunas ao alvorecer; Rá, o sol em seu auge e esplendor, como um homem com cabeça de Falcão, e Aton, o sol velho que surge durante a tarde. Mais tarde foi unido a Amon, formando Amon-Rá.

Chu: Deus dos céus e do ar, trazia o sol ao mundo a cada manhã, alem de sacrificar os espíritos maus no outro mundo. Gêmeo de Tefnut, com quem era casado, foi pai de Geb e Nut.

Tefnut: Deusa do orvalho e da umidade, casada com Chu, de quem era gêmea. Sua presença era garantia de bom tempo, pois afastava as secas. Era uma Deusa primitiva e quase esquecida, sendo sua veneração mais comum, quando ocorria, era junto de seu pai e de seu marido. Mãe de Nut e Geb.

Geb: Deus da terra, vivia tentando abraçar Nut, deusa da abobada celeste, mas era impedido por seu pai, Chu, devido ao fato de Rá proibir o incesto entre o seus netos. Representava a fertilidade, e em conjunto com Hapy, o Nilo, fertilizava o Egito.

Nut: Deusa da abobada celeste, era retratada nua, inclinada sobre a terra, separada por Chu, que a sustentava nos céus, de seu esposo, Geb. Era muitas vezes representada com o corpo da cor do céu estrelado e enluarado. Era muito dada com Thot, a quem devia favores, numa época em que ele era o Deus da lua.

Osíris: Deus do outro mundo, trouxe as plantas e as estações do ano para a terra. Era juiz dos mortos, e guardião do Amanti. Foi um deus vivo, primeiro Faraó, que trouxe a civilização para o Egito, que se encontrava em um estado de lamentável selvageria, com acontecimentos que envolviam, inclusive, canibalismo. Entre outras coisas, foi ele quem persuadiu Thot a passar aos egípcios a escrita, e a arte da feitura do papel. Como Deus da vegetação deu a humanidade o conhecimento da agricultura e do cultivo nos diversos grãos, na lama do Nilo. De fato sua representação como divindade da vegetação era como um homem de pele verde. Era relacionado com Hapy. Foi morto por seu irmão Seth, e foi ressuscitado por sua esposa, Isis, também sua irmã.

Ísis: Esposa-irmã fiel de Osíris, deusa da magia. Mãe de Hórus, foi ela que juntou os pedaços de Osíris espalhados pelo Egito e o ressuscitou, assim como cuidou do filho nos pântanos do delta, protegendo-o da perseguição de Seth. Como rainha consorte de Osíris ensinou ao povo do Egito como assar o pão, fazer a cerveja, tecer o linho, costurar e várias outras artes próprias do mundo civilizado.

Hórus: Deus da Monarquia, depois assumiu o aspecto de Chu como divindade dos céus. Era filho de Isis e Osíris, que em criança teve de ser escondido no Delta para escapar a fúria de Seth, seu tio e assassino de seu pai. Lá foi criado e protegido por muitos Deuses, principalmente Hator, com quem tinha uma relação ora filial, ora de amante. Depois da maioridade, vingou o assassinato de seu pai por parte de Seth, numa guerra em que lutou como um Falcão e Seth como um hipopótamo vermelho, até o julgamento dos Deuses, onde foi vitorioso e tornou-se Faraó. Era representado com um falcão branco, ou um homem com cabeça de falcão.

Seth: Temido e odiado pro muitos, Seth é um dos deuses mais curiosos dos antigos mitos egípcios. De fato, inicialmente era tido como um Deus violento mas heroico, pois era guardião da barca solar, enfrentado a serpente Apofis todas as noite para garantir que o Deus sol renascesse a cada alvorada. Mais tarde, recebeu como herança de seu bisavô os desertos e Oásis que cercam o Egito, e até o fim do império egípcio era associado aos desertos, como guardião da eternidade. Contudo, foi por inveja da parte de seu irmão Osíris, que tinha a parte fértil do Egito, que Seth o matou, perdendo para sempre a imagem de bravura e passando a de assassino e sádico, quando fatiou o corpo.

Na guerra contra Hórus foi ora derrotado, ora vitorioso, até o julgamento dos Deuses, convocado por Isis, que implorou uma trégua. Diz-se em certas lendas que deles recebeu o vale do Nilo, se tornado patrono do sul, e que Hórus recebeu o Delta do Nilo, e que os Faraós eram a união desses deuses. Inclusive através da coroa Branca do Baixo Egito e da vermelha do Alto Egito, já que branco era a cor de Hórus, e vermelho a de Seth. Era representado como um homem de cabelos ruivos, ou como um homem com cabeça de um animal desconhecido. Era casado com sua irmã Néftis, e não teve nenhum filho com ela.

Néftis: Era uma Deusa pouco conhecida, tida como guardiã dos mortos. Era esposa de Seth, mas seu casamento com ele foi infeliz, e quando ele assassinou seu irmão Osíris, ela o abandonou de vez. Existem certos registros de que certa vez embebedou e teve relações sexuais com Osíris, nascendo daí o Deus Cão e guardião das Necrópoles, Anúbis. Ela auxiliou Isis no processo de ressuscitar Osíris.

Anúbis (Anupu): Deus com cabeça de Cão, dizia-se ser fruto de relações tidas entre Néftis e Osíris. Era guardião das Necrópoles, e guia das almas no Amanti, alem de ser responsável por pesar o coração dos julgados com a pena da deusa da verdade e justiça, Maat. Era comum ser representado como um chacal negro deitado, e estava presente no selo das necrópoles: um chacal deitado acima de nove homens decapitadas.

Genealogia da Enéade

Neith: A deusa mãe Neith era adorada em Saís, no Delta do Nilo, onde se conta que ela teria saído das águas do Nilo, criando a arte do parto e criado também vários deuses, homens e animais, inclusive o próprio deus sol, Rá. Segundo uma das muitas lendas que cercam essa poderosa deidade, ela teria cuspido nas águas do Nilo, e de sua saliva nasceu à serpente do mundo dos mortos, Apofis. Era chamada de a mãe Caçadora.

Neith era uma grande caçadora, e usava um arco de madeira clara como arma, e um escudo para se defender. Seu símbolo era de fato duas flechas cruzadas sobre um escudo, e as sacerdotisas de Neith eram peritas no uso do arco. Alguns mitos mais antigos a colocam como uma espécie de rival de Seth, pois ela caçava nos domínios deste Deus. Seu animal sagrado era o Abutre fêmea.

Hathor: mãe adotiva de Hórus, era uma deusa benevolente e calma, de temperamento bastante bondoso. Encarnava um aspecto mais singelo das deusas, pois era a protetora das crianças. Mais tarde, surgiram mitos que a identificavam como uma amante de Hórus, com o qual ela seria mãe dos Deuses protetores dos vasos Canopos. Era uma deusa popular, muito vista com Bés, e seu animal era uma vaca. Dizia-se ser a face mais humana de Seckmet. Existe, segundos certos registros, alguma relação de Hathor com Sekcmet e Bastet.

Seckmet: Deusa das doenças, era uma divindade temida, encarregada de defender o Deus Sol. Diz-se que foi quem em um dia massacrou a maior parte da raça humana, por ordem de Rá. No Novo Império foi associada à cura, principalmente no templo de Deir-El-Bahri, no qual se praticavam várias curas. Seu animal era a Leoa, e aparecia como uma mulher com cabeça de leoa. Alguns registros a dão como outra face de Hathor ou de Bastet.

Mito Tebano: Muito mais sutil para ser vislumbrado, no mito tebano temos o mundo sendo criado por muitos Deuses diferentes. Ptah o teria criado pelo verbo, Khnun o feito em sua roda de oleiro, e temos o outeiro primordial, de onde as divindades teriam surgido. Muitos deuses são comuns aos dois Mitos, em particular Thot e Anúbis. No mito tebano não existe uma hierarquia bem clara e definida, mas se considera Amon/Amon-Rá como uma espécie de divindade Suprema.

Amon, o Oculto: Deidade tebana do vento, foi o deus mais popular do novo Império, e protetor pessoal dos Ramessidas, dos grandes Amenofis, entre outros. Era uma divindade do vento, dos segredos, da verdade e de sia (a intuição divina do Faraó). Sua forma verdadeira era desconhecida por todos, exceto para o Faraó, o herdeiro do trono, e o Primeiro Profeta de Amon (Sumo Pontífice de Luxor e Karnak) e era conhecido então por seu animal sagrado, o carneiro com chifres recurvados.

Era amplamente cultuado no complexo gigantesco de Karnak e Luxor onde centenas de sacerdotes, trabalhadores, artesãos, etc mantinham o templo em pleno funcionamento, numa das mais ricas cidades de todo o Egito. Formava, com Mut e Konshu a trindade tebana similar a de Osíris, Isis e Hórus no Delta, apesar de sua menor importância. Diz-se que na batalha de Kadesh foi ele a auxiliar Ramsés II, o grande a derrotar o imperador do Hatti e sua confederação de inimigos do Egito.

Mut, a Mãe: Deusa da maternidade, era a esposa de Amon, e encarnava os mesmos papeis de Isis, fosse como mãe dedicado ou como esposa fiel. Era entretanto pouco venerada, mesmo em Tebas, onde suas poucas sacerdotisas eram submetidas à autoridade do Primeiro profeta de Amon, sendo seu Templo um pavilhão próximo a Karnak. Porem, no novo império, sua adoração coincidiu com um aumento do poder de Amon, quando ela passou a ser associada a Grande Esposa Real, e a aspectos mais mundanos.

Khonshu, o atravessador do universo: Divindade tebana relacionada com a luz da lua e a magia, Khonshu era filho de Amon e de Mut. Era venerado somente por aqueles que andavam pela noite, ou que necessitavam de seus poderes, como os magos. Era famoso por sua relação de amizade com Thot, como durante o celebre episodio do jogo de Senet. Não tinha um templo, mas era venerado em Karnak junto a seus pais. Apesar disso, era bastante famoso entre os estudiosos das casas-da-vida dos templos.

Sokaris, o senhor da Região Misteriosa: Um deus gavião, Sokaris era o artesão que forjava as bacias de prata onde os mortos lavavam os pés e também era o alquimista que misturava os unguentos e especiarias dos rituais fúnebres. Era também, em certos mitos, um aspecto de Ptha, parecendo então como Ptha-Sokaris.

Em mitos mais antigos, era o mestre da Região misteriosa, a parte externa do Amanti, onde vivia e governava. Seu animal era o Gavião.

Secshat, a Rainha da biblioteca: Chamada de senhora das bibliotecas, era a esposa de Ptha, e deusa da escrita. É representada por uma estrela de sete pontas como diadema, e uma Túnica ritual de pele de pantera. Era uma espécie de Escriba dos deuses, mas com papel inferior ao de Thot, de quem era vassala. Era venerada em Jemenu, (Heliopolis, em grego) próxima aos templos de Thot ou de Ptha. Seu “animal” era uma árvore, dentro da casa da vida de Heliopolis.

Thot, o senhor da Sabedoria: Era um Deus misterioso, tido como criador de muitas atividades intelectuais, tais como a matemática, a astronomia, a matemática, a geometria, a arquitetura, a medicina, a musica, a magia, e a Escrita.

Era muitas vezes visto como Mago dos deuses, conhecedor de tudo, apesar desse papel, mais tarde ser de Isis, sendo o protetor da famosa comunidade de Deir-en-Medineh, a comunidade dos construtores de túmulos reais. No novo império foi o patrono da Diplomacia, e o protetor de muitos dos mais famosos faraós (os Tutmes).

Muitas vezes era chamado de senhor da Lua, (apesar do Deus Tebano Konshu também o ser), devido ao seu aspecto de mago, e não se sabia quem era seu pai, sendo mais provável o deus Aton. Thot, no tribunal dos mortos era o escrivão dos Deuses, aquele que anotava o nome dos que iam para o doce Amanti, ou para a boca de Babai (ou Amuut) a grande devoradora. Seu animal sagrado era o Babuíno, e o Íbis.

Sobek, o deus crocodilo: Venerado em Fayum, era um Deus inquietante, muito próximo do Deus Seth. Aparecia como um homem de pele clara, usando um sudário, mas com a cabeça de um crocodilo adulto. Seu poder era o de governar as ações que mudam de forma súbita a o curso natural das coisas, como os acidentes, incêndios e mortes inesperadas. Assim pode-se ver a sua associação com o Crocodilo, que ataca de forma súbita, agitando as águas calmas no Nilo. Outros aspectos desse Deus era ser paciente, esperando o momento certo de dar o bote, e a persistência, de nunca largar a sua vitima, ou de nunca desistir de um intento. Em épocas mais tardias, no período Tanita, e durante o império Kushita, foi associado à astúcia. Seu templo no Fayum era repleto de grandes crocodilos.

Bés, o bom gênio: Um Deus brincalhão, geralmente simbolizando a alegria de viver. Era protetor das parturientes, usando sua aparência deformada e suas caretas para assustar os demônios que tentavam tomar a alma nos recém-nascidos. De todas as divindades de todas a história egípcia, era a única a ser representada de frente, nunca aparecendo de perfil, o que gera especulações a respeito de sua origem. Era visto como um anão deformado, narigudo, sempre pulando batendo num tambor e a língua de fora. Dizia-se que suas caretas faziam os recém-nascidos rirem.

Bastet, a senhora do amor: Era a Deusa do amor e dos prazeres, extensamente cultuada por todos egípcios. Era também a divindade de longe mais associada a seu animal (no caso o gato), com o qual nutria características muito próximas, entre as quais as maneiras mais maliciosas. Era uma deidade benevolente, mas seu amor era muito voltado para um aspecto mais sexual e para os prazeres. Seu festival, em Busbatis era famoso, e reunia pessoas de todo o Egito, até de todo o Oriente Próximo para desfrutar de seus prazeres. Dizia-se que era um aspecto mais jovial de Hathor, ou um aspecto menos temível de Seckmet.

Trindade Menfita: Além dos deuses supramencionados, em Mênfis havia uma trindade de Deuses especais, tidos como criadores do mundo, relacionados ao Num e a Rá de forma especial. Eram eles:

Ptah, o Soberano dos Artesãos: Conhecido também como patrono dos artesãos, esse era um deus largamente cultuado no novo império, sendo inclusive dado a ele papeis de criador do mundo através da palavra. Não se sabia de quem ele era filho, sendo uma das chamadas “divindades pré-criação” que surgiram antes de Rá (eles eram os deuses Khnun, Ptah, Neith e Num). Era venerado em dois locais, Mennofer (Mênfis) onde era identificado com o boi Ápis, e tinha o templo funerário do Serapeo, (oráculo de Serapis, divindade grega Ptlomaica identificada com Ptah) e em Tebas, pois era protetor de Deir-in-Medineh, (comunidade exclusiva, autorizada a trabalhar no vale dos reis). Foi, em particular patrono do Rei Menreptah, (“o amado do Deus Ptah”, sucessor de Ramsés II, o grande), um dos maiores reis da Décima nona dinastia. Costumava ser retratado como um homem de pele clara, vestindo um Sudário branco, com dois cetros nas mãos: o bordão do pastor, um estranho cajado, cuja ponta superior era recurvada. Era um deus atento as suplicas dos homens, e tinha para isso grandes orelhas.

Nefertun, o nascido do lótus: Terceiro Deus da trindade Menfita, filho de Ptah e de Seckmet, era representado como um homem com um lótus na cabeça, simbolizando sua ligação com a natureza. É mencionado em muitos textos antigos ás vezes como deus primevo, associado ao Num. Mais tarde é dado como filho de Ptah e Seckmet, muitas vezes perdendo esse posto para Imhotep divinizado. Como deus da natureza, era o calor do sol.

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